Bernie Sanders, que agora é, de longe, o político com maior popularidade dos EUA, está há muito tempo obcecado em separar bancos comerciais dos grandes bancos de investimento e em levar o Medicare a todos os americanos. Ele consegue falar durante horas sobre os demônios da desigualdade de renda e o grotesco da “classe bilionária”.
E de política externa? Nem tanto.
No entanto, ainda esta semana, o senador independente fez finalmente seu principal discurso sobre política externa no Westminster College, em Fulton, Missouri, como parte da Green Foundation Lecture series. Winston Churchill proferiu o discurso “Sinews of Peace” no Westminster College — no qual ele apresentou ao mundo, como é notório, o conceito de “Cortina de Ferro” — também como parte dessa série em 1946. Foi parte dela ainda o memorável relato de Mikhail Gorbachev em 1992 sobre como terminou a Guerra Fria. Portanto, com base em sua presença em Fulton, poderíamos dizer que Sanders agora está entre os grandes nomes da política externa.
Ele conversou comigo antes para explicar com detalhes suas ideias sobre assuntos globais.
“Acho que temos que analisar onde estamos hoje em termos de política externa e onde estivemos por muitos anos”, disse Sanders quando fui encontrá-lo em seu gabinete no Senado em Washington DC na véspera de seu grande discurso em Missouri. “Acredito que o principal ponto que deve ser colocado é que nem os Estados Unidos nem nenhum outro país consegue fazer isso sozinho. Para abordar as complicadas e profundas questões internacionais, precisamos de cooperação.”
O senador está sem gravata e veste um terno azul-marinho, amarrotado, com uma camisa azul-claro. Sua cabeleira, como de costume, despenteada. Parece distraído e exausto, talvez por que tenha passado a semana anterior discursando para o Congresso e para o país seu emblemático projeto de lei do Medicare para todo e qualquer contribuinte.
“Muitos colegas, republicanos, aqui no Senado, por exemplo, menosprezam as Nações Unidas” disse, sentado do outro lado da mesa, em frente a uma parede com pôsteres de turismo de Vermont. “Se por um lado a ONU poderia ser claramente mais eficaz, por outro, é determinante que nós fortaleçamos as instituições internacionais, porque, no fim das contas, embora possa não ser atraente, glamoroso e não gere grandes repercussões, a simples ideia (…) de pessoas se unindo, conversando e discutindo é muito melhor do que a de países indo para a guerra.”
Eu lhe pergunto qual a diferença entre essa retórica e os discursos anteriores em defesa da ONU e da cooperação internacional feitos por líderes democratas, como Barack Obama, Hillary Clinton e John Kerry.
“Desculpe.” Sanders não gosta de ser interrompido. “Deixe-me só falar um pouco do ponto ao qual quero chegar.”
O senador esclarece que o “unilateralismo, o pensamento de que podemos simplesmente derrubar governos que não queremos, precisa ser reexaminado” Após citar a Guerra do Iraque –“um dos maiores erros da política externa na história deste país” — o senador menciona outro erro histórico que, para ele, poucos de seus colegas do Senado estariam dispostos a discutir e, menos ainda, a criticar. “Em 1953, os Estados Unidos, com os britânicos, derrubaram [Mohammed] Mossadegh, o primeiro-ministro do Irã – para atender os interesses britânicos relacionados ao petróleo”, lembra. “O resultado foi que o xá – um homem implacável– assumiu o poder, e com isso tivemos a Revolução Iraniana, que nos traz para onde estamos agora.”
Será que ele se arrepende de não ter falado com tanta paixão, franqueza e insights sobre política externa nas primárias em que foi derrotado por Hillary Clinton? Ele nega com a cabeça. “Não, acho que fizemos o tipo de campanha que queríamos fazer.” Faz-se uma pausa. “Mas acho que política externa é claramente muito, muito importante.”
Durante as primárias dos Democratas para a campanha presidencial, políticos e especialistas concordaram que Sanders tinha um déficit no assunto. “A política externa,” escreveu David Ignatius, decano do Washington Post no assunto, “é o que falta à política de Sanders.” Seu colega Patrick Leahy, também senador por Vermont, foi um pouco mais diplomático em entrevista ao New York Times. “Pode-se dizer que não é o tema em torno do qual ele gravita”, reconheceu Leahy.
O discurso sobre política externa prometido durante tanto tempo na campanha nunca aconteceu, e faltou uma página no site dedicada ao assunto nos primeiros meses de sua candidatura. Algumas das figuras identificadas pelo senador como assessores externos para questões de segurança nacional mais tarde alegaram mal o conhecerem.
Seu desconforto com o tópico é palpável, mas a verdade é que Sanders, com 76 anos, está longe de ser um neófito em política externa. Nos anos 1980, como prefeito de Burlignton, no estado de Vermont, era um crítico ferrenho das intervenções dos EUA na América Latina, tornando-se o funcionário eleito mais alto na hierarquia do país a visitar a Nicarágua e encontrar-se com o presidente Daniel Ortega (o que rendeu a este o apelido “Sandernista”). Em sua lua de mel, ele até foi à União Soviética em 1988, como parte de seu esforço para estabelecer um programa de cidades-irmãs entre Burlington e Yaroslavl.
Desde 1991, Sanders trabalhou no Congresso como membro da Câmara e depois do Senado, debatendo e votando sobre ação militar, tratados internacionais, acordos de comércio, venda de armas, ajuda internacional e acordos para mudanças climáticas. Poucos críticos pararam para pensar no fato de que Sanders teria chegado à Casa Branca em janeiro de 2017 com muito mais experiência em política externa do que Obama, George W. Bush e Bill Clinton (ah, e claro, do que a ex-estrela de um reality show, Donald J. Trump).
No entanto, persiste a impressão de que Sanders está fora de sua área quando o assunto é o mundo lá fora. Talvez, antes de outra campanha presidencial em três anos, o senador de Vermont esteja dando passos para corrigir tal impressão. Neste ano, até agora, Sanders contratou Matt Duss, respeitado analista de política externa e ex-presidente da Fundação para a Paz no Oriente Médio (Foundation for Middle East Peace, FMEP) como seu assessor de política externa, e fez discursos no J Street, grupo judaico liberal lobista, nos quais condenou “a ocupação contínua dos territórios palestinos por Israel”, dizendo que ela é “contrária aos valores fundamentais americanos” e no think tank centrista Carnegie Endowment of International Peace, onde criticou o presidente da Rússia Vladimir Putin por “tentar enfraquecer a aliança transatlântica”.
Na semana passada, meu colega Glenn Greenwald publicou uma coluna no The Intercept com o título “The Clinton Book Tour Is Largely Ignoring the Vital Role of Endless War in the 2016 Election Result” [Turnê do livro de Hillary Clinton ignora amplamente o papel vital da guerra sem fim no resultado das eleições de 2016]. Greenwald afirmou que “a defesa de Clinton por múltiplas guerras e outras ações militares” joga alguns eleitores indecisos nos braços de Donald Trump e de candidatos de terceiros partidos, como Jill Stein. Pergunto a Sanders se ele concorda com essa análise.
“Bem, essa é uma outra história. E não tenho resposta.”
Insisto. Certamente ele admitiria que a política externa foi um fator na derrota de Clinton?
Ele não cede. “Quero falar sobre meu discurso, não sobre Hillary Clinton.”
Então a política externa não desempenha nenhum papel nas eleições?
“A resposta é que eu não sei”, diz ele, farto. “Você pode dizer que alguém falaria, ‘bem, Bernie Sanders foi brando demais em relação à Defesa, não vou votar nele porque não está preparado para bombardear todos os países do mundo’. Você sabe quantos eleitores eu perdi por causa disso? Não sabemos, é especulação.” (Nem tanto: Greenwald citou um estudo acadêmico publicado este ano que defende “que se os EUA tivessem entrado em menos guerras, ou pelo menos experimentado menos baixas, Clinton teria (…) vencido as eleições.”)
Pergunto se há uma política externa equivalente ao Medicare for All [Medicare para todos] – ou seja, uma proposta de política progressista radical que Sanders tenha pretensão de pôr em campanha e tornar mainstream.
“Eu não veria dessa forma”, diz ele. “Quem pensa que há uma solução simples para lidar com todos os conflitos duradouros e horríveis do mundo está enganado… Temos que ser radicais é no entendimento de que não podemos continuar simplesmente usando o exército como meio para tratar questões de política externa.”
Embora certa vez tenha posto uma imagem do legendário ativista anti-guerra Eugene Debs em seu gabinete no congresso, Sanders não é um pacifista. Ele apoiou a campanha aérea da Otan no Kosovo em 1999 e a invasão e a ocupação do Afeganistão lideradas pelos EUA em 2001. No entanto, foi contrário à Guerra do Iraque e votou contra armar e treinar rebeldes sírios. Então, penso, será que ele tem seus próprios requisitos que devem ser cumpridos antes de os Estados Unidos usarem a força?
O senador esclarece que, de seu ponto de vista, a ação militar deveria ser o último recurso, exceto em casos de genocídio. “Deve haver um entendimento legítimo de que os interesses americanos estão sob ameaça. Obviamente, se alguém fosse travar uma guerra contra os Estados Unidos, atacar o país, haveria uma ótima razão para responder.” Continua: “Quando analisamos situações de genocídio, nas quais as pessoas são mortas aos milhares… precisamos de forças internacionais de paz.”
Nesta semana, o presidente dos Estados Unidos fez o que alguns chamam de ameaça genocida na ONU em Nova York: “Se [os EUA] forem forçados a defender-se ou a defender seus aliados, não teremos outra opção a não ser destruir a totalmente a Coreia do Norte.”
Lembro ao senador de que tanto Obama quanto Trump assumiram a presidência com a promessa de encontrar o líder norte-coreano — mas Obama nunca o fez, e Trump está ocupado zombando de Kim Jong-un, chamando-o de “homem foguete”. Será que Sanders acha que um encontro entre os dois chefes de Estado será útil?
O senador diz que não teria objeções a encontros “frente-a-frente, realizados com boa fé” – em vez de oportunidades cínicas de fazer fotos — e afirma que “em geral, discussões e encontros presenciais” merecem apoio.
Então, para esclarecer, será que ele apoiaria um presidente americano conversar com o líder da Coreia do Norte para tentar resolver a crise nuclear? Ele encolhe os ombros. “Será que eu conseguiria imaginar isso? Sim, creio que sim.”
Uma questão de política externa, no entanto, contra a qual Sanders recebeu críticas de integrantes de sua própria base de esquerda é o conflito Israel-Palestina. Alguns progressistas pró-Palestina acusaram-no de fazer vista grossa com Israel. Em uma entrevista em abril, por exemplo, Sanders rejeitou o movimento Boicote, Desinvestimentos e Sanções; ele também endossou uma carta controversa atacando a ONU por ela ter “uma agenda antissemita”.
No entanto, é inegável que nos últimos anos o senador de Vermont, que é judeu e morou por um breve período em um kibutz em Israel nos anos 1960, vem assumindo uma posição mais pró-Palestina no conflito, especificamente contra o governo de direita de Benjamin Netanyahu. “Chegará uma hora em que (…) teremos que dizer que Netanyahu não está certo o tempo todo”, afirmou ele a Clinton durante o debate das primárias dos Democratas em abril de 2016.
Hoje em dia, ao contrário dos outros congressistas, Sanders não tem dúvidas quanto a identificar e condenar a ocupação israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Mas será que ele aceita que os Estados Unidos sejam cúmplices na ocupação de Israel, por meio de ajuda militar e venda de armas? E será que ele também aceita, portanto, que a ocupação dos territórios palestinos nunca acabará até que os Estados Unidos parem de armar e financiar o Estado Judaico?
“Certamente os Estados Unidos são cúmplices, mas isso não quer dizer (…) que Israel seja o único culpado”, diz. Contudo, afirma, “em termos de relações Israel-Palestina, os Estados Unidos precisam desempenhar um papel muito mais imparcial. Claramente, não é o que acontece hoje”.
Será que ele, portanto, consideraria votar pela redução da ajuda americana a Israel – de pelo menos US$ 3 bilhões por ano – ou da venda de armas para o exército israelense?
“O financiamento dos Estados Unidos tem um papel muito importante, e eu adoraria ver as pessoas no Oriente Médio se reunirem com o governo dos EUA para descobrir como a ajuda do país pode unir as pessoas e não apenas resultar em uma guerra de armas naquela área. Então, creio que há um potencial extraordinário para que os Estados Unidos ajudem os palestinos a reconstruir Gaza e outras regiões. Ao mesmo tempo, isso demanda que Israel, com seus próprios interesses de certa forma, trabalhe com outros países em questões ambientais.” Ele finalmente responde minha pergunta: “Então, a resposta é sim.”
É uma resposta – pelo nível desanimadoramente baixo da política moderna americana – notável e, arrisco dizer, radical de Sanders. “A ajuda a Israel no Congresso e a comunidade pró-Israel tem sido sagradas,” publicou a Jewish Telegraphic Agency este ano, “e nenhum presidente propôs cortá-la de forma séria desde Gerald Ford em meados dos anos 1970.”
Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, de esquerda, no Reino Unido, que com frequência é comparado a Sanders, ganhou as manchetes em maio, depois de fazer um discurso estimulando os britânicos a “serem bravos o suficiente para admitir que a guerra ao terror simplesmente não está funcionando” e a estabelecer “conexões entre as guerras apoiadas por nosso governo ou aquelas nas quais ele entrou em outros países e o terrorismo em território nacional.” No passado, o líder dos trabalhadores rotulou a Otan de um “perigo para a paz mundial” e fez um chamado ao engajamento em grupos como o Exército Republicano Irlandês (IRA), o Hezbollah e o Hamas.
Pode-se pensar que Corbyn é um radical genuíno em política externa. Será que o Sanders mais cauteloso está disposto a combinar a retórica do líder do Partido Trabalhista sobre terrorismo e a resposta do Ocidente à questão? Será que ele acredita que os Estados Unidos, por exemplo, perderam a chamada guerra ao terror?
“Bem, não, é uma pergunta muito ampla,” responde com desdém. “Acho que a melhor forma de lidar com o terrorismo é tentar entender as causas iniciais dos problemas: a pobreza massiva, a ausência de educação; quando você lança um drone, por exemplo, que mata homens, mulheres e crianças inocentes, isso gera apenas mais antagonismo em relação aos Estados Unidos.”
Pergunto sobre o papel da Arábia Saudita em supostamente apoiar e financiar o terrorismo. Não vamos esquecer que 15 dos 19 terroristas do 11 de Setembro eram cidadãos sauditas. Então, o país é aliado ou inimigo dos Estados Unidos?
Não é só que muitos homens-bomba eram da Arábia Saudita”, diz, “o mais significativo para mim é (…) continuar a financiar madrassas e difundir uma doutrina wahhabi extremamente radical em muitos países ao redor do mundo. E eles estão financiando as mesquitas, as madrassas, e fomentando muito o ódio”.
Sanders quer que os Estados Unidos se afastem do apoio cego e acrítico ao reino do Golfo. Ele parece até sugerir que os Estados Unidos abracem o inimigo mortal dos sauditas: os iranianos.
Então, será que isso poderia ser o Medicare for All da política externa? Tentar acabar com quase quatro décadas de hostilidade e desconfiança entre os Estados Unidos da América e a República Islâmica do Irã? Sem disparar um tiro? Seria uma mudança dramática e histórica na abordagem. Durante as primárias presidenciais, Sanders foi atacado por sugerir que os EUA deveriam “mexer-se da forma mais agressiva possível para normalizar as relações com o Irã”.
No entanto, quase dois anos depois, ele não teme defender a mesma ideia. “Creio que umas das áreas que precisamos repensar em termos de política externa é nossa posição em relação ao Irã e à Arábia Saudita”, diz, inclinando-se para frente em sua cadeira. “Por algum motivo – e acho que sabemos que algumas das razões tem a ver com a palavra petróleo –, os Estados Unidos de certa forma têm feito vista grossa para o fato de que a Arábia Saudita é um país incrivelmente antidemocrático e tem desempenhado um papel muito ruim em termos internacionais, mas temos muitas vezes ficado lado a lado com ele, enquanto o Irã, que acaba de fazer eleições, cujos jovens realmente querem apoiar o Ocidente, (…) continuamos a condená-lo.”
Enquanto Sanders tem “preocupações legítimas (…) sobre a política externa do Irã”, ele quer uma abordagem mais imparcial dos Estados Unidos no conflito “Irã-Arábia Saudita”.
Tento então pressioná-lo sobre a natureza da relação entre os EUA e a Arábia Saudita e pergunto outra vez: será que ele considera ou não a Arábia Saudita um aliado dos Estados Unidos na chamada guerra ao terror?
Ele faz uma pausa. “Se eu considero um aliado? Considero um país antidemocrático que tem apoiado e alimentado o terrorismo ao redor do mundo, então, não posso… Não, não é um aliado dos Estados Unidos.”
Espere, talvez isso seja o equivalente do Medicare For All na política externa – rebaixar laços diplomáticos com um dos piores regimes do planeta. Distanciando Washington de Riyadh. Mas será que Sanders realmente conseguiria tornar isso realidade? Ajudar a convencer seus colegas senadores de ambos os partidos a deixar o consenso bipartidário de longas décadas que considera a Arábia Saudita um aliado fundamental dos EUA? Em junho, o senador reuniu quatro republicanos e 42 democratas para tentar bloquear a venda de US$ 510 milhões de munições guiadas de precisão para a Arábia Saudita. Foram derrotados – mas por apenas seis votos.
Recebido por uma multidão entusiasmada de estudantes na quinta-feira e premiado pelo Westminster College com um título honorário antes do discurso, um Sanders sério denunciou a guerra global ao terror como “desastre para os americanos” porque ela “responde aos terroristas dando a eles exatamente o que querem.”
Ele fez ainda uma defesa inflamada do legado fundamental de Obama na política externa: o acordo nuclear com o Irã. “Precisamos proteger esse acordo”, disse Sanders ao público, citando o acordo nuclear como um exemplo de liderança real por parte dos Estados Unidos.
Durante uma hora na quinta-feira, o senador independente mostrou uma visão da política externa dos Estados Unidos no século 21 desinibidamente progressista, voltada para a diplomacia e não-militarizada: “O objetivo não é que os Estados Unidos dominem o mundo… Nosso objetivo deveria ser um compromisso global baseado em parceria, e não em dominação.”
Em um momento em que o presidente dos EUA está promovendo a guerra, ameaçando “destruir totalmente” a Coreia do Norte e deixar o acordo nuclear com o Irã, é animador e admirável ouvir um político importante dos EUA falar de forma tão direta. Sanders diz que quer uma “discussão séria sobre política externa” – o que, lamentavelmente, é algo com que seus colegas democratas do Senado ainda precisam concordar. Por exemplo, ele destaca uma votação no Senado que autorizou um enorme aumento anual de US$ 80 bilhões nos gastos do Pentágono. “Será que é realmente um investimento inteligente?”, pergunta.
“Arrisco dizer,” acrescenta em tom ácido, “que a maioria das pessoas que votaram a favor desse aumento enorme nos gastos militares realmente não saberia dizer exatamente por que isso é necessário.”
Apenas quatro senadores democratas se uniram a Sanders para votar contra o projeto de lei. Por que ele acha que todos os outros votaram a favor?
“Você deve perguntar a eles”, responde, seco.
Alguns de seus críticos da esquerda, no entanto, não acham que Sanders chegue longe o suficiente. Em julho, Branko Marcetic, da revista de esquerda Jacobin, criticou duramente Sanders por conta de seu “relativo silêncio sobre a política externa de Obama” e seu “pensamento bastante convencional em relação ao assunto durante sua carreira em Washington.” Tais críticas tendem a querer uma denúncia vociferada, ao estilo Noam Chomsky, do imperialismo americano por parte de Sanders – e para ontem.
É interessante que, em 1985, Sanders convidou Chomsky para falar na prefeitura de Burlington, apresentando-o à multidão como “uma voz muito ressonante e importante no deserto da vida intelectual nos Estados Unidos” e dizendo que estava “encantado em receber uma pessoa de quem, acredito, todos temos muito orgulho.” Em 2016, quando entrevistei Chomsky para meu programa UpFront, da Al Jazeera inglesa, o filósofo veterano, crítico da política externa, rasgou elogios a Sanders dizendo que ele era um político “decente, honesto” e com “as melhores políticas”.
Pergunto a Sanders se, três décadas depois, ele ainda concorda com a crítica ferrenha de Chomsky sobre a política externa em todos os setores, incluindo sua descrição provocativa dos Estados Unidos como um “estado-pária”.
Sanders me interrompe antes que eu termine minha pergunta. “OK, entendi. Noam Chomsky teve um papel extraordinariamente importante. Sou senador dos Estados Unidos. Vivemos em mundos diferentes.” Ele muda de assunto depressa – e convenientemente. “O principal ponto é que temos que repensar a política externa… e isso significa lidar com questões como desigualdade na distribuição da renda e da riqueza, que não é apenas uma questão dos EUA, mas uma terrível questão global.” Sanders agora está à vontade e em uma maré boa. “Seis das pessoas mais ricas do mundo são americanas; e elas têm mais riqueza do que a metade mais pobre da população mundial. Precisamos lidar com a questão das mudanças climáticas, porque, se não agirmos juntos em nível internacional, talvez não tenhamos planeta para nossos filhos e netos “.
Vamos ser claros: sobre a política externa, Sanders não vai tão longe em direção à esquerda como seu velho amigo Noam Chomsky ou mesmo seu colega britânico Jeremy Corbyn. Mas o seu renovado interesse pelo assunto e sua vontade de romper com o consenso estabelecido podem estar entre seus atos mais radicais.
“Onde devemos ser radicais”, diz Sanders, “é ao entender que não podemos continuar simplesmente usando o exército como meio de tratar questões de política externa. Onde devemos ser radicais e vigorosos, de maneira inédita, é ao forçar debates e discussões sobre as causas do conflito internacional — e, certamente, não temos feito isso e precisamos de mais lideranças americanas para tanto.”
Tradução: Maria Paula Autran
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