Disputa entre facções, tráfico de armas nas fronteiras, avanço das milícias… Ao menos na tarde desta quarta (18) nenhum destes temas será o foco da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara. Os parlamentares irão se reunir em uma audiência pública para discutir arte. Sim, num país onde a violência cresce a índices alarmantes, os deputados usarão seu tempo para analisar supostos “ilícitos penais” cometidos durante a exposição Queermuseu, em Porto Alegre, e em uma performance no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo.
A brilhante ideia da reunião partiu dos deputados Alberto Fraga (DEM/DF) e Onyx Lorenzoni (DEM/RS) e da deputada, aliada de movimentos sociais e feminista, Laura Carneiro (PMDB/RJ). No texto da convocação, foi destacado que as exposições foram “realizadas com recursos públicos” e que “causaram reação social” e “conflitos com reflexos na Segurança Pública”. O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão foi chamado para a audiência.
“Estamos atentos, vamos nos mobilizar, porque é nosso dever, proteger e defender as nossas crianças das garras dessa gente, que pretende destruir a família”, explicou em 11 de outubro, em tom pastoral, no plenário da Câmara, Onyx Lorenzzoni, integrante da bancada da bala e um dos defensores da revogação do estatuto do desarmamento.
“Proteção às nossas crianças”
No discurso, o deputado clamou por “proteção às nossas crianças”, que estariam “expostas à doutrinações inadequadas da esquerda mundial”. Para o congressista, a manifestação raivosa de parte da sociedade contra a exposição de arte Queermuseu é reflexo de uma doutrinação de gênero com origem na ONU (Organização Mundial das Nações Unidas) e que merece ser repudiada. Ficou de fora da fala dele que a “manifestação raivosa” foi alimentada pela guerrilha do MBL, submissos em convocar protestos contra o governo de Michel Temer.
Co-autora do requerimento, a deputada Laura Carneiro faz parte da bancada feminina da Câmara e é próxima dos movimentos sociais. Na semana passada, participou de um seminário na Câmara sobre a Construção de Ações Estratégias para a Plataforma Nacional dos Direitos Humanos e Cidadania das Pessoas LGBTI. Em seu facebook, Carneiro diz que o “respeito à diversidade assegura o respeito a todos”.
Alberto Fraga, representante da bancada da bala, também se manifestou nas redes sociais contra a exposição. Ligado à área de segurança pública, o deputado é um dos requerentes que fazem fila para que a exposição seja impedida.
“O que custa uma nota?”
O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, que participará da audiência, também foi convocado pela CPI do Senado que investiga maus-tratos contra crianças e adolescentes para debater sobre a mostra Queermuseu. Neste caso, a iniciativa partiu de Magno Malta (PR-ES), da bancada evangélica.
Sá Leitão também já havia sido chamado para outra reunião, com deputados da bancada evangélica, em 4 de outubro. Os parlamentares queriam que o ministro reconhecesse que houve crime nos episódios das exposições e que o Ministério da Cultura emitisse uma nota para que eles pudessem “tranquilizar as bases”: o ministro endossou as críticas às performances artísticas em museus, afirmando que o episódio caracteriza um “claro descumprimento” ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A reunião, que contou com a participação de um representante do MBL, foi conduzida pelo deputado Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ). Aliado do pastor Silas Malafaia, Cavalcante também emprega em seu gabinete a autora da proposta de cura gay, Rozangela Justino.
Sóstenes pressiona para que o ministro emita nota contra a exposição e que o ministro defina como crime o ocorrido. E sugere que, se nada for feito, haverá enfrentamentos e violência:
“Qual o receio o ministro tem de chamar crime de crime?”, começou questionando. “Se um ministro está convencido de que não nas duas, mas em uma tem prática de crime, o que custa uma nota pra gente tranquilizar nossas bases pra não ir à porta de um museu desses e arrumar uma quizumba, que é um problema, que é o que vai acontecer? (…) Eu sei as pressões que nós estamos tomando. Então, o que custa uma nota? A gente já dá satisfação: ‘Pessoal, o ministério reconhece que houve crime. Calma! As medidas vão ser tomadas.”
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