A cerca de um ano da eleição, o agrupamento de forças para a corrida presidencial é ainda um nevoeiro de baixa visibilidade – muito mais do que nas últimas disputas, quando ao menos os principais postulantes estavam, uma hora dessas, definidos em torno do PT e do PSDB, hoje duas das legendas mais rejeitadas do país. As pontas até então intocadas da polarização partidária se esgarçou, porém, após 2015. Entre tantas dúvidas, três perguntas fundamentais permanecem sem respostas até aqui. A primeira é quase óbvia:
O ex-presidente Lula, favorito nas pesquisas, estará no jogo?
E, se sim, com que força entrará na disputa enquanto responde a denúncias contra ele na Justiça?
Réu em seis processos e já condenado por Sérgio Moro a nove anos de prisão pelo triplex no Guarujá, o petista tenta reverter a decisão na segunda instância, o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. Caso contrário, e tudo indica um avanço acelerado do julgamento no colegiado, Lula pode cumprir pena ou ter a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa.
No PT, ninguém discute abertamente o plano B
Sem ele, o cenário para 2018 será completamente diferente, a começar pela ausência de um nome com o mesmo peso histórico e eleitoral no campo progressista. O PT lançou candidato a presidente em todas as eleições desde 1989 – das sete, ganhou quatro e foi ao segundo turno em duas. Sem um nome de consenso, a sigla poderia (o que é pouco provável) optar entre compor a chapa de outro candidato (quem?) ou fazer figuração com nomes menos conhecidos nacionalmente (os prováveis sucessores de Lula no início dos anos 2000 eram os denunciados ou condenados de 2017, caso de José Dirceu e o agora inimigo Antonio Palocci). No PT, ninguém discute abertamente o plano B, mas dois prováveis nomes seriam Fernando Haddad e Jaques Wagner.
A ausência do ex-presidente na disputa mudaria não só o discurso da esquerda para 2018, provavelmente calcado no resgate de um passado nem tão distante, na denúncia do golpe e no ataque aos adversários que propuseram reformas impopulares e colocaram o
A ausência do ex-presidente na disputa mudaria não só o discurso da esquerda para 2018
país à venda no atacado. Mudaria também o discurso dos opositores. Mais do que o ex-presidente, sairia de campo a retórica anti-lulista, como ensaiada até aqui pelo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Ou seja, não apenas os eleitores históricos do lulismo ficariam órfãos, mas também os adversários mais ferozes. É possível supor que, sem essa referência em jogo, eles sejam levados a domar a obsessão e mudar de assunto – quem sabe discutindo, inclusive, propostas para o país.
De que lado estará João Doria?
Repare que a pergunta não é se João Doria, o prefeito que governa São Paulo viajando pelo país, vai participar ou não da disputa. Ele fatalmente será um ator da próxima eleição – seja como candidato, pelo partido que for, ou não.
Com a implosão do ex-comandante-em-chefe do PSDB Aécio Neves, Doria, segundo o noticiário, disputa com o padrinho político, Geraldo Alckmin, o posto de presidenciável tucano. As farpas com o governador paulista mostram que Doria mal pode esperar pelo próximo voo – e não se trata, aqui, de mais uma viagem para algum ato político fora da capital paulista vendido como encontro de gestores, a nova mitologia da política contemporânea.
Tudo pode ser jogo de cena quando se trata de alguém com domínio da fala e da câmera – até mesmo para auxiliar o padrinho, citado na lista da Odebrecht como “o santo”, a passar ileso do noticiário, até aqui concentrado na disputa paroquial.
Mas, uma vez formalizada a opção Doria, dois fenômenos devem ser acompanhados atentamente. O primeiro é a reação de São Paulo em relação ao seu provável ex-prefeito. Para quem se intitula a locomotiva do país, o figurino de trampolim político pode não ser bem digerido na maior cidade do país. José Serra, que assinou compromisso de ficar no cargo até o fim do mandato mas saiu para disputar o governo do estado e, outra vez eleito, deixou o posto para tentar a presidência, que o diga.
O outro fenômeno é o racha dos votos liberais e conservadores.
O outro fenômeno é o racha dos votos liberais e conservadores. Doria e Alckmin podem concorrer por partidos diferentes em 2018, e um fatalmente tiraria votos do outro. Em campo, Doria disputaria também o eleitor anti-establishment, que atribui todas as mazelas nacionais à política tradicional e se mostra disposto a aceitar qualquer discurso antipolítico, do qual Doria faz uso. Neste caso, disputaria também com outro nome “diferente” de tudo o que está aí, embora tenha quase três décadas de atuação política, um desempenho pífio como parlamentar e tenha feito da seara um cabide de emprego para os filhos: Jair Bolsonaro.
O desempenho do militar da reserva, aliás, estará diretamente relacionado à presença de Lula ou Doria nesta eleição. Sem um ou outro, ele incorporaria sozinho o sentimento por mudanças – com um favoritismo nada desprezível.
Onde estará Temer?
Por fim, a pergunta sobre a qual, até aqui, poucos parecem se debruçar. De que lado estará Michel Temer e a cúpula do PMDB que ainda não foi presa? Engana-se quem pensa que, feita a travessia na pinguela até 2018, Temer reunirá as sacolas e medalhas pelos desserviços prestados e passará as férias com a família no Guarujá. Ninguém ali quer acordar no primeiro dia útil de 2019 com um oficial de Justiça batendo à porta rumo à primeira instância.
Temer estará com o corpo, a alma e o esqueleto na próxima campanha. Os 3% de aprovação popular, segundo a última pesquisa CNI/Ibope, não alimentam qualquer ambição como candidato, mas o que não deve faltar são interessados em garantir a máquina governista, o tempo de TV e os palanques nos redutos onde o PMDB formou seu cinturão.
Seria a troca de apoio político (discreto, mas com peso) pelo foro privilegiado.
Pelos serviços prestados à sucessora, ninguém imagina que Temer voltará à disputa como candidato a vice. Nem que dará a cara como cabo eleitoral. Em 2016, ele atuou como uma espécie de Midas às avessas: desgraçou todo o candidato para o qual apontou o dedo, entre eles a neoaliada em São Paulo Marta Suplicy, hoje no PMDB.
Ainda assim, é possível imaginar que Temer, Eliseu Padilha, Moreira Franco e velho elenco tenham protagonismo considerável, pelas sombras e pelas beiradas, na disputa com vistas a permanecerem onde estão, provavelmente em algum ministério de expressão. Seria a troca de apoio político (discreto, mas com peso) pelo foro privilegiado.
Mas quem dará guarida? Henrique Meirelles, o todo poderoso ministro da Fazenda, hoje no PSD, já se anima como balão de ensaio, enquanto Alckmin, o possível candidato do mesmo campo, é parte da ala tucana que já defendeu o desembarque do governo.
Doria, por sua vez, parece mais aberto à parceria. (Para quem gosta de lembrar dos adversários presos em Curitiba, no entanto, vai ser preciso um esforço retórico significativo para justificar o apoio a quem andava de mãos dadas até ontem com alguns dos mais notáveis condenados da capital paranaense, Eduardo Cunha entre eles).
As interrogações sobre Lula, Doria e Temer devem ser determinantes para desenhar qualquer cenário, hoje, para 2018, se tiver eleição até lá. Com os elementos visíveis até agora, qualquer esboço de respostas, passíveis a mudanças por fatores externos, como os espirros da economia e as algemas da Lava Jato, são meros exercícios de futurologia e adivinhação.
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