Roberto Requião recebeu The Intercept Brasil para uma entrevista na última quinta, em Curitiba. Nos últimos anos, o senador paranaense tem sido uma das vozes dissonantes do MDB nacional a apoiar Lula, uma espécie de para-raio político do ex-presidente. Em suma: um comprador de tretas.
Para Requião, Lula é inocente no caso do tríplex – pelo qual será julgado em segunda instância na próxima semana depois de ter sido condenado a nove anos e meio pelo juiz Sérgio Moro. Tanto nesse quanto nos demais casos em que é acusado de receber presentes de construtoras, a culpa, diz o senador, é dos empreiteiros que quiseram comprar a “simpatia” do político. “Tudo isso foram avanços das empreiteiras. Sei o que significa o poder econômico num governo, fui governador três vezes.”
“Tudo isso foram avanços das empreiteiras. Sei o que significa o poder econômico num governo, fui governador três vezes.”
Na sala de espera de seu escritório, que fica em uma grande casa no Bom Retiro, bairro de classe média alta da capital, outro visitante aguardava para conversar com emedebista: o ex-deputado federal Florisvaldo Fier, o Doutor Rosinha, atual presidente do PT do Paraná. “Vim pedir apoio para minha candidatura a governador”, brincou. O senador, de fato, se relaciona melhor com petistas do que com seus próprios correligionários.
Dois dias antes, o veterano de 77 anos havia anunciado que será candidato ao que seria seu quarto mandato como governador do Paraná. Requião chegou em seguida e arrastou Rosinha junto para a entrevista. Falamos por 40 minutos – Rosinha permaneceu mudo na maior parte do tempo.
Na conversa, Requião criticou Lula, moderadamente, e foi mais duro com Sergio Moro, a imprensa (o político já agrediu jornalistas, inclusive fisicamente) e seu próprio partido, o MDB – novo nome do velho PMDB, ao qual é filiado desde os anos 1980, apesar de se ver como um homem de esquerda.
Em determinado momento, Requião sacou de um envelope um exemplar do “Manifesto do Primeiro Partido Operário do Brasil”, assinado, entre outros, por seu avô, Justiniano de Mello e Silva, que mandou imprimir na gráfica do Senado (uma das regalias do mandato de Senador é gastar até R$ 8,5 mil anuais para rodar material “inerente à atividade parlamentar“.) “Você vai entender a posição que eu tenho através da história dos meus antecedentes”, garantiu o senador, integrante de uma família de políticos – o pai foi prefeito nomeado de Curitiba nos anos 1950, e um dos irmãos, deputado federal.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
THE INTERCEPT BRASIL Num vídeo recente na internet, o senhor falou que o julgamento de Lula é um “verdadeiro absurdo”. Por quê?
ROBERTO REQUIÃO Porque, para mim, as coisas com relação ao apartamento são muito claras. Em primeiro lugar: eu não sou devoto do Lula. Sou amigo dele, e fui oposição à política econômica do governo dele. Mas ele terminou o governo com 84% de popularidade e elegeu a sucessora. Não se podia esperar que um empreiteiro não quisesse fazer um favor ao Lula.
Ninguém vai me convencer que a OAS cobraria a diferença de um ex-presidente da República com 84% [de aprovação].
Dona Marisa tinha comprado um apartamento. Era uma incorporação do sindicato dos bancários que não deu certo e acabou na mão da OAS. A OAS resolveu fazer uma gentileza ao presidente, deve ter oferecido à dona Marisa a cobertura. E isso significava o quê? Acumulava o pagamento do apartamento e pagaria a diferença.
Ninguém vai me convencer que a OAS cobraria a diferença de um ex-presidente da República com 84% [de aprovação]. Eles eram uma empreiteira com negócios com o Estado, gostariam muito de ter a simpatia do ex-presidente que elegera a sucessora. Mas o Lula refugou a hipótese da negociação. Ele foi dar uma olhada…
Evidente, a dona Marisa, que era uma mulher extraordinariamente simples, ficou encantada em ter uma cobertura, embora fosse uma cobertura medíocre – como diz o Maluf, eram três Minha Casa, Minha Vida um em cima do outro, numa praia [a das Astúrias, no Guarujá, litoral de São Paulo] que não é exatamente o sonho de consumo da burguesia brasileira. Lula disse que não queria o imóvel, dizendo que não gostou de detalhes, e os caras resolveram fazer adaptações.
TIB Mas não lhe parece que só o fato dele ter ido até lá, ver o apartamento, deixar a mulher acompanhar as reformas…
Requião [Interrompe a pergunta] O fato de eu ter te recebido aqui não significa que eu vá me casar com você. Ofereceram o apartamento, sugeriram algumas mudanças. E o pressuposto é de que ele pagaria as diferenças. Mas eu digo a você, com a experiência de ter sido governador do Paraná três vezes, que eles proporiam, ao fim e ao cabo, que o Lula não precisaria pagar a diferença. Mas Lula recusou. E vamos admitir que ele fosse pressionado e a diferença não fosse paga. Mas daí surgiram os escândalos da Petrobras e o negócio não se deu.
Mas eu digo a você, com a experiência de ter sido governador do Paraná três vezes, que eles proporiam, ao fim e ao cabo, que o Lula não precisaria pagar a diferença. Mas Lula recusou.Então, não vamos saber nunca se o Lula seria convencido e aceitaria o presente da OAS. Que não tem nada a ver com a Petrobras – o [juiz federal Sergio] Moro admite isso. Então, o apartamento não é dele, tanto que uma juíza do Distrito Federal, na semana passada, sequestrou o apartamento para pagar credores da OAS. O apartamento está em nome da OAS. Não é do Lula, não foi do Lula e não poderá ser do Lula. Então, a condenação é política. Porque a candidatura do Lula, com seus defeitos e qualidades, é hoje o ponto de apoio para alavancar, reverter um projeto de entrega do Brasil.
[Após a repercussão da notícia por sites alinhados a Lula, o Tribunal de Justiça do DF emitiu nota em que afirma que a penhora do tríplex “não emitiu qualquer juízo de valor a respeito da propriedade”.]
TIB No começo de seu governo, em 2003, Lula disse que “não tinha o direito de errar”. Esse relacionamento dele, no mínimo próximo, com as empreiteiras, seja no tríplex, no sítio em Atibaia, no terreno para o Instituto, foi um erro?
Requião Foi um erro. Um erro! Mas tudo isso foram avanços das empreiteiras, e o terreno do instituto não se concretizou. Sei o que significa o poder econômico num governo, fui governador três vezes. Eu conheço o jogo do capital financeiro e das empreiteiras…
TIB Quando governador, o senhor denunciou escândalos de corrupção no governo de seu antecessor Jaime Lerner. Um deles é o caso Banestado, tocado por muitos promotores que estão na Lava Jato e julgado por Sergio Moro. O que mudou?
Requião Você está completamente errado na sua pergunta. O procurador do caso das contas CC-5 do Banestado chamava-se Celso Antônio Três. Ele é o principal opositor da posição fundamentalista de seus colegas do Ministério Público Federal. Ele fez uma crítica dos dez pontos [as dez medidas contra a corrupção propostas pela força-tarefa], e eu a editei no meu gabinete do Senado.
[Na verdade, Três era colega, naquele caso, de Carlos Fernando dos Santos Lima e Januário Paludo, integrantes da força-tarefa da Lava Jato.]
Sobre Moro, não espere de mim que eu vá fazer com ele o que acho que ele faz com o Lula. Eu conheço o Moro. Ele entrou naquele processo, que veio para a Justiça estadual, e não conseguiu fazer com que avançasse. Mas o Moro queria se destacar como combatente da corrupção. O Moro é um sujeito sério e equivocado, porque está fornecendo munição para o entreguismo no Brasil, para o avanço do capital financeiro e o fim da soberania nacional.
Sobre Moro, não espere de mim que eu vá fazer com ele o que acho que ele faz com o Lula.
Moro era um sujeito empenhado, mas foi atingido por um pecado comum em políticos, a vaidade. Ele viaja aos Estados Unidos para entrevistas, para receber prêmios, para palestras remuneradas, o que não tem cabimento para um juiz brasileiro que julga uma questão sobre a qual os norte-americanos têm interesse. Acho que, no processo de julgamento, ele se tomou de horror pelo Lula e pelo PT. Ele foi muito atacado pelo PT, e muitas vezes pelos seus acertos, por problemas que levantou e existiam, de que não precisamos falar…
TIB Por exemplo?
Requião Por exemplo, aqueles diretores [na Petrobras] ganhando comissões, o que é rigorosamente inaceitável. E não era só o PT, mas o PT foi reagindo, e ele foi tomado de horror, e transformou o processo num processo pessoal [diz, batendo na mesa]. A tentativa de afastar o Lula é a tentativa de consolidar um projeto à Margaret Thatcher, à Ronald Reagan, que está absolutamente falido no mundo todo. Se não tivermos um candidato com a popularidade e o carisma pessoal do Lula, e essa eleição for morna, ela será uma eleição do poder econômico. Talvez uma parte da população nem vote, [tenhamos] uma abstenção brutal, e os candidatos eleitos serão os que conseguiram pequenos favores com a máquina do estado. É o cabra que levou uma creche, ampliou uma escola, conseguiu uma ambulância…
TIB Não é sempre assim?
Requião Não. Lula se elegeu presidente da República com outro discurso. De certa forma, ele capitulou à pressão da mídia, em partes. Mas acho que hoje ele aprendeu muito e é o ponto de apoio da resistência. “Me dê uma alavanca e eu moverei o universo”. A alavanca que nós temos é o Lula, não o Roberto Requião ou o Ciro Gomes. Somos piores que o Lula? Não acho. Mas o Lula tem as condições objetivas de virar o jogo.
O Bolsonaro não existe mais. Foi promovido e despromovido, desapareceu.
TIB Mas Lula candidato, rejeitado por boa parte do eleitorado, não contribui com candidaturas da extrema-direita, de Jair Bolsonaro, por exemplo?
Requião Não. O Bolsonaro não existe mais. Foi promovido e despromovido, desapareceu.
TIB Promovido por quem?
Requião Pela Globo, pela mídia e pela banca. Pelos interesses financeiros que queriam derrubar a política progressista e desenvolvimentista. Ele acabou, já apanhou duma forma definitiva, por seus erros pessoais, que não são nem o de visitar um apartamento [como Lula], mas usar recursos públicos para pagar funcionário que não trabalhava, [empregar] a parentela toda sem fazer nada. E eu não tenho nada contra botar parente, desde que seja eficiente. [Quando governador, Requião empregou a mulher, Maristela, e dois irmãos, Eduardo e Maurício, em cargos do primeiro escalão.]
TIB Não foi a insatisfação com a classe política que catapultou Bolsonaro?
Requião Claro, mas é uma insatisfação promovida pela Globo e pela mídia, pelos jornalões. Ou você acha que aquela movimentação pelos vinte centavos no transporte em São Paulo ocorreu pelo quê? Havia, há uma insatisfação latente no Brasil. Havia antes, e hoje está multiplicada por cem. Mas ela não está sendo mobilizada por falta de condutores, na mídia e na organização de base. Se o Lula não for candidato e não pusermos um paradeiro nisso, vamos partir para uma crise social brutal. Porque o brasileiro não vai admitir perder os direitos trabalhistas, políticos e sociais de que usufruiu nos períodos do Lula e do Getúlio Vargas.
TIB A senadora Gleisi Hoffmann disse que será preciso “matar gente” para prender Lula. Qual sua impressão sobre a declaração dela? O que devemos esperar das manifestações em Porto Alegre caso o TRF4 confirme a condenação de Lula?
Requião Não foi isso que ela disse. A declaração foi mal interpretada, e a Gleisi forçou um pouco o raciocínio.
[Em entrevista ao portal Poder 360, a senadora diz: “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente. Mais que isso: vai ter que matar gente. Aí vai ter que matar”.]
Por que você não pergunta a Temer o que ele faz no meu PMDB?
TIB Seu partido, o MDB, foi o artífice do impeachment…
Eu poderia dizer a você: você é um jornalista, e o jornalista brasileiro é um canalha. Devolvo a pergunta a você nesses termos.
TIB O senhor acha que o jornalista brasileiro é um canalha?
Requião Ah, é. As empresas estão acanalhadas e a serviço do capital financeiro e de uma política de destruição da soberania nacional.
TIB Todas elas, indistintamente?
Requião Todas as que têm expressão. Algumas não, tem a mídia alternativa. E, lógico, individualmente, tem jornalistas sérios. Mas a maioria deles e as empresas estão a serviço do mercado.
TIB Eu prossigo com a pergunta: o senhor está no MDB, mas é crítico do governo Temer…
Requião Por que você não pergunta a Temer o que ele faz no meu PMDB?
TIB O senhor acha que é essa a pergunta correta?
Requião A base do PMDB pensa como eu penso. O [ministro Eliseu] Padilha fez uma pesquisa sobre a reforma da previdência com filiados ao partido e 97% disseram que não queriam. Então, o meu PMDB não é o deles [de Padilha e Temer]. Eles têm é o domínio da estrutura parlamentar do Brasil. Mas não saio do PMDB como não deixo de ser brasileiro, não vou fugir para o Paraguai.
TIB O senhor acha que não terão coragem de expulsá-lo do MDB?
Requião Podem tentar, né?
TIB O senhor e o ex-presidente Lula têm falado em “regulação da mídia”. Como seria feito isso? De que forma isso se conduz com uma democracia saudável?
Requião Sugiro a fórmula norte-americana, acabar com o monopólio empresarial, a verticalização, que permite ao sujeito ser dono do jornal, da revista, do rádio e da televisão. Tem que haver pluralidade.
TIB Mas quem faria isso? O Estado?
Requião A legislação. A Argentina aprovou uma lei interessante, que o Macri está destruindo. Os EUA têm uma lei interessante. Multiplicidade de opiniões é a essência da democracia, que é o regime que age pela vontade da maioria, mas preserva o direito das minorias de terem voz. E voz significa ter espaço na imprensa para o convencimento, para se transformar em maioria. Hoje, o poder econômico monopoliza a mídia. Aqui no Paraná, estou conversando com você, mas não dou entrevista a uma rádio, um jornal local.
TIB Qual o papel do MDB nesse futuro político que se avizinha? O senhor vê possibilidade de o MDB continuar a ter o comando do Executivo, ou o partido voltará mesmo pro seu papel tradicional?
Requião O MDB nacional não tem voto. Aqui no Paraná, estamos bem. Estou disparado nas pesquisas de opinião para qualquer candidatura a que me proponha É o meu MDB, desenvolvimentista, com sensibilidade social. Mas o nacional está mais arrasado que o PT.
[Requião lidera sondagens para o Senado, mas não para governador].
TIB Numa hipótese de Lula candidato e eleito, seria possível o MDB integrar o governo?
Requião Acho que tem que haver uma mudança pesada na estrutura do parlamento brasileiro, que hoje é despolitizado. Os parlamentares brasileiros são analfabetos políticos, na visão brechtiana. Querem manter o mandato. E, da mesma forma que apoiaram o PT num determinado momento, apóiam Temer, desde que tenham verbas para suas emendas.
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