Depois de sessões tumultuadas e embarreiramentos da oposição, a previsão é que a Câmara dos Deputados vote nesta quarta, 30, a nova taxa de juros cobrada nos empréstimos do BNDES. Pouco conhecida da população em geral, a medida afeta a vida prática do brasileiro porque é com esses empréstimos que investimentos são feitos, e investimentos se convertem em emprego e renda. Caso seja aprovada — o que, pelo andar da carruagem, será —, a taxa de juros cobrada pelo banco vai aumentar. O texto prevê uma garantia nos próximos cinco anos para o micro, o pequeno e o médio empreendedor. Depois disso, ficarão entregues à própria sorte: as cobranças seguirão um modelo que privilegia projetos mais caros e dificulta o acesso aos investimentos públicos.
A mudança chega ao Congresso por meio de Medida Provisória assinada pelo Executivo (já tradição no governo Temer) no momento exato em que o BNDES vinha anunciando modificações em sua dinâmica de investimentos que aumentam o foco em pequenos negócios. Lembrando que as micro, pequenas e médias empresas são as que mais empregam — 43,7 mil novos empregos só em julho —, enquanto as grandes estão demitindo. São também as pequenas que garantem a saúde da economia regional.Como no caso da PEC do Teto, a bomba-relógio instalada não irá explodir ainda nesse governo. Dois trechos da proposta aprovada pela Comissão Mista do Congresso garantem a transição ao longo de cinco anos:
Nesta quarta, 30, a proposta está em pauta para ser votada na Câmara, e a promessa do governo é que o texto chegue ainda hoje ao Senado. Pelo regimento interno do Congresso, a proposta precisa ser aprovada nos plenários da Câmara e do Senado até 7 de setembro, ou o texto caduca. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) afirmou que, para ser aprovada na Casa, a medida precisa ser entregue na próxima segunda, dia 4 de setembro, assim os senadores teriam duas sessões para discutir o assunto e concluir a votação:
“Se a Câmara não votar a tempo, paciência. Se votar a tempo, eu vou colocar no plenário, que decide se aceita ou rejeita. Essa é a regra do jogo.”
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) é um dos que tem feito pressão para que o texto seja aprovado o mais rápido o possível.
Vamos manter o acordo e vamos votar a MP que cria a TLP amanhã na comissão especial. Votaremos o texto ainda esta semana na Câmara.
— Romero Jucá (@romerojuca) August 21, 2017
A nova TLP é fundamental para estruturar os processos de financiamentos, de investimentos, e do próprio incentivo fiscal para o Brasil.
— Romero Jucá (@romerojuca) August 1, 2017
TL o quê?
A sopa de letrinhas é proposital. Segundo o Senado, a TLP aumenta os juros nas operações com recursos do FAT. Tradução: os empréstimos do BNDES ficarão mais caros e, dentro de cinco anos, deverão estar equiparados aos oferecidos pelos bancos privados.
Como banco público de desenvolvimento, a função do BNDES é direcionar o dinheiro para iniciativas consideradas importantes na política econômica do país; como, por exemplo, para as pequenas empresas ou para a exportação. O que garante juros mais baixos que a taxa básica do mercado (7% versus 9,25%) é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Aproximadamente 30% dos recursos do BNDES vêm deste fundo.
A economista Beatriz Meirelles, da Associação de Funcionários do BNDES, aponta que, ainda assim, a taxa de juros praticada atualmente pelo banco já é alta: “Quando você coloca os spreads [adicionais de risco impostos pelos bancos comerciais, que elevam as taxas cobradas do cliente final], a taxa já é alta para padrões internacionais. Então esse papo de juros camaradas é uma grande manipulação”.
O uso de um fundo para garantir investimentos e desenvolvimento não deveria sequer ser uma questão. Ferramentas econômicas como essa existem em todo p mundo, como explicou Ernani Torres Filho, professor de economia da UFRJ, durante uma das audiências públicas sobre a nova taxa de juros proposta. Ele comparou o modelo brasileiro ao japonês, que usa do Programa de Investimento e Empréstimo Fiscal, nos mesmos parâmetros do FAT:
“A maneira como eles se explicam ao público é igualzinha a que o FAT se explica ao público. Eu existo para quê? Fundos de empréstimos, sem depender de receitas fiscais, para gerar renda e emprego. E em nenhuma dessas circunstâncias isso é considerado subsídio. Em nenhuma dessas circunstâncias, esses instrumentos são considerados como afetando a potência da política monetária.”
Em entrevista a The Intercept Brasil, o professor explicou que a taxa menor hoje utilizada pelo BNDES é uma forma de estimular o índice de investimento do país, que é baixo no comparativo internacional. Ele afirma que a nova taxa condenará a todos, o investimento vai se tornar mais caro para empresas de todos os tamanhos. E o poder dos bancos privados vai aumentar “porque o BNDES sai da jogada e a concentração de bancos, que já é alta, aumentará mais ainda”.
O Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida, explica que as taxas praticadas pelo BNDES poderão desobedecer a nova regra, contanto que os parlamentares aprovem: “Aí vocês me perguntam: mas e se tiver uma obra, como um metrô de Salvador, que seja importante para a comunidade, se o BNDES quiser emprestar a um juros de 4% ao ano, ele pode? Ele pode. Mas isso terá de ser aprovado pelo Congresso”. Hoje, a equipe econômica tem independência para estipular estes índices.
O secretário também afirma que o fato de os bancos comerciais — que são quem negocia os empréstimos do BNDES diretamente com o cliente final — aumentarem as taxas por assumirem os riscos de calote, já faz com que a TJLP não chegue “pura” aos empresários. Isso, segundo o secretário, garante que o fim da TJLP não irá afetar os juros cobrados pelos demais bancos.No primeiro semestre deste ano, os bancos comerciais travaram a oferta de empréstimos do BNDES aos pequenos empresários, fazendo o desembolso do cartão BNDES cair 60% entre janeiro e maio. Como alternativa para driblar o bloqueio dos bancos privados — que faziam a ponte entre BNDES e pequenas empresas — o banco público criou em junho um canal online onde o empreendedor entra em contato diretamente com o BNDES.
Em um contexto de aprovação recente da lei de terceirização e da reforma trabalhista, que incentivam a transformação de trabalhadores em microempreendedores, cresce o interesse dos bancos privados por essa nova carteira de clientes. Isso fica mais do que claro na propaganda veiculada semana passada pelo banco Santander, onde o narrador anuncia “você virou empreendedor” e apresenta o que chama de “sua nova carteira de trabalho”: a máquina de pagamentos em cartão de crédito do banco.
— Santander Brasil (@santander_br) August 22, 2017
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