De todas as notícias sobre o infame retorno de Joesley Batista, a mais desanimadora veio da China: Michel Temer estaria encarando o assunto com “serenidade”. Para entender melhor o que isso significa, é necessário um resumo do busílis áudio-conspiratório, mas vamos tentar fazer isso de maneira rápida e indolor.
Joesley, dono do maior frigorífico do país, conquistou a posição de escroque máximo da nação depois de gravar uma conversa com o presidente Michel Temer, na calada da noite, sem registro oficial. Nos áudios, o Brasil constatou a estranha naturalidade com que o presidente da República escutou o empresário confessar, entre outros crimes, que pagava pelo silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
A conversa embasou a delação premiada que não só livrou Joesley da cadeia, como permitiu que ele negociasse dólares e ações da própria empresa na bolsa, mantendo-se estupidamente rico. E também foi usada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para denunciar Temer por corrupção passiva. Mas o Conde, apesar de nunca ter sido eleito, conta com todas as prerrogativas do cargo e não pode ser investigado sem que dois terços dos deputados federais autorizem.
Delação em xeque
Diante dessa possibilidade, o que fez nosso impopular mandatário? Usou de sua arma nada secreta: a cara-de-pau. Liberou bilhões em emendas parlamentares, distribuiu aos amigos ruralistas agrados que provavelmente vão acelerar a extinção da humanidade e prometeu punições aos infiéis.
A estratégia funcionou, e o presidente mais impopular da história não foi sequer investigado. Os benefícios da delação que deixou Joesley Batista livre, contudo, continuaram valendo. Pelo menos até segunda (4) quando Janot chamou a imprensa e divulgou um despacho sobre uma nova gravação que aumenta ainda mais a confusão geral da nação.
Afinal, não parece a melhor das ideias colocar R$ 8 bilhões a juros subsidiados nas mãos de um sujeito incapaz de entender que apertando uma vez grava, apertando outra vez, para de gravar.
Há várias surpresas nos novos áudios. A primeira delas vem logo no começo, quando nota-se que os dois homens que se propuseram a ser “a tampa do caixão” da política nacional não sabiam como usar um gravador. O que, indiretamente, leva a suspeitas quanto à facilidade na concessão de empréstimos do BNDES. Afinal, não parece a melhor das ideias colocar mais de R$ 8 bilhões a juros subsidiados nas mãos de um sujeito incapaz de entender que apertando uma vez grava, apertando outra vez, para de gravar.
Pois é. Nas revelações recentes ficou claro que Joesley e seu comparsa, Ricardo Saud, não só penaram para usar o aparelho, como, aparentemente, se gravaram sem querer. A patetada dos gênios conspiradores gerou, ao todo, quatro horas de um diálogo cheio de interrupções e passagens incompreensíveis, mas, de tudo o que se falou, o mais sério, até segunda ordem, tem a ver com um sujeito com nome de cerveja: Marcello Miller.
Miller foi procurador e trabalhou na Lava Jato, com Janot, até o dia 5 de abril, quando debandou para o outro lado. Acabou contratado pelo escritório de advocacia que fez o acordo de leniência da J&F, de Joesley. Achou suspeito, caro leitor ressabiado? Pois calma que piora.
Na conversa que agora veio à tona, Saud diz que está ajeitando a situação com Miller. Mas o detalhe que torna a coisa toda explosiva é que a gravação foi feita no dia 17 de março, vinte dias antes de o procurador se desligar da procuradoria de fato (ele já tinha anunciado que sairia na data da conversa).
Diante da suspeita de que tinha, à época, uma espião na equipe, Janot parou as máquinas e veio a público se explicar. Disse que tinha pedido uma investigação sobre o assunto e que, em último caso, se ficasse comprovada a omissão de fatos, poderia suspender os benefícios da delação que deixou Joesley livre para pilotar seus brinquedos sexuais em Nova Iorque (aparentemente, as inépcias tecnológicas do sujeito não se estendem a vibradores sem fio).
No pronunciamento, Janot ressaltou que as provas não seriam anuladas e que “não há ninguém, ninguém, que republicanamente esteja a salvo da aplicação da lei”. Esse seria o momento em que o Conde Temer poderia levantar a mão, dizendo “eu, eu”, caso não estivesse do outro lado do mundo, esforçando-se para não virar um meme chinês. Porque sim, Temer tem se mostrado a salvo da aplicação da lei – ainda que não republicanamente. Além da denúncia de corrupção, ele safou-se do julgamento no TSE, para o qual indicou dois dos sete juízes.
Voltamos, portanto, à afirmação do começo do texto. Temer está sereno porque pouca coisa mudou para ele. Janot já disse que vai encaminhar a segunda denúncia à Câmara, e esse é o único fato que realmente conta. Porque como ficou dolorosamente claro da última vez, a maior parte de nossos nobres deputados está pouco se lixando para o conteúdo da acusação. O que vale é o toma-lá-dá-cá que ela possibilita.
Não custa lembrar que os políticos que já absolveram Temer uma vez são os mesmos que evocaram Deus, a família e o aniversário da neta para sacar do poder uma presidente eleita, com a desculpa de uma manobra fiscal usada pelo próprio Conde mais de uma vez. A serenidade de Temer, portanto, corresponde à indiferença do velocista que entra dopado no ginásio, ou do jogador que senta à mesa sabendo que as cartas estão marcadas.
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