Yousef Al Otaiba, UAE Ambassador to the United States, talks during a news conference  on Thursday, Feb. 2, 2012 in Grapevine, Texas.  The arrival of Emirates first flight from Dubai International Airport (DXB) to Dallas/Fort Worth International Airport (DFW).  The service marks DFW Airport’s first commercial non-stop flight to the Middle East.   (AP Photo/The Fort Worth Star-Telegram, Max Faulkner)  MAGS OUT

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Vazamento revela plano para guerra financeira contra o Catar e "roubo" da Copa de 2022

Plano preparado por banco de Luxemburgo para Emirados Árabes traça estratégia para criar uma crise no Catar e forçar o país a dividir a sede da Copa.

Yousef Al Otaiba, UAE Ambassador to the United States, talks during a news conference  on Thursday, Feb. 2, 2012 in Grapevine, Texas.  The arrival of Emirates first flight from Dubai International Airport (DXB) to Dallas/Fort Worth International Airport (DFW).  The service marks DFW Airport’s first commercial non-stop flight to the Middle East.   (AP Photo/The Fort Worth Star-Telegram, Max Faulkner)  MAGS OUT

Um plano delineado para que os Emirados Árabes Unidos iniciassem uma guerra financeira contra o Catar, seu rival no Golfo Pérsico, foi encontrado em arquivo de conta de e-mail do embaixador dos Emirados nos Estados Unidos, Yousef al-Otaiba, e posteriormente obtido pelo The Intercept.

O conflito econômico envolveria um ataque ao sistema monetário do Catar por meio de manipulação de títulos públicos e de instrumentos financeiros conhecidos como derivados. O plano, disposto em apresentação de slides, foi acessado por The Intercept por meio do grupo Global Leaks. O objetivo era prejudicar a economia do Catar, de acordo com documentos que mostram a estratégia em linhas gerais.

Esses documentos foram preparados pelo Banque Havilland, banco privado com sede em Luxemburgo e pertencente à família do controverso empresário britânico David Rowland. O esboço aponta um esquema para provocar uma queda no valor dos títulos do Catar, o que aumentaria os custos de seguro, com o derradeiro fim de criar uma crise monetária que esgotaria as reservas de dinheiro do país.

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Captura de tela do Outlook do embaixador Yousef al-Otaiba

Global Leaks

Rowland tem relação próxima de longa data com líderes políticos dos Emirados Árabes, sobretudo com o príncipe de Abu Dhabi, Mohammed bin Zayed, conhecido como MBZ. O banco está em vias de criar uma instituição financeira em parceria com o Mubadala, o fundo soberano de investimentos dos Emirados Árabes Unidos, de acordo com contratos e correspondências obtidos por The Intercept que delineiam os termos do contrato. O projeto é independente da operação Catar, mas reflete a estreita relação entre o banco e os Emirados.

O plano de endividar o Catar era altamente ambicioso. “Controlar a curva de rendimento, decidir o futuro” diz o documento, fazendo referência a um gráfico padrão sobre os custos dos empréstimos de um país para pagar dívidas com vencimentos em diferentes datas. Acredita-se que a altura e o formato da curva de rendimento refletem quão saudável é uma economia e influenciam as opções financeiras disponíveis para um país.

Atacar a economia de uma nação com manipulação financeira representaria uma grave violação das normas tradicionais de conduta na diplomacia e mesmo na guerra.

Não há prova conclusiva de que o plano tenha sido colocado em prática nem de que um dia será. E a atual pressão sobre a moeda do Catar devido a um bloqueio imposto pelos Emirados Árabes indica que medidas claras e diretas de sabotagem econômica podem ser mais eficientes do que as apresentadas nos slides. Além disso, a publicação desta reportagem significa que a alegada confidencialidade do plano já não existe.

The Intercept entrou em contato com Edmund Rowland, filho de David e diretor do Banque Havilland, pelo número de um celular listado nos documentos internos da empresa. Ao ser perguntado sobre o plano para prejudicar a economia do Catar em nome dos Emirados Árabes e sobre o documento vazado, Rowland respondeu: “Nunca fizemos nada”, disse ele. Quando pedimos mais detalhes, sua resposta antes de encerrar a ligação foi: “Não posso comentar”.

Após a conversa telefônica com Rowland, o advogado do escritório Reed Smith Herbert Kozlov contatou The Intercept e afirmou em nome do banco que a instituição não negociou títulos públicos nem contratos de permuta financeira de crédito (credit default swaps, CDS) do Catar, que seriam os produtos financeiros a serem utilizados, de acordo com o plano. “Banque Havilland não comercializa títulos, contratos de seguro, CDS nem qualquer outro instrumento do Catar e não planeja fazê-lo”, declarou Kozlov. Sobre o plano de prejudicar o Catar, ele comentou: “O banco é uma instituição financeira privada de prestígio e não se deixa levar por conjeturas políticas nem tampouco as comenta”.

De acordo com metadados dos slides obtidos por The Intercept, o documento foi criado por Vladimir Bolelyy, uma analista do Banque Havilland. A secretária de Bolelyy informou que ele não falaria com The Intercept. “Ele foi orientado por Herbert Kozlov a não contatar essa empresa,” disse a secretária. The Intercept nunca chegou a mencionar a Kozlov que Bolelyy aparecia como o autor do documento.

A missão do plano dos Emirados Árabes Unidos de guerra econômica contra o Catar.

Imagem: Global Leaks

 

O novo projeto surge em meio a uma crise regional que alcançou novos patamares em junho deste ano, quando os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita lideraram um bloqueio econômico imposto por nações no Golfo contra o Catar, cortando ligações diplomáticas com este país. Se fosse bem-sucedido, o plano só tornaria o cenário ainda pior. O secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, criticou recentemente os países que impuseram o bloqueio, chamando-os de intransigentes, mas o presidente Donald Trump assumiu postura oposta, encorajando a Arábia Saudita e os Emirados a manter o isolamento do Catar, que abriga uma das maiores bases militares norte-americanas no exterior. Em seu mais recente esforço para apaziguar a crise, Tillerson esteve na região em 20 de outubro.

Segundo reportagem do jornal de opinião American Conservative, Tillerson havia dito a pessoas próximas acreditar que Trump o havia sabotado, a pedido de Otaiba, o embaixador dos Emirados Árabes, e do genro de Trump e conselheiro da Casa Branca, Jared Kushner, com quem o embaixador tem estreita relação.

Tanto Kushner como Trump têm motivos para tomar partido de Otaiba na disputa. O presidente possui um campo de golfe da marca Trump em Dubai – e chegou a se gabar em coletiva de imprensa logo antes de tomar posse que havia recebido uma oferta para fechar um negócio bilionário com um construtor e incorporador imobiliário dos Emirados.

As tentativas do presidente de colocar as mãos no dinheiro do Catar, entretanto, têm sido menos exitosas. Em 2010, Trump viajou para lá com Ivanka Trump na tentativa de garantir duas fontes de financiamento para seus investimentos. Recebeu um rotundo não dos dois possíveis financiadores.

Mais recentemente, Kushner buscou um socorro financeiro de US$ 500 milhões junto a um membro da realeza do Catar como estratégia para recuperar um ambicioso investimento malsucedido de construção de um edifício em Nova York. O dinheiro para esse tipo de socorro financeiro vem frequenemente do Golfo. Conforme foi noticiado em primeira mão por The Intercept, o empréstimo aos Kushners foi concedido, com a condição de que o restante do financiamento de que precisvam fosse levantado com outras fontes. Entretanto, essa segunda parte do acordo nunca aconteceu, e o empresário do Catar decidiu suspender o negócio.

Após o fracasso nas negociações, Kushner ajudou a orquestrar uma dura resposta ao bloqueio econômico, pelo qual Trump ganhara crédito ao incentivar a abordagem agressiva dos dois países durante um encontro de cúpula em Riad. Ex-conselheiro estratégico da Casa Branca, Steve Bannon creditou a Trump o movimento de atiçar o bloqueio. “Não acho que seja uma casualidade que duas semanas após a cúpula, Emirados Árabes Unidos, Bahrain, Egito e o Reino da Arábia Saudita tenham instaurado um bloqueio contra o Catar,” declarou Bannon durante evento recente em um think tank em Washigton. “Venho dizendo isso desde o início, mesmo com a situação no Pacífico, com a Coreia do Norte, que a conjuntura mais importante que ocorre agora no mundo é a do Catar”.

No final de junho, Trump interferiu ainda mais no conflito ao mandar indiretas para o Catar durante um evento beneficente, como revela áudio obtido por The Intercept. “Estamos em uma disputa com o Cátar — a pronuncia devia ser Catar,” disse Trump, ao zombar do nome do país, mudando a sílaba tônica. “Eles preferem Catar. E eu prefiro que eles não financiem o terrorismo”.

Tensões regionais intensificaram o conflito durante o último fim de semana, quando o príncipe saudita Mohammed bin Salman, aliado próximo de Otaiba e de MBZ, prendeu dezenas de príncipes e altos oficiais em um rápido movimento de consolidação de poder. Em seguida, ameaçou entrar em guerra contra o Irã.

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Dólar americano x riyal do Catar.

Imagem: XE.com

 

O bloqueio econômico já impactou diretamente a economia do Catar, prejudicando comércio, turismo e finanças dentro e fora do país. O fundo de riqueza soberana do Catar repatriou recentemente US$ 20 bilhões para o sistema bancário, e o sistema monetário já demonstra sinais de transtornos financeiros.

O custo do seguro da dívida do Catar subiu aproximadamente 70% desde maio, o mercado de ações teve queda de 24% este ano e os rendimentos sobem mais que a oferta de títulos a ser feita no final do ano. À frente da liquidação da dívida, o país mudou abruptamente a forma de calcular suas reservas em moeda estrangeira, um parâmetro essencial por investidores para avaliar os riscos de compra da dívida de um país. A mudança duplicou as reservas monetárias do país e pegou completamente de surpresa especialistas internacionais que normalmente discutem e revisam o valor da reserva estrangeira antes do dado ser anunciado publicamente. Em vez disso, neste caso, o Catar simplesmente divulgou uma declaração de seis palavras para dizer que o valor havia mudado. Apesar do movimento inesperado, o jornal Wall Street Journal notou que “o rendimento dos títulos do Catar continua relativamente baixo para um país emergente, reflexo de suas vastas reservas de petróleo e consequente riqueza”.

O Banque Havilland é mais conhecido por seu papel na falência da Islândia, após a qual se reinventou como novo banco, com uma certa disposição para fazer negócios com magnatas controversos, como o nigeriano Kola Aluko.

David Rowland criou o Banque Havilland com apoio do seu amigo, o príncipe Andrew. Rowland é um aliado fiel do partido britânico conservador Tory e é considerado muito próximo a David Cameron, ex-primeiro ministro do Reino Unido. Rowland teria pago £20 mil – cerca de US$ 23 mil — por uma foto de Cameron em um evento beneficente para o Partido Conservador e chegou a ser nomeado tesoureiro do Tory em 2010, antes deixar o cargo em meio a controvérsias.

O nome do banco é uma homenagem ao Havilland Hall, o lar da família Rowland, no paraíso fiscal localizado na ilha de Guernsey, localizada no Canal da Mancha. Embora Edmund Rowland administre o banco, documentos internos revelam que seu pai, David, continua envolvido nos negócios. Os documentos, marcados como “ocultos e confidenciais”, que esboçam o plano do ataque financeiro contra o Catar, já circulavam entre o Banque Havilland e a embaixada dos Emirados Árabes Unidos em Washington em fins de setembro.

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Captura de tela mostra primeira fase do plano

Imagem: Global Leaks

 

Uma instituição privada do porte do Banque Havilland conhece bem o primeiro passo do plano disponibilizado no esboço: criar um fundo de investimentos offshore para esconder as ligações com os Emirados Árabes. O fundo manteria títulos públicos do Catar já adquiridos pelos Emirados Árabes Unidos e compraria dívidas adicionais. O fundo também compraria CDS, que se valorizariam à medida que a dívida do Catar se deteriorasse.

O plano então sugere a precipitação do aumento da dívida por meio de uma série de transações fraudulentas para forçar a queda do preço dos títulos do Catar – uma técnica de manipulação conhecida como “pintar a fita” [painting the tape], que consiste em uma série de transações de compra e venda para dar a falsa impressão de atividade ou movimentação do preço de um determinado instrumento financeiro. O objetivo é que outros operadores que não estejam envolvidos na fraude vejam o alto volume de transações na “fita” — o coração do mercado — e achem que, devido à alta atividade em um período de turbulência política, algo importante está acontecendo, levando-os a vender seus títulos. Se o procedimento ocorrer conforme o planejado, as vendas causam queda no preço dos títulos, criando mais pânico e ainda mais vendas. Tendo comprado esses swaps contra a dívida, os Emirados Árabes Unidos veriam o valor dos seguros subirem à medida que a dívida do Catar despencaria.

O documento que traz detalhes do esquema cita a fraude proposta: “Estabelecer uma transação cruzada por meio da qual outra parte afiliada vende os mesmos títulos para o vendedor original e assim cria uma pressão adicional descendente”.

Captura de tela mostra segunda fase do plano

Imagem: Global Leaks

O objetivo seria provocar uma corrida por parte de investidores que acreditam que está todo mundo vendendo, e por isso é melhor se desfazer dos títulos o mais rápido possível.

A queda dos preços da dívida e a alta dos custos dos swaps acenderiam o alerta de nova crise nos mercados, pressionando a moeda do Catar. O rial, a moeda do Catar, está equiparado ao dólar americano, logo se seu valor caísse no exterior, o país seria forçado a gastar bilhões de dólares de suas reservas para manter a equiparação.

Em outras palavras, os Emirados planejam fazer o Catar entrar em curto-circuito, para então arruiná-lo por meio de manipulação dos mercados financeiros internacionais e ganhar, ao mesmo tempo, apoio diplomático contra o rival.

Especular sobre a moeda e o futuro econômico de um país não é algo sem precedentes no ambicioso mundo das finanças, mas a diferença nesse caso é que o algoz não se trata de um “fundo abutre” focado apenas no lucro, mas de um Estado soberano com o objetivo de sabotar uma nação vizinha.

Do ponto de vista do lucro, o plano não seria um grande sucesso, o que sugere que seus objetivos são mais políticos do que propriamente financeiros. Como ressalta o documento, ao fim da operação – em caso de êxito – seria difícil para os Emirados se desfazer dos títulos do Catar, uma vez que a operação teria destruído o país financeiramente.

Isso se o plano realmente surtisse efeito. “É muito difícil manipular a curva de rendimento de uma nação soberana”, explicou o professor de finanças e direito da Universidade de San Diego, Frank Portnoy, que também já trabalhou com operações de derivativos na empresa Morgan Stanley. “É plausível em um filme do James Bond, mas provavelmente não daria muito certo na prática”.

O plano: comprar credit default swaps (seguros contra a inadimplência) da dívida do Catar. Os valores dos CDS aumentam e os dos títulos caem, gerando lucro para os Emirados Árabes, à custa do colapso do Catar.

Imagem: Global Leaks

 

Sem entrar em detalhes, o documento usa um tom vago, apresentando certo amadorismo: não há nenhum tipo de análise dos títulos do Catar, dos derivativos ou dos mercados monetários, nem uma estimativa do poder de fogo econômico dos Emirados para tirar o plano do papel. Tampouco aponta quanto dos US$ 68 bilhões da dívida ativa do Catar já pertencem aos Emirados Árabes e seus aliados; como reagir quando o Catar perceber estranhas transações e tomar medidas para pressionar o mercado a agir na direção oposta e comprar títulos, estabilizando sua moeda e vendendo credit default swaps – algo que costuma ocorrer com relativa rapidez no mercado financeiro; nem prevê os efeitos que um ataque bem-sucedido sobre uma moeda forte da região teria sobre o dirham dos Emirados Árabes, o riyal saudita e as moedas de seus aliados.

Em vez disso, o plano apresenta um esquema conceitual em várias fases, sendo que a primeira delas estuda de perto a moeda do Catar e os mercados de crédito para identificar “liquidez, fornecimento e preço”.

Se tudo corresse conforme o plano, o próximo passo seria forçar o Catar a gastar as reservas de dinheiro para estabilizar sua moeda. “Para manter uma moeda equiparada, é necessário uso extensivo das reservas de câmbio estrangeiro do banco central”, diz o documento. Com o mercado de títulos despencando, o mesmo ocorreria com a moeda do país. Com a venda em peso da moeda do Catar para comprar dólares, as reservas de moeda americana também despencariam.

É mais do que correta a premissa básica do plano: o Catar está gastando bilhões de dólares para compensar o estorvo causado pelo bloqueio e a moeda do país está vulnerável. Pouco antes do bloqueio econômico contra o Catar ser decretado, o reino possuía US$ 35 bilhões em reservas da moeda. Depois do embargo, as reservas do Catar despencaram para dar apoio ao sistema monetário e manter a economia solvente. O país agora possui menos de US$ 24 bilhões em reservas, embora a recente manobra contábil tenha praticamente dobrado esse número.

Por ser um país inacreditavelmente rico, as reservas oficiais do Catar minimizam a quantidade de dinheiro que o país tem para defender seu sistema monetário. O governo pode apelar para a vasta riqueza líquida das corporações do país, seu fundo de riqueza soberano de US$ 335 bilhões e até para seus cidadãos para estabilizar a moeda ou apoiar a economia. Por exemplo, a recente repatriação de  $20 bilhões de fundos de riqueza soberana de contas internacionais aos bancos nacionais efetivamente serviram de socorro para o sistema financeiro do Catar. Alguns fundos do governo já estão até vendendo ativos.

Pode até ser que o Catar esteja gastando dezenas de bilhões de dólares para combater os efeitos do bloqueio econômico, mas ainda tem mais outras centenas de bilhões de sobra. E, oficialmente, o país afirma que continua a ter reservas suficientes para manter sua moeda equiparada ao dólar.

Ou seja, o plano não chegaria nem perto de uma aposta certeira, do ponto de vista financeiro.

Faz sentido o esboço trazer poucos detalhes, de acordo com Portnoy, o professor da Universidade de San Diego, dentro do contexto em que costumam operar os banco. “Banqueiros estão sempre tentando vender produtos complexos para gerar receitas por prestação de serviços”, disse. “É um esforço para vender algo que pode ser uma péssima ideia”.

A máquina das Relações Públicas é intensificada.

Imagem: Global Leaks

 

A terceira fase do plano seria intensificar as atividades da “máquina de relações públicas”, com o intuito de manchar a imagem do Catar internacionalmente, colocando em evidência sua frágil situação financeira. “Focar na possibilidade de acesso restrito ao dólar americano e na estabilidade duvidosa do país” diz o plano. “E (…) continuar a avançar nas posições”. Em outras palavras, manter o mercado encurralado e gerar insegurança sobre a queda dos preços com a produção de notícias ruins.

Os esforços de relações públicas também buscariam ajuda de outros países — provavelmente, aliados como o Egito e a Arábia Saudita, que nos últimos meses se uniram aos Emirados para isolar o Catar. “Declarações contundentes dos países vizinhos podem ser uteis”, prossegue o plano.

Jacob Frenkel é ex-advogado da Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos (Securities and Exchange Commission) e procurador criminal que atuou como testemunha especialista de casos de manipulação de mercado. Para ele, a proposta do documento acende uma série de alertas vermelhos. Como o plano provavelmente envolveria mercados norte-americanos e faria uso de servidores e dólares norte-americanos, órgãos reguladores e promotores dos EUA poderiam ter jurisdição sobre o caso.

Frenkel, que atualmente é sócio do escritório de advocacia Dickinson Wright, explicou que acordos sobre datas e preços de negociação são comuns em esquemas de manipulação. “O uso de entidades criadas com o propósito de realizar transações para gerar a percepção de interesse de mercado independente é característico de atividades de manipulação de mercado”, disse ele. Somente isso já basta para acender o alerta vermelho para reguladores do mercado, comentou. “Qualquer integrante de um órgão regulatório ou de fiscalização concordaria comigo”.

 

Os documentos foram fornecidos ao The Intercept por um grupo relativamente obscuro, que se auto-intitula Global Leaks. Em meados de junho, o Global Leaks começou a distribuir e-mails da conta de Otaiba para meios de comunicação, entre eles The Intercept. Pouco se sabe sobre essa organização, mas seus administradores utilizam conta de e-mail com final .ru, o que sugere que são russos ou que pelo menos querem passar essa impressão. O Global Leaks alega não ter nenhuma conexão com a Rússia ou com qualquer outro governo.

O grupo afirmou ter recebido os documentos de fontes ligadas ao Banque Havilland. A afirmação foi investigada por The Intercept e tem fundamento, embora outras possibilidades – como a ação de hackers – não possam ser descartadas.

Após obter os documentos, integrantes do Global Leaks contaram ter pedido a uma das fontes que tem acesso à caixa de e-mail de Otaiba para pesquisar documentos relacionados a Rowland ou ao Banque Havilland. Essa fonte encontrou a apresentação de slides com o esquema no arquivo de tarefas de Otaiba — arquivo criado para servir de “lista de tarefas” — e a entregou ao Global Leaks.

O uso de uma conta no Hotmail para assuntos diplomáticos delicados por parte de Otaiba foi questionado no início do ano, após o endereço ser dado como comprometido. O fato de ele continuar a usá-lo é ainda mais enigmático. Otaiba não respondeu os e-mails de The Intercept, incluindo o pedido de resposta para esta reportagem. No entanto, um jornalista de Washington, que vem se correspondendo com ele, compartilhou um e-mail enviado por Otaiba da conta comprometida. E-mails do Hotmail de Otaiba não eram respondidos, mas tampouco voltavam.

Captura de tela da fase de Relações Públicas do plano

Imagem: Global Leaks

 

Se o esquema é ambicioso, o objetivo, no fim das contas, é bem insignificante: tem relação com futebol.

O propósito do plano, de acordo com os slides, é forçar o Catar a compartilhar o evento da Copa do Mundo de 2022. A estratégia expressa no documento sugere o uso de campanhas por meio do uso de relações públicas para convencer a direção da FIFA de que as reservas monetárias do Catar estão minguando, e que uma pequena monarquia do Golfo Pérsico não tem condições de garantir a necessária infraestrutura para os jogos.

O embargo já provocou o aumento dos custos das obras de infraestrutura e tem sido difícil recrutar altos funcionários para trabalhar no país, segundo mostra o slide. O esboço conclui que, caso a guerra econômica surta efeito, ficará mais difícil para o Catar construir estádios e outros equipamentos necessários para os jogos: “Se o Qatar gasta agora suas reservas protegendo sua moeda e o mercado doméstico, sobra menos dinheiro para se investir em infraestrutura”.

De acordo com o documento, os Emirados esperam com isso que os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) – grupo de monarquias árabes do qual o Catar faz parte — se tornem os anfitriões do evento mundial, e não apenas o Catar.

Em 20 de outubro, várias semanas depois de The Intercept ter obtido o documento com o plano, uma campanha foi lançada no Twitter com o objetivo de tirar a Copa do Mundo do Catar. Teve até vídeo produzido com esmero.

“Seria atraente para a FIFA mostrar o futebol como ferramenta para estabilizar a situação na região”, diz o documento. “O CCG pode solicitar à FIFA que permita que o evento seja organizado pela região como um todo”. Caso o Catar rejeite a ideia, o plano sustenta, “eles se mostrarão intransigentes em trabalhar com os parceiros do GCC” — com o detalhe de que um deles teria acabado de iniciar um ataque financeiro contra o país.

Foto do título: Yousef Al Otaiba, embaixador dos Emirados Árabes Unidos nos Estados Unidos, discursa durante coletiva de imprensa em Grapevine, Texas, 2 de fevereiro de 2012.

Tradução: Flávia Villela

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