O ex-presidente do Banco Central do governo FHC, Gustavo Franco, anunciou sua desfiliação do PSDB. Na última segunda-feira, ele deu entrevista para a Folha se mostrando bastante decepcionado com a crise ética pela qual passa o partido e decidiu se filiar ao Partido Novo. Foi o mesmo caminho seguido pelo ex-tucano e técnico de vôlei Bernardinho. Com o PSDB dividido entre continuar apoiando ou não um governo marcado pela corrupção, talvez essa revoada de tucanos para o Novo seja uma tendência nos próximos meses. É um caminho natural, as eleições estão aí. Certamente muita gente vai querer dar uma repaginada no visual e trocar o desgastado uniforme azul e amarelo.
Gustavo Franco vai para o Novo, mas o seu projeto político continuará sendo o mesmo que vem sendo implantado pelo conluio PMDB/PSDB desde a tomada do poder: “reformar as instituições públicas para que seus gastos caibam na receita”. Traduzindo do tucanês: privatizar estatais, cortar verbas dos serviços públicos, subtrair direitos trabalhistas para, assim, enxugar o Estado e dar liberdade total para o mercado, que magicamente resolverá todos os problemas sociais. Enfim, trata-se do velho e fracassado receituário neoliberal de sempre. Franco chega ao Novo no momento em que ocupa o cargo de presidente do Instituto Millenium — o think tank liberal patrocinado por grandes empresas e grupos de mídia — o que o torna um reforço ainda mais interessante para o partido.
Mas quem são os fundadores do Novo? Bom, apesar de publicamente dizer que foi fundado por engenheiros, médicos, administradores e outros profissionais liberais, o partido foi criado principalmente por dois homens muito ricos que ocuparam cargos de alto escalão em bancos brasileiros. Ambos apareceram no Bahama Leaks como proprietários de off-shores que, segundo eles, foram devidamente declaradas à Receita Federal.
João Dionisio Amoêdo é engenheiro e administrador de empresas que construiu carreira em bancos e acabou se tornando um banqueiro. Começou estagiário no Citibank e acabou virando sócio da BBA. Tem relacionamento longo e estreito com Armínio Fraga, Gustavo Franco e boa parte do escalão da equipe econômica do governo FHC. Foi presidente do Partido Novo até recentemente, quando deixou o cargo para poder disputar algum cargo nas próximas eleições. É o principal homem da legenda.
O também engenheiro Ricardo Coelho Taboaço, que acabou de assumir a presidência do partido, também construiu carreira no alto escalão de instituições financeiras. Foi sócio diretor do Grupo Icatu e vice-presidente do Citibank.
Os fundadores do Novo se vendem como cidadãos comuns, insatisfeitos com os maus serviços públicos e com os altos impostos. Mas nós vivemos em um país onde os bancos, apesar de sempre lucrarem loucamente, pagam menos impostos que os assalariados. Imagino que mexer nesse privilégio não é — nem nunca será — uma proposta da legenda dos banqueiros.
É um partido novo, mas que chegou para representar quem sempre esteve muito bem posicionado dentro de todos os governos brasileiros. Mas para não dizerem que não falei das flores, há, sim, uma novidade ou outra ali. Não que isso seja necessariamente positivo, muito pelo contrário. A lógica empresarial é que dá as cartas na estrutura interna do Novo. O partido recruta novos candidatos para disputar eleições como as grandes corporações recrutam trainees. O processo seletivo é mais parecido com o programa “O Aprendiz” do que com a democracia. Este trecho de matéria da revista Exame mostra bem os detalhes:
Todos os pré-candidatos do Novo para uma vaga no Congresso tiveram que pagar uma taxa de inscrição de 600 reais. Aspirantes a uma vaga na corrida eleitoral pela Assembleia Distrital pagaram 300 reais. (…) A primeira etapa, que correspondia à análise curricular e teste sobre valores da sigla, aprovou apenas 284 dos 460 inscritos. Até o final de junho, esse grupo de pré-candidatos será avaliado por uma banca de membros do partido durante entrevistas. Nas próximas fases, a ideia é ver, na prática, como o pré-candidato se sairia em uma campanha.
Esqueçam o conceito de representatividade política, tão cara à democracia. No Novo ela só vale para banqueiros e mercado financeiro. Apenas critérios meritocráticos serão levados em conta na escolha dos candidatos. Provavelmente você não verá nenhum lixeiro liberal se candidatando pelo Novo para representar a sua categoria. A taxa de inscrição é cara e os candidatos passam por uma “análise curricular”. Com esse conceito torto de democracia, talvez o grande sonho do Novo seja eliminar as eleições e escolher nossos representantes através de concursos públicos.
Outra novidade é que o partido abriu mão do Fundo Partidário. Aparentemente uma iniciativa bastante louvável, mas que não chega a merecer salva de palmas. Convenhamos, quem precisa de Fundo Partidário quando se tem a alcunha de “queridinho do mercado financeiro”? Dinheiro não é problema.
O programa político do Novo é essencialmente econômico. O partido simplesmente se recusa a discutir temas como aborto, casamento gay e legalização da maconha. Mas não esperemos um liberalismo progressista, tão escasso no Brasil. Apesar do terninho bem cortado e do discurso pretensamente moderno, o Novo promete não ser muito diferente de um PSC da vida nessa seara. O perfil do partido no Twitter dá um indicativo de como o partido se posiciona em relação aos Direitos Humanos, por exemplo:
A Declaração Universal do Direitos Humanos é um avanço civilizatório da humanidade. Tratá-la como uma questão ideológica, de esquerda, revela a mais profunda ignorância. É o bolsonarismo gourmet.
Mesmo se furtando a debater questões relevantes para o país, o Novo pretende lançar um candidato à presidência da República. Alguns outsiders vem sendo ventilados, como Flávio Rocha, João Doria, Luciano Huck e o próprio ex-presidente do partido João Amoedo.
Flávio Rocha, dono da Riachuelo, já tem currículo na política e representa o que há de mais velho nela. Foi eleito deputado federal pela primeira vez pelo PFL em 1986. Depois, à convite de Collor, foi para o PRN, onde se reelegeu. Em 1990, chegou a ser candidato à presidência da República, mas foi obrigado a renunciar após de ter seu nome envolvido no escândalo dos bônus eleitorais. Mesmo com todos esses esqueletos no armário, Rocha é considerado por Amoedo uma “pessoa alinhada com os princípios do Novo e um bom gestor. Pode ser um bom nome (do partido à presidência).” Bom, como gestor ele já teve uma de suas fábricas condenada por submeter funcionários a longas jornadas de trabalho em troca de salários abaixo do mínimo, além de cometer abusos físicos e psicológicos. E se estiver tão bem alinhado aos princípios do Novo, então aí é que a coisa piora mesmo, já que na semana passada ele escreveu um artigo delirante alertando sobre o avanço de um plano comunista para dominar o povo brasileiro — tipo Pastor Marco Feliciano.
Luciano Huck recebeu pessoalmente o então presidente do Novo em Angra dos Reis. Segundo a revista Piauí, ele emparelhou sua lancha ao lado do luxuoso iate do apresentador e conversaram por 40 minutos. De lá pra cá, o nome do tucano global vem se tornando cada vez mais forte. Huck ganhou espaço nobre na imprensa para fazer suas análises de conjuntura e falar o que pensa sobre o futuro do Brasil.
Merval Pereira, outro membro do Instituto Millenium, não conseguiu disfarçar sua simpatia pela candidatura do colega global. Para ele, Huck “além de popular, tem muito mais preparo e uma rede de contatos que pode viabilizar um programa de governo com substância”. Eu não sei que preparo Huck tem para comandar um país em profunda crise política e econômica, mas concordo que ele possui uma rede de contatos extensa. Vai de Joesley Batista, Flávio Rocha até Aécio Neves.
Como toda boa sigla de direita no Brasil, o partido tem dificuldades de se assumir como de direita. Prefere se apresentar como uma versão jovem e honesta do velho neoliberalismo. É um partido majoritariamente branco e masculino, como quase todos os partidos tradicionais. De novo o Novo não tem nada. É apenas um PSDB que ainda não sujou o sapatênis de camurça na lama.
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