Descontrole fiscal, o argumento que pavimentou o caminho pelo qual Dilma Rousseff foi empurrada do Planalto, está de volta. Henrique Meirelles aparentava cansaço e impaciência na noite desta terça (15), ao anunciar o aumento de R$ 20 bilhões no rombo previsto para as contas públicas deste ano. Não era à toa: a revisão dos cálculos estava prevista para a quinta-feira anterior, dia 10. O atraso de quase uma semana se deu por uma longa negociação com a base política do governo. Coroando a subserviência da equipe econômica ao Congresso, o anúncio foi feito antes disso pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Aclamado em sua posse como o nome forte do governo, aquele que traria o controle à perturbada economia brasileira, Henrique Meirelles, o “Sr. Estabilidade”, começa a se ver refém do Congresso e a ter sua credibilidade questionada. Para se concretizar, todo o pacote de cortes de gastos anunciado na noite de terça ainda passará pelo crivo dos parlamentares, já que o orçamento da União não deixa de ser uma lei. A armadilha foi a mesma que levou Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma, a pedir demissão após um ano de tentativas frustradas em reajustar a economia — eclodindo a crise que levou impeachment.Desconfiança na meta se reflete em desconfiança sobre Meirelles
O novo cálculo apresentado é colocado sob suspeita, já que exige cortes profundos e receitas extraordinárias. E, mesmo assim, o país deve continuar no vermelho até 2020. Por tudo isso, apesar de parecer um aumento significativo, um rombo R$20 bilhões maior pode ainda estar longe da realidade brasileira. A professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Denise Lobato, não descarta uma nova revisão: “A meta é irreal, porque a receita vai continuar caindo. E é provável que mudem novamente, se não a deste ano, a do ano que vem”.
Para o professor de finanças do Ibmec, Gilberto Braga, uma nova revisão não é tão provável porque implicaria em total desestabilidade da equipe econômica e poderia, inclusive, resultar na saída de Meirelles. Ele acredita que o novo limite expandido do rombo fiscal pode ser respeitado, mas apenas com cortes profundos na máquina. No entanto, vê o episódio como um desgaste muito forte entre a equipe econômica e a base política:
“O desgaste foi tão grande nesse episódio que já se fala em fritura de Meirelles. Algo que não estava no radar do mercado passou a constar, que é o questionamento à capacidade da equipe econômica em fazer vencer sua tese. Com esse episódio, lança-se uma dúvida sobre a estabilidade de Meirelles.”
Braga afirma que Meirelles ainda conta com a confiança das instituições financeiras — ele é emissário delas, afinal —, o que garantiria sua permanência e, consequentemente, a de Temer. Essa seria a diferença entre ambos e a dupla Dilma e Levy.
Já Lobato explica que uma das formas de resolver a questão fiscal brasileira passa pela cobrança de dívidas bilionárias que estas mesmas empresas têm com a União. “A saída não agrada a quem está hoje no Congresso porque seria preciso cobrar das instituições financeiras, enfrentar interesses fortíssimos”, critica a especialista. Na realidade, em vez de cobrar, o governo tem perdoado essas dívidas.O argumento fiscal é apenas a manifestação de um conflito maior, cuja solução não está no orçamento.Para a professora, a diferença entre a situação de Dilma no fim do mandato e a atual de Temer é que ela não passava a imagem de que iria barrar as investigações sobre parlamentares. Já Temer tem dado sinais claros de repressão aos trabalhos do Ministério Público e da Polícia Federal:
“Na época da Dilma, o legislativo achava que ela não pararia a Lava Jato e passou a usar o argumento fiscal para derrubá-la. Se Temer permanecer na linha de frente das acusações e esse Congresso perceber que as reformas econômicas e as privatizações não passarão, eles vão tirá-lo da mesma forma. O argumento fiscal é um biombo. É apenas a manifestação de um conflito maior, cuja solução não está no orçamento.”
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