A Câmara dos Deputados decidirá amanhã o futuro de um processo judicial sobre formação de quadrilha na Câmara dos Deputados. Não, você não leu errado.
A segunda denúncia contra Temer, que será avaliada pelos deputados nesta quarta (25), acusa o presidente de ser o chefe de uma organização criminosa popularmente chamada de “Quadrilhão” do PMDB da Câmara.
A acusação apresentada pelo Ministério Público ainda mira outros oito nomes para além do presidente. Entre eles, o destaque vai para dois ministros: Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência).
Dependendo de como for realizada a votação, os dois podem “pegar uma carona” na suspensão do processo do presidente. Ou seja, em uma expressão máxima do corporativismo político, ao blindar Temer, os deputados governistas também poderão blindar os ministros.
O pulo do gato
Quem explica é Leonardo Pantaleão, membro da Comissão de Direito Criminal da OAB-São Paulo e professor do Centro Preparatório Jurídico: “Certamente, o princípio da indivisibilidade de uma ação penal será citado durante essa votação”.
Ele se refere ao artigo 48 do Código de Processo Penal, que diz que todos os envolvidos em um mesmo crime devem ser julgados no mesmo processo:
Já a Constituição determina que cabe à Câmara dos Deputados autorizar o prosseguimento de um processo contra o presidente ou contra ministros. Seguindo esta lógica processual, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara decidiu matar (ou melhor, salvar) três coelhos numa cajadada só e votar o processo considerando a organização criminosa como um bloco único, sem “fatiar” a denúncia.
Os “primos”
Moreira Franco e Eliseu Padilha são os principais interessados nessa estratégia de blindagem em grupo. Na planilha do “departamento de propina” da Odebrecht, os dois eram tratados por vários apelidos, e um deles se referia a ambos: “primo”. Juntos, eles receberam da Odebrecht em torno de R$ 13 milhões, pagos em dinheiro vivo, segundo levantamento da Procuradoria Geral da República.
De acordo com o ex-Procurador Geral Rodrigo Janot, autor da denúncia, os dois — ao lado de Geddel Vieira Lima e Eduardo Cunha — eram os responsáveis pela arrecadação de propina a ser dividida entre a organização criminosa.
A denúncia também lembra que os dois também são citados na fatídica carta aberta de Temer à ex-presidente Dilma Rousseff, seis meses antes de a Câmara afastá-la do cargo. O tratamento relegado a Moreira Franco e Padilha estava no topo da lista de onze motivos para a revolta do então “vice decorativo” contra sua colega de chapa:
“3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”.”
O que pesa contra o “Gato Angorá”
Moreira Franco é apontado como o nome por trás dos favorecimentos de empréstimos da Caixa Econômica, onde atuou como vice-presidente entre 2007 e 2010. O documento do Ministério Público lembra que, em 2008, foi aprovado um financiamento de R$ 3,2 bilhões ao consórcio da Hidrelétrica Santo Antônio, formado, entre outras empresas, pela Odebrecht — empresa na qual o filho de Moreira Franco trabalhava.
O documento também acusa Moreira Franco de favorecer o Grupo Bertin durante sua gestão na Caixa Econômica Federal. Segundo a denúncia, 60% da propina pelo favorecimento teria ido para ele, após passar pelas mãos de Lúcio Funaro e Eduardo Cunha.
Ainda segundo o documento, esse repasse incomodou Eduardo Cunha e foi o motivo de um racha que levou à substituição de Franco na Caixa por um indicado do ex-presidente da Câmara.
Os dois casos “deixam translúcida a relação promíscua entre o público e o privado”
A denúncia também menciona favorecimento à Odebrecht na concessão do Aeroporto Galeão, no Rio. Moreira Franco chefiou a Secretaria de Aviação Civil, órgão responsável pela decisão, de março de 2013 a janeiro de 2015.
Segundo o documento, os dois casos “deixam translúcida a relação promíscua entre o público e o privado, revelando um verdadeiro escambo por parte de MOREIRA FRANCO com a coisa pública.”
O que pesa contra o “Fodão”
Segundo a denúncia, após tantos favorecimentos à Odebrecht, em 2014, foi a vez de Moreira Franco pedir um favor aos empresários: uma doação de R$ 4 milhões para a campanha de 2014. O texto afirma que Eliseu Padilha — apelidado pelos empresários da Odebrecht de “Fodão” — foi a pessoa indicada por seu “primo” para receber a parcela “não contabilizada” destes recursos.
Padilha também é citado na denúncia como um dos responsáveis por monitorar o silêncio do doleiro Lúcio Funaro, que veio a assinar acordo de delação premiada em agosto.
De acordo com o Ministério Público, Padilha também passou a ser o canal de contato de Michel Temer com o empresário Joesley Batista após a efetivação do peemedebista.
O último bastião
Tentando frustrar a estratégia de blindagem dos dois ministros, o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA) entrou com um mandado de segurança para que o STF dê uma palavra final sobre a possibilidade de “fatiar” a votação. Em entrevista a The Intercept Brasil, ele argumentou que as acusações que pesam contra cada um dos envolvidos são diferentes: “Um parlamentar pode querer autorizar a denúncia contra o presidente e não contra os ministros, ou vice-versa. Ou acatar um crime e outro não.”
A decisão final do ministro Marco Aurélio — sorteado, na última segunda (23), para relatar a ação — foi por deixar a critério da própria Câmara: “Definição quanto à votação única, ou considerado cada qual dos denunciados, circunscreve-se à Câmara dos Deputados”.Na interpretação do professor de direito constitucional na FGV Direito Rio Thomaz Pereira, o prosseguimento da ação em relação aos ministros, separadamente do presidente, deveria ser “quase que uma questão procedimental”, um caminho natural e inquestionável.
“Essa votação não envolve fatores jurídicos, ela é puramente política”
Para ele, a votação não deve ser fatiada e deve tratar especificamente sobre Temer: “eles [os deputados] autorizam ou não em relação única e exclusivamente ao presidente”. Seguindo essa linha interpretativa, mesmo que a Câmara decida suspender a denúncia contra Temer durante seu mandato, “o processo continua” em relação aos demais investigados, “na medida do possível, mesmo sem tocar o presidente”, afirma Pereira.
Já seu colega Pantaleão entende que, caso a votação não seja fatiada, a decisão será sobre a organização denunciada como um bloco único. Então poderá, sim, ser usada para blindar ministros e, possivelmente, outros nomes que vierem a ser envolvidos nas investigações e que tenham foro privilegiado. Ele afirma que termos técnicos poderão ser usados pelos deputados — como a indivisibilidade de uma ação penal —, mas que provavelmente serão tirados de contexto, porque a finalidade é outra: “essa votação não envolve fatores jurídicos, ela é puramente política”.
Colaborou, de Brasília: George Marques
Foto do topo (da esquerda para a direita): Moreira Franco, Michel Temer e Eliseu Padilha durante cerimônia de assinatura de contratos de concessões de aeroportos, em julho.
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