Presidenciável para 2018, Jair Bolsonaro visitará alguns estados americanos a partir de domingo: Flórida, Massachusetts, Nova York e Washington D.C., e deve ter uma recepção turbulenta. Ativistas brasileiros nos EUA já se preparam para deixar claro que as posições de extrema-direita do político não serão ignoradas.
Bolsonaro embarca nessa viagem com a esperança de angariar apoio estrangeiro para sua candidatura presidencial em 2018. Ele tem aparecido bem nas pesquisas: tem o segundo maior índice de apoio entre os eleitores, atrás apenas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ecoando a ascensão de Trump ao poder, o establishment político e a mídia no Brasil permanecem céticos quanto à possibilidade de o deputado do PSC conseguir capitalizar esse apoio.
Para os oponentes de Bolsonaro dentro e fora do Brasil, no entanto, a possibilidade de vitória do candidato linha dura é muito concreta. “Em tempos normais, Bolsonaro nunca seria considerado um candidato presidencial viável”, afirmou por e-mail Matias López, cientista político que é bolsista acadêmico na Universidade de Harvard. “Mas o nível de divisão e erosão institucional no Brasil permitiu que ele emergisse. Ele tem uma ampla base de conservadores de direita, e é mais forte entre os cidadãos de classe média com nível de instrução mais alto.”
Uma viagem pelos Estados Unidos poderia emprestar uma aura de legitimidade que a candidatura de Bolsonaro, ainda considerado um azarão, até agora não obteve. “A visita de Bolsonaro aos EUA é motivada, ao menos em parte, pela intenção de torná-lo um candidato sério e legítimo”, afirmou por e-mail Michael VanElzakker, membro da Massachusetts Peace Action (Ação pela Paz de Massachussets), que está ajudando a organizar os protestos. “Ele quer ter oportunidade de ser fotografado em Boston com ares de estadista respeitado, não como o fascista banal, misógino e violentamente homofóbico que é.”
Para Fufu Coelho, representante do Coletivo Boston Contra o Golpe, grupo de solidariedade entre Brasil e Estados Unidos sediado em Boston, ela e outros defensores do Brasil devem garantir que Bolsonaro não tenha uma recepção calorosa nos EUA. “As pessoas no Brasil que normalmente se alinham com essa pauta também admiram os EUA como modelo de nação a ser seguido”, disse Coelho, cujo grupo está trabalhando em conjunto com o Peace Action e outros, como o Democratic Socialists of America (Social-Democratas da América). “Por isso é muito importante que haja relatos vindos daqui, mostrando que Bolsonaro não será facilmente aceito.”
Ao longo do último ano, o deputado federal no sétimo mandato tentou amenizar o histórico de discurso inflamado e ofensivo, numa jogada para se reinventar como um candidato mais moderado e razoável. “Ele está tentando se passar por liberal, o que é, essencialmente, uma mentira”, disse por e-mail Nadia Comani, representante do grupo Defend Democracy in Brazil (Defesa da Democracia no Brasil), sediado na cidade de Nova York. “Ninguém que acompanhe uma pequena parte da história dele, pelos jornais ou por seus fracassos parlamentares, pode acreditar nessa narrativa.”
“Bolsonaro sabe que precisa se mover rumo ao centro para conseguir doadores de campanha e nivelar a competição, e me parece que essa viagem aos Estados Unidos tem a ver com isso”, diz Lopez. “Ele quer parecer mais presidenciável e ‘normal’.”
Embora os protestos possam transmitir a mensagem de que Bolsonaro não é o estadista moderado que atualmente finge ser, ele pode ainda assim esperar uma recepção calorosa dos seus anfitriões, brasileiros expatriados de direita. Sua viagem pela costa leste está sendo patrocinada por grupos e indivíduos que se esforçam para torná-lo mais palatável para o exterior. “Ele está ouvindo os investidores para que saibam o que esperar do próximo presidente”, disse Daniel Cunha, sócio da corretora de investimentos XP Securities, braço da brasileira XP Investimentos nos EUA.
A viagem começa pela Flórida no domingo. De lá, Bolsonaro seguirá para o norte, rumo a Massachusetts, onde passará dois dias comparecendo a eventos coordenados pelo Public Administration Institute, uma organização não governamental fundada pelos empresários brasileiros Julio Morais e Dario Galvão. “É uma grande oportunidade para que o Sr. Bolsonaro veja a importância econômica que a comunidade brasileira tem aqui nos Estados Unidos”, declarou Morais. “Ele ouvirá dos legisladores de Massachussets sobre o impacto econômico que os donos de negócios brasileiros trazem para a comunidade.”
A parte nova-iorquina da viagem está sendo coordenada pelo banqueiro Gerald Brant da Stonehaven, LLC, com grande foco em cortejar os brasileiros da indústria financeira. Brant não estava disponível para entrevista. Bolsonaro se reunirá com membros da corretora brasileira XP Securities em uma mesa redonda entre investidores e o deputado, de acordo com Cunha, da XP. É uma oportunidade para os clientes da XP avaliarem qual seria a cara do Brasil de Bolsonaro. (Cunha enfatizou a neutralidade política de sua organização diante das afirmações mais ofensivas do deputado. “O que estamos fazendo é o que sempre fizemos”, disse Cunha, “conectar investidores ao lado real dos agentes políticos e econômicos”.)
Bolsonaro também planeja se reunir com membros da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Procurado por The Intercept, Ted Helms, ex-executivo da Petrobras, que dirige a Câmara, citou trecho de um e-mail de convite para o debate. “O processo eleitoral e seu vencedor certamente afetarão o comércio e as relações entre Estados Unidos e Brasil”, declarou Helms. “Esses são tópicos fundamentais que a Câmara de Comércio tenta abordar por meio de painéis e seminários ao longo do ano.” Helms não teceu outros comentários depois de ler o texto do e-mail.
Os ativistas esperam chamar a atenção quando Bolsonaro chegar ao centro de poder dos EUA, em Washington. Bolsonaro espera conseguir uma audiência com os legisladores do Partido Republicano, de acordo com Cunha, e terminar sua viagem comparecendo à Brazil Initiative (Iniciativa Brasil), um projeto da Elliott School of International Affairs da Universidade George Washington.
O Brazilian Expats for Democracy and Social Justice (Expatriados Brasileiros pela Democracia e pela Justiça Social), um grupo sediado em Washington, planeja protestar contra a visita de Bolsonaro ao Capitólio, mas disse ao The Intercept que ainda falta decidir a abordagem correta. “Não queremos dar a ele mais atenção do que o necessário, então ainda estamos avaliando nossas opções”, afirmou Aline Cristiane Piva, jornalista do blog Nocaute, e Veronica Slobodian, membro do grupo Brazilian Expats for Democracy and Social Justice, numa declaração conjunta enviada por e-mail.
O comparecimento à Universidade George Washington já encontra resistência. Está circulando para assinatura uma carta aberta pedindo à escola que reconsidere o convite. Os organizadores do evento, no entanto, insistem que será uma oportunidade de responsabilizar Bolsonaro por algumas de suas declarações passadas. “Vamos aproveitar a oportunidade para conversar e debater as questões controversas que ele apoiou”, disse Mark Langevin, o professor que coordena a Brazil Initiative. “E vamos ver se ele consegue se reposicionar. Se não passar nesse teste, então o debate servirá ao propósito democrático de mostrar respeito pelo processo.”
Tudo isso parece ótimo, disse Piva e Slobodian, mas dar uma plataforma para Bolsonaro ameaça normalizar sua candidatura. “Ele não é uma opção ‘liberal’, como vem sendo divulgado, mas um fascista antidemocrático que não merece sequer ser considerado uma opção presidencial”, entende ela. “Alguns o comparam a Donald Trump, mas acreditamos que seja ainda pior. Escutá-lo não é ‘dar espaço’ para um político de direita, como muitos acreditam, mas dar espaço para uma visão de mundo antidemocrática e carregada de ódio.”
Tradução: Deborah Leão
Você sabia que...
O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?
E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?
Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.
E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!
O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.
Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.
Podemos contar com você por R$ 20 por mês?