O presidente dos EUA, Donald Trump, chegou a Porto Rico na terça-feira e começou imediatamente a vangloriar-se de si mesmo e do seu governo pela resposta ao furacão Maria. Mas, em meio à autolouvação, houve diversas referências aos custos dos esforços de ajuda.
“Nosso país tem realmente feito tudo o que é possível”, disse Trump. “Não é apenas perigoso, é caro também. Mas considero uma grande honra.”
Trump então explicou que o diretor de orçamento “Mick Mulvaney está aqui e que Mick é o responsável por algo chamado orçamento. Detesto ter que dizer isso, Porto Rico, mas vocês estão bagunçando nosso orçamento. Gastamos muito dinheiro com Porto Rico, e tudo bem. Salvamos muitas vidas.”
A atitude de Trump, de fazer uma “brincadeira” em relação ao dinheiro que o governo dos EUA está gastando, mesmo que cidadãos americanos ainda estejam morrendo em Porto Rico, mais do que um grave disparate, é incrivelmente ruim em termos econômicos. E seu governo, no qual Mulvaney está definitivamente incluído, sabe disso.
Mulvaney soltou o verbo no programa de TV CNN Sunday quando falou sobre a proposta de corte de impostos de Trump:
Precisamos de novos déficits. (…) Precisamos de crescimento. (…) Mesmo se considerarmos [esses cortes de impostos] simplesmente como neutros em termos de déficit, nunca teremos a reforma tributária e a redução de impostos necessária para sustentar um crescimento econômico de 3%.
Não deveria ter sido algo notável, porque ao descrever déficits federais como algo positivo, Mulvaney estava dizendo essencialmente que o céu é azul. Mas o choque foi genuíno, porque sempre que os democratas estão no poder, os Republicanos se unem para cantar em uníssono que o céu é verde. E os democratas entram no jogo.
Para entender a importância disso, é necessário olhar para trás, para os últimos 100 anos.
O mundo aprendeu um conceito contra-intuitivo, mas central, sobre o capitalismo durante o século XX: ele é produtivo demais. Tende a criar mais oferta do que demanda efetiva.
Isso não quer dizer que países capitalistas não tenham crianças passando fome ou pessoas que precisam comprar um carro novo, mas não podem. Muito longe disso. Na verdade, significa que o capitalismo é extraordinariamente inventivo e costuma gerar capacidade física para produzir comida e carros – mas não consumidores suficientes que possam comprar tudo isso. Ao mesmo tempo, haverá um pequeno número de bilionários no topo com muito mais dinheiro do que conseguem gastar.
Esses contínuos excedentes de oferta são a razão pela qual as economias capitalistas entram com frequência em um ritmo de crescimento lento e até em recessões de longo prazo e depressões. Quando há mais produtos do que capacidade de compra, as fábricas demitem alguns funcionários envolvidos na produção de tais bens. Esses trabalhadores então são forçados a comprar menos e as fábricas demitem mais gente, em um ciclo vicioso constante.
Uma das melhores armas contra isso, como os EUA e o resto do mundo descobriram ao acabar com a Grande Depressão via Segunda Guerra Mundial, é o governo gerar déficits cortando impostos, ou aumentando os gastos, ou fazendo os dois. Déficits bem projetados botam dinheiro no bolso de quem não tem muito — e essas pessoas voltar a gastar.
Mas mesmo que os déficits em geral tornem a vida da maioria das pessoas melhor, da perspectiva do 1%, eles são repugnantes em termos políticos. Uma economia com crescimento rápido significa baixo desemprego, o que põe mais poder nas mãos dos trabalhadores e menos nas dos empregadores. E os preços também podem aumentar, o que reduz o valor da maioria dos tipos de títulos (uma explicação clássica sobre por que temos a capacidade de escolher criar booms econômicos e a intensa resistência dos ricos a eles está em um artigo de 1943 “Political Aspects of Full Employment [Aspectos Políticos do Pleno Emprego]”, do economista polonês Michael Kalecki).
Logo, os Republicanos fingem importar-se com déficits durante os governos democratas, pois ficam desesperados para evitar que seus oponentes se beneficiem dos efeitos positivos dessas medidas. Enquanto isso, os déficits criados pelos democratas costumam subir mais por conta de gastos sociais do que de cortes de impostos, ao que os republicanos se opõem porque temem que tal gasto leve a futuras altas de impostos (e alguns apenas não gostam de gastos sociais, ponto final). Mas quando os republicanos assumem o poder, descartam na mesma hora essa retórica para tentar usar os déficits em benefício próprio.
Por exemplo, como explicou recentemente com uma franqueza admirável um dos principais conservadores republicanos, Mark Walker, da Carolina do Norte, ser contra déficits é “uma grande discussão quando você tem um governo democrata. (…) É um pouco diferente agora que os republicanos têm as duas casas e o governo.”
Isso não quer dizer que os EUA possam arcar como tudo que quiser. Há limites físicos ao que os países podem produzir (embora, como mostrou a Segunda Guerra Mundial, eles sejam mais flexíveis do que imaginamos). Mas são esses limites físicos, e não números abstratos nos registros contábeis, que importam.
Stephanie Kelton, professora de desigualdade e políticas públicas na Universidade de Stony Brook, foi conselheira da campanha presidencial de Bernie Sanders de 2016. Ela é defensora ferrenha dessa perspectiva geral, conhecida como “Teoria Monetária Moderna”, que defende a importância de diversas medições para examinar e entender o quão próximo estamos do tais limites físicos.
Primeiro, há a “utilização da capacidade instalada” — por exemplo, quanto as fábricas e empresas estão produzindo versus quanto podem produzir. Este gráfico do Federal Reserve, o Banco Central americano, mostra que a utilização da capacidade instalada está em 76%, um nível muito baixo — durante os últimos 50 anos, normalmente foi atingido durante recessões. Em outras palavras, os EUA poderiam produzir muito, muito mais coisas de imediato.
Em seguida, há a inflação. Se estivéssemos de alguma forma próximos de nossa capacidade de produção, o gasto do governo estaria aumentando com mão-de-obra e materiais, e estaríamos vendo um crescimento acentuado na inflação. Não estamos.
E há ainda a taxa de desemprego U-6, conforme explica Kelton. Diferentemente da classificação U-3, que é normalmente mencionada na mídia, a U-6 inclui não apenas pessoas desempregadas e procurando emprego, mas também aquelas que desistiram de buscar trabalho e gente que trabalha meio período, mas preferiria estar trabalhando mais horas. Hoje em 8,6%, a U-6 era quase dois pontos percentuais mais baixa durante os anos 1990, sem nenhum pico de inflação.
Juntos, esses dados dão um quadro claro de um país que poderia facilmente reconstruir Porto Rico por completo, assim como a Flórida e Houston, e ainda fazer muito, muito mais. O único motivo do comentário feio de Trump sobre os custos de manter os americanos vivos é o fato de isso envolver o uso da incrível riqueza da nossa nação para beneficiar pessoas normais em vez de ultra-abastados como ele.
Tradução: Maria Paula Autran
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