O ministro do Gabinete de Segurança Institucional do governo Temer, Sérgio Westphalen Etchegoyen, causou incômodo em parte da comunidade diplomática durante uma palestra no Instituto Rio Branco. O general sugeriu “medidas extremas” para a segurança pública, elogiou feitos dos anos de chumbo e disse que o país sofre com amoralidade e com patrulha do “politicamente correto”.
Etchegoyen começou a fala de quase duas horas contando que tinha sido soldado por 47 anos e que era por essa ótica, militar, que enxergava e interpretava o mundo. Depois do alerta, tentou quebrar o gelo:
“Sou da arma de cavalaria e tem um problema que a ausência do meu cavalo reduz minha capacidade intelectual em uns 45, 40 por cento”, começou o general da reserva que comanda, entre outros órgãos, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A plateia, majoritariamente composta por futuros diplomatas, riu discretamente.
Foi um dos poucos momentos de descontração. No restante do tempo, segundo pessoas que estiveram presentes, pairou no ar certo desconforto diante da visão de mundo do ministro. A palestra ocorreu no dia 23 de agosto. Nesta segunda (9), The Intercept Brasil teve acesso exclusivo ao conteúdo do encontro, graças a uma gravação de áudio feita sem o conhecimento do Instituto Rio Branco.
“Deserto de lideranças”
O convite para que o ministro falasse a alunos do Rio Branco partiu de Alexandre Parola, porta-voz do atual governo que, nos corredores do Itamaraty, é jocosamente chamado de “porta-malas”. Quando a primeira denúncia contra Michel Temer foi rejeitada, Parola disse, em pronunciamento oficial, que o presidente havia recebido a notícia “com a tranquilidade de quem confia nas instituições brasileiras” e que a decisão era uma “vitória da democracia e do direito”.
Etchegoyen parece pensar diferente. Para ele, o país passa por crises tão profundas que afetam a própria estrutura do Estado: “Nós nunca vivemos, no Brasil, um momento em que coincidisse, com tanta intensidade, tantas crises estruturais e tantas crises setoriais. Isso nos dá uma crise sistêmica”, disse. “E nós não vamos tratar com Aspirina nem com Tylenol. Nós vamos tratar com antibiótico, com todos os efeitos colaterais”.
Ao longo das quase duas horas ao microfone, o militar gaúcho se mostrou bastante cordial, mas, mais de uma vez, pecou pela falta de coerência. Tendo, entre outras, a função de zelar pela segurança de um presidente que vem oferecendo tudo e mais um pouco em troca da permanência no cargo, Etchegoyen criticou justamente a excessiva preocupação dos políticos em “preservar mandatos e biografias”. E, com distanciamento pouco comum a homens em posição de comando, reclamou que vivemos um “deserto de lideranças”. Uma situação de “perplexidade política” para a qual não há saída à vista e que pode “gerar problemas maiores”.
“Inimigo interno”
Para o chefe da Abin, boa parte do caos atual deve-se ao excesso de ideologias. “Nós criamos uma sociedade, particularmente no Brasil, que resolveu que os fenômenos sociais são todos explicados a partir de uma formulação ideológica”, disse. Depois completou: “Nós temos uma questão prática pra resolver [a crise atual], que não responde a questões ideológicas necessariamente.”
Etchegoyen diz acreditar que a crise atual é o grande “inimigo interno” e pode ser dividida em três vertentes: a econômica, a política e a moral, que, para o homem forte da segurança de Michel Temer, é a maior delas.
Com quase cinco décadas no Exército, o general achou por bem discorrer sobre a violência no Rio de Janeiro. Para ele, a ação do Exército é justificada pela falência do Estado. “Estamos vivendo tempos extraordinários. Precisamos de soluções extraordinárias.”
“Se der pro militar um problema de segurança pública, ele vai se adaptar e vai fazer.”
Para o ministro, o argumento de que as Forças Armadas não são treinadas para atuar no policiamento de cidades é balela de especialistas. “Ninguém sabe a guerra que vai lutar amanhã”, disse. “Somos treinados em cima de princípios, de conceitos, com alguns fundamentos, com muita flexibilidade pra dar agilidade mental pra poder resolver o problema. Então, se der pro militar um problema de segurança pública, ele vai se adaptar e vai fazer.”
Etchegoyen acredita que parte dos problemas do Rio, onde o Exército tem atuado com frequência, tem a ver com um interesse eleitoreiro de políticos que não deram a necessária continuidade à segurança pública. Mas o povo também teria uma parcela de culpa: “Uma sociedade no Rio de Janeiro – e me desculpem os cariocas –, que ia pra praia com um apito pra avisar o maconheiro que a polícia está chegando, permitiu que se chegasse aonde chegamos.”
Ainda sobre a crise política, Etchegoyen afirmou que o Brasil criou um modelo que está “nos destruindo por dentro.” Uma “sociedade amorfa, que não reage.” E as origens desses males estaria no abandono de um projeto nacional, principalmente durante os mandatos de Lula e Dilma. “Governos mais populares, com vocação mais assistencialista.”
Saudades da “autonomia” da ditadura
Para o chefe da Abin, o Estado democrático brasileiro criou instrumentos que limitaram o nosso desenvolvimento. “Imaginem se hoje seria possível construir, no Rio de Janeiro, o Cristo Redentor? Quanto é que ia nos custar de discussão no Ibama, com o Ministério Público? Quanto nos custaria fazer uma ponte Rio-Niterói, pra ficar no mesmo tema? O bondinho? Itaipu?”, disse, referindo-se a algumas das maiores obras de infraestrutura da ditadura militar.
De toda a palestra, esse foi o momento em que o general mais exalou saudades da ditadura. “Nós tivemos autonomia pra fazer isso… A nossa geração teve autonomia. Fracassou. Fracassou porque utilizou mal essa autonomia e reduziu a autonomia das gerações que vão nos seguir”, ponderou.
Conforme a palestra avançava, os problemas se multiplicaram e, curiosamente, não passaram perto do Congresso ou do Planalto, que estaria tentando implantar uma “agenda modernizadora”. No fim, nem a Constituição escapou da artilharia.
“Nós perdemos a noção de crescimento e passamos a ser uma sociedade de outra natureza, particularmente a partir de 88, a partir da Constituição de 88, que não tem, como prioridade, crescer”, disse. E foi adiante.
“Se não chegarmos a uma posição do que é interesse nacional, nós vamos continuar patinando.”
Denunciou o fato de um cirurgião do SUS que “constitui a mama de um transexual” receber mais do que o colega que “reconstitui” o seio de uma mulher vítima de câncer. E, claro, lamentou o desapreço para com as polícias:
“Nossa sociedade bota o dedo na cara de um policial… Qualquer menino [faz isso] e não acontece nada”, disse, muito provavelmente referindo-se aos meninos da Zona Sul do Rio ou da Zona Oeste de São Paulo. “Nós não podemos, por exemplo, deixar que prossiga esse desamor pela polícia, que tem acontecido no Brasil. Porque são eles que nós temos. Nós não temos outros.”
Entre os atuais entraves ao progresso estavam, claro, os quilombolas. Em particular, uma comunidade que ocupa a península de Alcântara, no Maranhão.
“Algumas comunidades permanecem onde estão e não saem para a expansão do centro de lançamento de Alcântara por razões culturais. ‘Ah, não quero sair porque aqui morreu minha vó’”, minimizou.
Para Etchegoyen, essa resistência seria estimulada por algumas lideranças, cooptadas por antropólogos estrangeiros que, na verdade, teriam o objetivo de sabotar o programa espacial brasileiro. “Há 30 anos já se discute isso e não se sai do lugar. E se não chegarmos a uma posição do que é interesse nacional, nós vamos continuar patinando.”
Por fim, a exemplo de outro militar da reserva que tem ganhado cada vez mais espaço nos microfones do país, o ministro criticou uma suposta patrulha do politicamente correto: “Quantos e quantas aqui teriam coragem de levantar e discutir claramente a sua opinião sobre cotas, por exemplo? Isso é uma coisa que, na sociedade, nós estamos buscando uma unanimidade – e eu não estou falando contra as cotas, eu estou tratando teoricamente do assunto – mas nós queremos uma unanimidade na sociedade?”
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