O preço da austeridade: Temer pagou R$ 2 bi a deputados no mês em que apresentou o pacote de reformas

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O preço da austeridade: Temer pagou R$ 2 bi a deputados no mês em que apresentou o pacote de reformas

Pagamentos a deputados aumentam em meses que precedem votações estratégicas. Prática desvirtua a função original das emendas parlamentares, criadas para assegurar o interesse popular nas políticas públicas.

O preço da austeridade: Temer pagou R$ 2 bi a deputados no mês em que apresentou o pacote de reformas

Qual o preço da austeridade? Em dezembro do ano passado, o governo pagou aos deputados federais o valor recorde de emendas parlamentares da série histórica iniciada em 2015, quando os dados se tornaram públicos. De uma tacada só, foram gastos R$ 2 bilhões. O montante foi recebido pela Câmara junto a outro pacote: as matérias das duas principais reformas que seriam votadas neste ano – a da Previdência e a Trabalhista. A estratégia é repetida por Temer desde que os deputados tiraram Dilma Rousseff da presidência e o colocaram no lugar.

O presente de Natal que Temer deu aos parlamentares foi noticiado à época como um afago, um agrado a sua base no Congresso. O ministro do planejamento, Dyogo Oliveira, chegou a dizer que a previsão inicial era de R$ 4,7 bilhões para as duas Casas, mas que o plano tinha sido “frustrado” em um bilhão e, portanto, seriam pagos “só” R$3,7 bilhões.

Dados do sistema de informações sobre orçamento público federal (Siga Brasil) mostram diversos picos nos pagamentos de emendas. Os movimentos de alta começam na data em que a Câmara alçou Temer interinamente ao governo e se repetem sempre em datas muito próximas a votações-chave: um mês antes da votação da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra Temer, um mês antes da votação da Reforma Trabalhista e um mês antes da votação da Reforma do Ensino Médio.

Histórico dos pagamentos de emendas a deputados federais:

Infografia: Raquel Cordeiro

Mas, afinal, o que são emendas parlamentares?

As emendas são uma ferramenta para um sistema de governo em que os três poderes são bem divididos, explica o professor Michael Mohallem, da FGV Direito Rio. Essa foi a maneira encontrada para garantir que diferentes interesses populares fossem contemplados no orçamento e atendidos por políticas públicas. O especialista em direito público e ciência política critica, no entanto, a forma como esta ferramenta, que é legal e democrática, tem sido desvirtuada desde que Temer assumiu:

“A emenda tem como finalidade a participação democrática do legislativo nas políticas públicas. É uma construção de participação para que a pluralidade de interesses seja contemplada. Mas, quando ela é usada para perpetuar o clientelismo — um percentual alto vem sendo destinado para iniciativas privadas, por exemplo — abre-se mais espaço para que esse dinheiro seja mal usado. Há uma radicalização na negociação por emendas que parece levar a um modelo negativo e inconstitucional, o que merece ser debatido.”

“Quantidade desproporcional”

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Para o deputado Baleia Rossi (PMDB-SP), a relação entre pagamentos de emendas e votos é uma “tese absolutamente incabível”.

Foto: Divulgação/PMDB nacional

Quatro deputados protocolaram pedidos de investigação na Procuradoria Geral da República contra o presidente, pelo uso estratégico das emendas. Nos textos, eles questionam a prática de liberar as verbas em “quantidade desproporcional” a pretexto de uma aprovação no pleito. Entre junho e julho, Temer pagou R$799 milhões aos deputados – valor maior que o pago nos últimos 12 meses de governo Dilma, em que foram pagos R$162 milhões à Casa.

“Estão gritando e chorando uma tese absolutamente incabível”, alfinetou então o deputado Baleia Rossi (PMDB-SP), que faz parte da base de apoio do governo. Pouco mais de um ano antes, a mesma “tese” era usada contra Dilma.

O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), chegou a entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) um mês antes da votação na Câmara sobre o afastamento da petista. O documento pedia o bloqueio de pagamento das emendas parlamentares, que Caiado chamava de “barganha por votos contra o impeachment”.

A conta, por favor

A cobrança veio do polêmico deputado Wladimir Costa (SD-PA), logo após sua forte atuação durante a votação sobre a denúncia de corrupção contra Temer: “Não quero que saia quatro, quero que saia 100, 200 milhões para ajudar o pobre, o povo pobre do meu querido estado do Pará”. Costa gritou frases de ordem aos aliados e bateu boca com adversários a cada nome que se aproximava do microfone.

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O deputado Wladimir Costa (SD-PA)

Foto: Jeremias Alves/ divulgação

Já os parlamentares do chamado “Centrão” (PP, PSD e PR) se dividem sobre a forma como querem a recompensa pela fidelidade: há os que exigem os cargos dos “traidores” e os que afirmam não ter esse tipo de interesse (ou seja: querem mais pagamentos de emendas).

“Não quero que saia quatro, quero que saia 100, 200 milhões para ajudar o pobre, o povo pobre do meu querido estado do Pará”

A falta de cerimônia ao tratar emendas como moeda de troca por votos tem sido tanta que os parlamentares sugeriram levar esse dinheiro para as eleições como parte do financiamento de suas campanhas. Se isso se concretizar, cai o véu do real interesse dos parlamentares sobre uso dessas verbas.

Como explicitado na fala de Costa, esse dinheiro vai para o seu “querido estado do Pará”, ou seja, para seu curral eleitoral. O dinheiro das emendas se converte em auxílio a políticas públicas locais e, não raro, quando chega ao destino prometido — em formato de material hospitalar, pavimentação de ruas, reformas em escolas, entre outros — é recebido com uma celebração que, claro, tem como participante principal o parlamentar que assina a emenda.

Admitir esse dinheiro como parte da campanha é admitir que essas ações são movidas por puro interesse eleitoral. E, ao abrir as comportas e fazer jorrar bilhões sobre os atuais parlamentares, Temer está garantindo que a maioria deles esteja de volta a Brasília em 2019.

Como funcionam as emendas?

Uma mudança feita em 2013 na Lei de Diretrizes Orçamentárias tornou obrigatório o pagamento das emendas aprovadas, chamadas “emendas impositivas”. Em 2015 uma nova obrigatoriedade, criada na LDO de 2014, tornou-se constitucional: o valor anual pago em emendas impositivas deve respeitar o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no ano anterior e metade do montante deve ser destinado a ações de auxílio à saúde pública.

Em 2016, com a emenda constitucional já em vigor, o total pago em emendas individuais girou em torno de R$9 bilhões, sendo R$3,3 bilhões apenas para deputados federais. Na Câmara ainda existem emendas de bancadas e de comissões. Além disso, também existem todas as emendas oriundas do Senado.

O pagamento é obrigatório, mas a lei não determina em que ponto do ano ele deve ser feito. Quem decide isso é a Secretaria de Governo da Presidência da República. Atualmente, a pasta é controlada por um deputado federal licenciado: Antônio Imabassahy (PSDB-BA).

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O deputado Vicentinho Junior (PR-TO) coordena o Comitê de Admissibilidade de Emendas.

Foto: Divulgação/ Liderança do PSB na Câmara

Deputados apresentaram, cada um, até 25 projetos para 2017, todos inscritos dentro do prazo estipulado: entre os dias 3 e 20 de outubro do ano passado. As bancadas apresentam duas emendas cada.

A lei tampouco determina como o dinheiro deve ser dividido entre os parlamentares, se um parlamentar pode ganhar mais do que os demais, ou quais emendas devem ter prioridade. Quem controla essas regras é o próprio Congresso, através do Comitê de Admissibilidade de Emendas. O comitê, é claro, é montado majoritariamente por parlamentares de partidos aliados ao governo, como o próprio PMDB, o PSDB e os exigentes do chamado “Centrão”.

O Congresso também é responsável por aprovar o orçamento anual da União. Eles emitem, cobram a conta e ainda determinam como ela deve ser paga.

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