Os abutres que sobrevoam os destroços de Porto Rico depois da passagem dos furacões Irma e Maria estão cada vez mais próximos de realizar um velho anseio: a privatização do setor elétrico da ilha.
Porto Rico, um território dos Estados Unidos, foi poupado do pior quando o Irma passou rente ao seu litoral norte. Mas a ilha não escapou ilesa: a pedido do governador Ricardo A. Rosselló, a Casa Branca declarou estado de emergência. Três pessoas morreram e mais de um milhão ficou sem eletricidade depois da passagem da tempestade.
Na quarta-feira, o Maria atingiu a ilha em cheio, matando pelo menos 9 pessoas. Autoridades locais ainda avaliam os estragos substanciais causados por mais esse furacão. Relatos dão conta de que, na quinta-feira, o território inteiro da ilha ficou às escuras.
O frágil organismo responsável pela eletricidade porto-riquenha é a Autoridade de Energia Elétrica de Porto Rico (Prepa), que já havia avisado antes da catástrofe que partes da ilha poderiam ficar sem eletricidade por até seis meses. Graças à alteração da rota do furacão e à dedicação de seus funcionários, a Prepa – única fornecedora de energia elétrica da ilha – conseguiu restabelecer o abastecimento para mais de 70% dos lares dias após o Irma. Mas agora, com a passagem do Maria, não se sabe quanto tempo será preciso para a luz voltar completamente.
Porém, depois que as lâmpadas voltarem a acender, os porto-riquenhos enfrentarão uma nova ameaça.
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“[Os investidores] nunca tiveram uma oportunidade melhor”, diz Carlos Gallisá, ex-representante dos consumidores do conselho diretor da Prepa. Ele conversou com o The Intercept por telefone de San Juan. “Eles já começaram, dizendo que só a privatização vai ajudar o povo”, afirma.
Para governos em dificuldade em todo o mundo, a privatização de serviços se tornou uma maneira fácil e rápida de levantar fundos – uma injeção imediata de dinheiro em orçamentos deficitários. Visto o tamanho da Prepa e da sua dívida (US$ 9 bilhões), a empresa já está há muito tempo na mira dos privatizadores – desde antes da aprovação, no ano passado, da Lei de Supervisão, Gerência e Estabilidade Econômica (PROMESA), criada para tentar controlar a crise da dívida porto-riquenha. O apagão que se seguiu ao Irma apenas colocou mais lenha na fogueira. Dias antes da chegada do furacão, Rosselló afirmou que a privatização era um caminho possível. Ele declarou ao New York Times que o Irma “poderia ser uma oportunidade, ou apenas mais um risco”. De acordo com um relatório da Reorg Research, uma publicação voltada para investidores, credores e membros da Junta de Controle Fiscal – nomeados por Washington – se reuniram recentemente com o alto escalão da Prepa para discutir um “plano de transformação”, cujo objetivo seria privatizar partes importantes da empresa. As duas fontes anônimas da reportagem afirmavam que o plano poderia até “desmontar” completamente a Prepa, vendendo pedaços da companhia para investidores diversos.
Em entrevistas de rádio depois da primeira tempestade, um membro do Sindicato dos Trabalhadores do Setor Elétrico e de Irrigação (UTIER), que representa os empregados da Prepa, denunciou a direção da empresa por não ter enviado os 170 funcionários que tinha à sua disposição para reparar as linhas de transmissão, acusando-a de atrasar deliberadamente o processo com o objetivo de conquistar o apoio da opinião pública para a privatização. Nos últimos meses, o sindicato fez outras acusações similares, afirmando que a Prepa reduziu intencionalmente a qualidade do serviço para promover a venda da empresa. Além disso, segundo boatos que circulavam nas redes sociais, os alertas de queda no fornecimento de energia seriam um sinal para os interessados na privatização por parte da diretoria – cuja nomeação foi parte de um acordo com os credores da empresa – de que o sistema havia chegado ao limite.
Como em muitas outras empresas estatais em Porto Rico, a diretoria da Prepa costuma ser trocada com as mudanças de governo. Gallisá foi eleito em 2016 como um dos três representantes dos consumidores no conselho da Prepa, mas foi logo jogado para escanteio, dois meses depois de Rosselló – considerado favorável aos credores – ter assumido o governo, em janeiro deste ano.
Como os cargos do conselho são eletivos, o parlamento local teve que modificar a legislação para poder demitir Gallisá e outros conselheiros. “Demitiram todo mundo com a nova lei, fomos expulsos”, diz Gallisá. “Nomearam membros do partido governista, e eles estão lá até agora”, acrescenta.
Gallisá também suspeita que uma das razões do seu afastamento tenha sido a oposição dele e de outros representantes dos consumidores à privatização e ao aumento da participação dos credores nas decisões da empresa. “No início, nas conversas com o governador, os credores estavam muito interessados em ter dois ou três assentos no conselho. Mas nós fomos totalmente contrários a isso”, afirma.
Embora a questão da privatização tenha ficado em evidência na época da passagem do furacão Irma, não se trata de nenhuma novidade. Lisa Donahue, consultora contratada pela Prepa para reestruturar a dívida da empresa, sugeriu a ideia ao Congresso americano no ano passado, e os governadores de Porto Rico têm discutido a privatização desde 2012. No fim de julho, quatro dos sete membros da Junta de Controle Fiscal emplacaram uma coluna de opinião no Wall Street Journal, chamada “Privatizem a Energia de Porto Rico”, publicada pouco depois da negativa da Junta à proposta de reestruturação da Prepa. “Acreditamos que apenas a privatização permitirá que a Prepa atraia os investimentos necessários para reduzir custos e fornecer energia de forma mais consistente para toda a ilha”, opinavam os autores. “Ao passar de entidade governamental a um serviço privado bem regulamentado, a Prepa poderá modernizar seu fornecimento de energia, despolitizar sua administração, reformar aposentadorias e renegociar relações de trabalho e outros contratos, para, assim, operar com mais eficiência”, diz o artigo.
Complementando leis já existentes, a PROMESA confere à Junta poderes para colocar tal plano em prática. A Lei 76, aprovada pelo parlamento porto-riquenho no ano 2000, permite que órgãos governamentais contornem determinados procedimentos de autorização durante um estado de emergência. Ela também dá ao governador o poder de “alterar e revogar regulamentações e decretos, rescindir ou deliberar sobre acordos e contratos, inteiramente ou em parte”, contanto que o estado de emergência esteja em vigor.
Rosselló invocou a Lei 76 para assinar um decreto declarando o estado de emergência na infraestrutura de energia de Porto Rico, em janeiro. O decreto foi prorrogado em julho. Na prática, o Título V da Lei PROMESA amplia as exceções estabelecidas na Lei 76 a qualquer um dos “projetos cruciais” mencionados no texto, que devem estar relacionados à natureza da emergência e ter acesso direto ao capital privado. Qualquer órgão governamental que receber uma proposta de “projeto crucial” é obrigado por lei a submê-la a um procedimento expeditivo de autorização. O coordenador de revitalização – cargo criado pela Junta de Controle Fiscal com base no Título V – deve fazer um relatório sobre a importância do projeto e encaminhar uma recomendação ao governador. A partir daí, o público tem 30 dias para fazer comentários. O coordenador de revitalização deve responder a esses comentários e repassá-los à Junta até cinco dias antes do fim do prazo.
Assim, no atual estado de emergência, qualquer empresa pode contornar o procedimento de autorização para grandes projetos em Porto Rico apelando diretamente à Junta de Controle Fiscal, sem passar pelo crivo das autoridades reguladoras ou do governo.
“O Título V é um mecanismo para transformar os serviços públicos. (…) Muita gente já estava pressionando o governo sobre a questão da Prepa. Com um organismo como a Junta, que responde direta e exclusivamente ao Congresso, as empresas e indivíduos que querem investir em Porto Rico não vão fazer lobby junto ao governo de Porto Rico, e sim junto ao Congresso dos Estados Unidos ”, diz Deepak Lamba-Nieves, diretor de pesquisa do Centro para uma Nova Economia (CNE), um think tank porto-riquenho.
Para Lamba-Nieves, as origens do Título V podem ajudar a explicar por que o texto da lei é tão favorável aos interesses privados, principalmente os de empresas do setor elétrico, que adorariam entrar no mercado porto-riquenho. Um dos principais redatores da lei, Bill Cooper, foi recrutado pelo republicano Rob Bishop, deputado pelo estado de Utah, que comanda a Comissão Parlamentar de Recursos Naturais, com jurisdição sobre Porto Rico. Cooper era assessor de Bishop e diretor do Centro de Gás Natural Liquefeito – uma associação de produtores e transportadores de GNL –, cargo que ocupa até hoje. Em um determinado momento, seu nome foi indicado para a direção da Junta de Controle Fiscal. Em uma entrevista para a Caribbean Business no ano passado, um lobista afirmou: “Bill Cooper já está garantido como diretor-executivo da Junta de Controle. (…) Suas ligações com o setor elétrico não são nenhuma coincidência.”
Em uma entrevista para o portal Politico, na semana passada, Bishop foi bem claro com relação às mudanças que espera ver no sistema energético de Porto Rico após o furacão Irma: “[Os problemas da Prepa] sempre estiveram na nossa mira. (…) Eles precisam de um porto [de gás natural liquefeito]. Temos que tirá-los da dependência do petróleo, mas isso não se deve necessariamente ao furacão. (…) Isso é parte da nossa frustração com a Prepa; eles precisam atrair mais capital.”
A pessoa escalada para essa missão é Noel Zamot, o coordenador de revitalização contratado pela Junta de Controle Fiscal no fim de julho. Zamot, que não respondeu às inúmeras tentativas de contato do The Intercept, é fundador de uma empresa de consultoria em cibersegurança e tem experiência como engenheiro e militar. Desde que foi contratado, ele tem recebido diversas propostas de “projetos cruciais”, a maioria das quais na área de geração de energia. No fim de agosto, quando perguntado sobre o papel de Zamot, o presidente da Junta, José B. Carrión III, disse ao jornal porto-riquenho Metro que sua principal missão seria “privatizar a Prepa o quanto antes”.
Essa recente campanha pela privatização ocorre em meio a uma ampla crise econômica em Porto Rico, que tem uma dívida de US$ 74 bilhões. Como isso aconteceu? Em poucas palavras: durante anos a ilha atraiu muitas empresas graças a uma série de incentivos fiscais, e os órgãos públicos locais emitiram grandes quantidades de títulos de dívida, cuja compra era subvencionada por meio de descontos fiscais. Esses incentivos começaram a ser retirados nos anos 1990, e, uma vez desaparecidos, o interesse dos empresários também evaporou.
Graças a uma série de singulares isenções fiscais que permaneceram, os investidores americanos – fundos de investimento de alto risco, fundos mútuos e pessoas físicas – continuaram comprando títulos da dívida de Porto Rico, que a essa altura já não valiam nada, sem se preocupar com a precariedade das finanças da ilha.
Tudo isso chegou ao limite com uma recessão em 2006, exacerbada pela crise global de dois anos depois. A situação financeira se deteriorou rapidamente, e a ilha começou a ter dificuldades para pagar os juros da dívida. Contudo, por razões misteriosas, os órgãos públicos de Porto Rico não podem se beneficiar do Capítulo 9 da Lei da Bancarrota desde 1984. Mesmo assim, como boa parte dos títulos da dívida porto-riquenha está nas mãos de uma camarilha de credores americanos, o governo de Porto Rico e seus organismos podem ser processados na justiça dos EUA.
Essa é uma das razões pelas quais os fundos de investimento de alto risco – os chamados hedge funds – despejaram tanto dinheiro para evitar alterações na lei de falências, em um momento em que a dívida de Porto Rico não podia mais ser ignorada por Washington. Enquanto os congressistas discutiam a crise da dívida, os fundos gastavam milhões de dólares com lobistas e organizações de fachada. Uma delas chama-se Main Street Bondholders, uma associação “de pequenos credores de todo o país que defendem um processo que permita sanar a gestão financeira de Porto Rico”.
Para evitar um calote – e uma guerra entre os credores e o governo da ilha – o Congresso aprovou a PROMESA em julho deste ano. A lei criou uma Junta de Controle e Gestão Fiscal, nomeada por Washington, com ampla autoridade para reestruturar a dívida e aumentar a arrecadação. Entre outros poderes, a Junta pode romper contratos com sindicatos, reduzir aposentadorias e assumir o controle de ativos públicos. A lei também estabelece diversos protocolos para controlar os gastos e a gestão fiscal em vários setores da economia porto-riquenha. Como parte do programa de cortes de 30% das despesas, planeja-se fechar 75% dos órgãos públicos da ilha, reduzir o salário mínimo e privatizar diversas estatais.
Como toda medida de austeridade em qualquer lugar do mundo, a PROMESA foi aprovada em meio a uma grande polêmica. Pouco antes da votação, uma pesquisa revelou que a maioria dos porto-riquenhos se opunha à criação da Junta de Controle Fiscal. Ela é vista por muitos como um instrumento do poder colonial – mais um entre muitos outros – no longo e conturbado relacionamento entre colônia e metrópole, marcado pela limitação da autonomia e das estruturas democráticas de Porto Rico. É fácil descobrir o porquê da reticência da ilha: embora a autoridade da Junta esteja fora da alçada do governador e do parlamento local, apenas um membro dela deve ser obrigatoriamente porto-riquenho. Estritamente falando, o governador de Porto Rico é membro da Junta, mas não tem poder de voto nas decisões definitivas do grupo. Os protestos continuam acontecendo contra as medidas de austeridade, como a ampla greve estudantil contra a privatização do ensino superior em maio.
Os credores também estão insatisfeitos com a reestruturação da dívida e a privatização da Prepa, mas por motivos muito diferentes. Descontentes com a PROMESA e desejosos de uma liquidação mais rápida da dívida, eles agora pressionam tanto a Junta quanto o governo porto-riquenho para ampliar os cortes orçamentários já planejados nos próximos anos. Para aqueles que detêm títulos da dívida da Prepa, uma privatização pode trazer prejuízos.
Embora a pressão para privatizar a Prepa tenha vindo principalmente de cima para baixo, poucos diriam que ela pode continuar como está. As infraestruturas da empresa se degradaram nas últimas décadas, e boa parte dos sistemas de geração e transmissão estão perigosamente ultrapassados. Em setembro do ano passado, uma falha em uma linha de transmissão deixou metade da ilha sem eletricidade.
“É um desastre esperando para acontecer. Ninguém pode dizer que não sabe que o sistema elétrico está sucateado”, afirma Cathy Kunkel, especialista em energia do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira, referindo-se ao estado da Prepa.
Um estudo do Centro para uma Nova Economia (CNE) descobriu que a empresa tem um prejuízo anual de 12% da receita devido a erros de cobrança e ligações clandestinas, e sua administração é conhecida pela falta de transparência. A Prepa também sofre com a mesma escassez de mão de obra do resto da ilha, onde 10% da população em idade ativa emigrou nos últimos quatro anos. Para o setor de serviços públicos, isso quer dizer que uma mão de obra cada vez mais idosa está tendo que cuidar de uma infraestrutura cada vez mais decrépita. Se tal tendência se mantiver, o futuro pode ser desastroso.
Mas os problemas de geração de energia são ainda mais profundos. Como muitas outras ilhas ao redor do mundo, Porto Rico é extremamente dependente de petróleo importado, responsável por 80% da energia produzida localmente – em usinas velhas e ineficientes. E, como a maior parte da eletricidade é produzida no sul e consumida no norte, uma boa parte se perde pelo caminho. Um estudo encomendado pelo governo porto-riquenho revelou “um déficit cada vez maior na geração de energia, com uma frequência de apagões de quatro a cinco vezes maior do que nos Estados Unidos”. Os autores ainda acrescentam que “seria difícil exagerar na descrição do estado de abandono e negligência das usinas da Prepa. (…) O sistema da Prepa parece estar operando por um fio, e, na nossa opinião, precisa desesperadamente de uma injeção de capital – monetário, humano e intelectual – para restaurar sua funcionalidade”.
Catástrofes como o furacão Irma estão se tornando mais frequentes devido às mudanças climáticas, o que torna a modernização do sistema elétrico de Porto Rico ainda mais urgente. “É evidente que uma ilha caribenha com tais infraestruturas vai enfrentar um problema como esse mais cedo ou mais tarde”, disse Kunkel à reportagem. “A Prepa é um péssimo exemplo de empresa estatal. É uma entidade sem transparência que não está fazendo o seu trabalho, que é investir na manutenção do sistema. Seria difícil argumentar que estamos diante de um órgão irrepreensível que, se tivesse recursos suficientes, poderia fazer bem o seu trabalho”, pondera.
Em uma tentativa de se reformar, a Prepa contratou, em 2014, a consultora de administração Lisa Donahue, da AlixPartners, para conduzir a reestruturação da empresa. Dois anos e quase US$ 43,6 milhões em contratos com a AlixPartners depois, a Prepa havia aparado muitas arestas e conseguira conter a fúria dos credores, mas ainda estava longe de uma reestruturação total. No último verão, Donahue deixou o projeto, depois do fim do seu sexto contrato. No fim de julho, a Junta de Controle Fiscal rejeitou uma proposta de reestruturação, acordada entre a Prepa e os credores – e devida, em parte, ao trabalho da consultora –, o que empurrou a empresa ao calote e ao processo de falência previsto no Título III da lei PROMESA, ainda em andamento. Embora não seja mais membro do conselho da empresa, Gallisá ainda se opõe ativamente à privatização; ele espera que o processo legal resulte no cancelamento de boa parte da dívida. Com medo dos prejuízos, os credores pediram a interrupção do processo.
Embora a Junta tenha sido transparente em seu desejo de privatizar o sistema, a forma dessa privatização permanece obscura – a maioria das reuniões sobre o tema foram realizadas a portas fechadas. Kunkel e Gallisá acreditam que a Junta privatizará apenas a parte de geração de energia, deixando as linhas de transmissão nas mãos do governo, que deve firmar uma série parcerias público-privadas.
Entretanto, para o CNE e outros, a privatização não é a única forma de restaurar a Prepa. “A Prepa foi criada como um bem público para o povo de Porto Rico. O modelo precisa mudar, mas não acho que seja necessário eliminar a própria noção de bem público.”, afirma Lamba-Nieves. “Todo mundo concorda em reestruturar a dívida, mas é preciso pensar no crescimento econômico, e não nas necessidades de credores específicos”, acrescenta.
Além do mais, as experiências da Prepa com o setor privado estão longe de ser histórias de sucesso. A empresa compra atualmente 30% de sua energia de duas usinas privadas: uma termelétrica a carvão da AES, em Guayama, e uma de gás natural, em Peñuelas, propriedade da companhia espanhola EcoElectrica. A AES gerou muita polêmica no país e no exterior devido ao depósito inadequado de cinzas de carvão, que pode contaminar a água e causar diversos problemas de saúde. Após a passagem do Irma, a UTIER – o sindicato de trabalhadores da Prepa – denunciou a AES e a EcoElectrica por terem interrompido a produção para proteger sua infraestrutura, sobrecarregando o sistema público e os operários sindicalizados. Se grandes partes da Prepa forem privatizadas, é possível que o sindicato seja dissolvido.
Por outro lado, muitos temem que a privatização traga um aumento do preço da eletricidade para o consumidor, o que já está acontecendo como parte das negociações com os credores.
Lamba-Nieves observa que a Prepa vai provavelmente precisar de investimentos privados para sobreviver, mas, sem uma transformação de governança e uma regulamentação mais ativa, nada vai melhorar. Alguns passos já foram dados nesse sentido: devido à pressão da CNE e outros grupos, foi criada, em 2014, a Comissão de Reforma Energética. De acordo com Kunkel e Lamba-Nieves, ela conseguiu se livrar das disputas políticas que assolam a Prepa.
Contrariamente ao que diria Margaret Thatcher, há outras possibilidades para a Prepa além do colapso total ou a privatização. A CNE fez uma parceria com pesquisadores da Johns Hopkins University para desenhar um projeto de transição para energias renováveis em Porto Rico, reduzindo a exposição da ilha aos custos e à volatilidade de um sistema baseado em petróleo – e ainda por cima gerando empregos e renda. “Com a Prepa, não estamos no presente; estamos presos ao passado”, diz Lamba-Nieves. “Não é uma questão só de preços, mas de futuro. Será que vamos comprometer a saúde das próximas gerações com uma fonte de energia velha e poluente? Se novas tecnologias de geração de energia já existem, por que não as estamos utilizando?”, pergunta.
O sucateamento, a má gestão e a privatização da Prepa não poderiam ter chegado em um pior momento histórico. O único caminho em direção à redução de emissões de carbono para deter uma catastrófica mudança climática passa por um grande esforço do setor público de geração de energia. No entato, depois da passagem do furacão Irma, Porto Rico está caminhando na direção contrária.
Por enquanto, o destino da Prepa está nas mãos da Justiça – e do clima. As tempestades que surgem do Atlântico parecem indicar que os credores e a Junta de Controle Fiscal não são nada se comparados aos problemas que estão por vir – em um futuro não muito distante.
Texto de Kate Aronoff; vídeo de Averie Timm e Ángel Manuel Soto.
Tradução: Bernardo Tonasse
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