Ele é o membro mais recente de uma longa lista de generais celebrados pela #resistência anti-Trump. Em uma palestra durante o fim de semana, o general John Hyten, chefe do Comando Estratégico do Departamento de Defesa dos EUA (U.S. Strategic Command, STRATCOM), responsável por gerenciar os equipamentos nucleares americanos, revelou o que faria se recebesse uma ordem para dar início a um ataque nuclear.
“Eu sou responsável por aconselhar o presidente”, contou o general ao público do Fórum de Segurança Internacional de Halifax, na Nova Escócia, Canadá. “Ele vai me dizer o que fazer; se for ilegal, adivinhem o que vai acontecer? Eu vou responder: ‘Senhor Presidente, isso é ilegal'”. E acrescentou: “E o que ele vai fazer? Vai perguntar: ‘O que seria legal, então?’ E aí vamos elaborar alternativas, dentro do leque de ações possíveis, para responder à situação, é assim que funciona. Não é assim tão complicado.”
À primeira vista, a declaração de Hyten pode parecer reconfortante para todos os que andam dormindo mal à noite, preocupados com as mãozinhas de Trump rondando o botão nuclear. Na semana passada, pela primeira vez em mais de quarenta anos, o Comitê de Relações Exteriores do Senado realizou uma audiência para discutir a autoridade do presidente para detonar armas nucleares. “Estamos preocupados que o presidente dos Estados Unidos seja tão instável e imprevisível […] que possa comandar um ataque de armas nucleares em amplo descompasso com os interesses da segurança nacional dos Estados Unidos”, declarou na audiência o Senador Chris Murphy, de Connecticut.
Funcionários de alto escalão próximos a Trump também manifestaram preocupações semelhantes. Em outubro, Gabriel Sherman, da revista Vanity Fair, deu a notícia de que “um ex-funcionário inclusive especulou que [o chefe de gabinete John] Kelly e o secretário de Defesa James Mattis já teriam discutido o que fariam caso Trump ordenasse um primeiro ataque nuclear. ‘Eles iriam imobilizá-lo?’ indagou a pessoa.”
Comparado à ideia de conter fisicamente o comandante em chefe, o plano de ação proposto por Hyden (“Senhor Presidente, isso é ilegal”) parece uma solução mais realista e razoável para o problema de um Trump altamente belicoso com acesso irrestrito aos códigos nucleares norte-americanos.
Os comentários de Hyten, no entanto, não me tranquilizam nem um pouco. Em primeiro lugar, por que ele presume que, ao ser informado de que um ataque nuclear pode ser “ilegal”, o presidente responderia com: “o que seria legal, então?” Trump, que se debate contra os “supostos” juízes, parece o tipo de líder que está preocupado com o Estado de Direito? Por que motivo ele não iria simplesmente demitir Hyten e substituí-lo por um general mais complacente?
Em segundo lugar, o chefe da STRATCOM disse ainda no Canadá que ele e os demais generais “não são idiotas” e estão cientes dos riscos de se violar a lei: “Se você executa uma ordem ilegal, você vai preso. Você pode ficar preso pelo resto da sua vida.” Como então ele explica a quantidade de generais norte-americanos de alto nível que participaram de bom grado da invasão ilegal do Iraque por George W. Bush? Ou que ajudaram Barack Obama a conduzir o bombardeio ilegal da Líbia? Onde estavam as vozes dissonantes entre os generais de quatro estrelas em 2003 ou 2011, dizendo a Bush ou a Obama: “Senhor Presidente, isso é ilegal”? Com base em que, então, deveríamos confiar em Hyten e outros oficiais em 2017?
E principalmente: será que o general realmente acredita que o lançamento de armas nucleares “não é tão complicado assim”, em termos jurídicos? Será que Hyten, que se formou em Harvard não como bacharel em Direito, mas em Engenharia e Ciências Aplicadas, acha que é fácil distinguir um ataque nuclear “legal” de um ataque “ilegal”?
Diversos advogados internacionais, manifestantes e ativistas ousariam discordar. Consideram, na verdade, que um ataque nuclear em qualquer circunstância é uma violação ao direito internacional humanitário. Eles alegam que os critérios para um ataque legítimo — necessidade, distinção, proporcionalidade e proibição ao sofrimento desnecessário –, como descritos no Manual de Direito dos Conflitos Armados dos EUA e amplamente citados por Hyten em Halifax, nunca poderão ser preenchidos no caso das armas nucleares.
Ouçamos Beatrice Fihn, diretora executiva da Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN), que recebeu o Nobel da Paz em outubro. “Armas nucleares são ilegais”, declarou, depois de receber o prêmio. “Ameaçar usar armas nucleares é ilegal. Deter a propriedade de armas nucleares, possuir armas nucleares, desenvolver armas nucleares é ilegal, e eles precisam parar.”
Consideremos ainda a opinião de Rabinder Singh, um importante advogado britânico de direitos humanos, e Christine Chinkin, professora de direito internacional e ex-consultora da ONU. Eles escreveram um parecer em coautoria em 2005, argumentando que o uso do sistema de dissuasão nuclear do Reino Unido “violaria o direito internacional consuetudinário, em especial porque violaria a exigência dos ‘intransgressíveis’ [princípios do direito internacional consuetudinário] de que deve ser feita uma distinção entre combatentes e não combatentes”.
Um ataque com armas nucleares, provocado ou não, aparentemente violaria um longo rol de leis que remontam a até um século e meio atrás. Como Ryan Bort, da Newsweek, resumiu em outubro:
A Declaração de São Petersburgo de 1868 (consideraria ilegal porque a perda de vidas civis não seria minimizada); a Convenção de Haia de 1907 (consideraria ilegal porque não haveria “garantia de inviolabilidade de nações neutras”); a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (consideraria ilegal porque a radiação resultante interferiria na saúde de pessoas inocentes); a Convenção de Genebra de 1949 (consideraria ilegal porque não seria assegurada a proteção de trabalhadores da saúde, gestantes e pessoas doentes); e o protocolo à Convenção de Genebra de 1977 (consideraria ilegal pela perda de vidas civis e pelo dano ao meio ambiente).
Em 1996, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu um parecer consultivo que declarava que “a ameaça ou o uso de armas nucleares em regra contraria normas de direito internacional aplicáveis aos conflitos armados, em especial os princípios e normas do direito humanitário”. Dizia ainda que “estados nunca devem fazer de civis objeto de ataque e, consequentemente, não devem nunca utilizar armas incapazes de distinguir entre alvos civis e militares”.
Parece claro: armas nucleares são ilegais. Mas não é bem assim. A Corte também apontou que “não há, nem no direito internacional consuetudinário, nem no positivado, proibição ampla e universal à ameaça ou ao uso das armas nucleares como tal”, e os quinze juízes da CIJ declararam que não puderam “chegar a uma conclusão definitiva sobre a legalidade ou a ilegalidade do uso das armas nucleares por um Estado em circunstâncias extremas de legítima defesa, em que sua própria sobrevivência esteja em jogo”.
Mas a capacidade das armas nucleares da Coreia do Norte realmente ameaça a “sobrevivência” dos Estados Unidos atualmente? O Japão imperial era uma ameaça existencial aos EUA em agosto de 1945, quando as bombas atômicas foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki já nos dias finais da guerra?
Sempre me pareceu estranho que incinerar milhões de pessoas (em sua maioria, não combatentes) em um ataque nuclear pudesse não ser considerado um crime de guerra. Sempre me pareceu bizarro que uma bomba atômica que continua a ceifar vidas décadas depois de lançada possa não ser considerada desproporcional. E nunca deixa de me espantar que existam proibições legais ao uso de armas químicas e biológicas, de minas terrestres e de munições de dispersão, mas não exista proibição equivalente à posse ou ao uso de armas nucleares, cujo poder destrutivo é maior que o de todas as outras armas proibidas juntas.
Para o general John Hyten, no entanto, “não é assim tão complicado”. Ele planeja nos salvar de um ataque nuclear ilegal. Mas quem nos salvaria de um ataque legal?
Tradução: Deborah Leão
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