O julgamento histórico de Lula, marcado para a próxima quarta, traz consigo um furacão de consequências políticas imprevisíveis, mas a possibilidade de uma delas promete abalar mais uma vez os alicerces da ordem jurídica. Se condenado, Lula deve ser preso após a decisão, da mesma forma que Eduardo Cunha e Leo Pinheiro foram? Ou deve ter o direito de responder em liberdade até que se esgotem todos os recursos em todos os tribunais?
Não é difícil entender por que a maioria da classe política não quer ver Lula atrás das grades. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o empreiteiro Leo Pinheiro (o mesmo que aparece em fotos com Lula no tríplex), atualmente presos, por exemplo, podem se beneficiar se o STF mudar a jurisprudência. E também os políticos que ainda não são investigados, mas já se imaginam como futuros réus – seja da Lava Jato, seja de outras operações – querem matar o mal pela raiz. A eles interessa que Lula vença essa batalha.
Dá pra imaginar que estejam pensando em salvar seus amigos ou a própria pele.
Hoje o entendimento do Supremo Tribunal Federal é de que não há necessidade de aguardar o fim do processo para que a pena de prisão seja cumprida. Na prática, réus condenados estão indo para a cadeia assim que os tribunais de segundo grau – como é o caso do TRF-4, que julgará Lula – confirmam suas condenações. Com a iminência de que Lula também seja preso, sob pressão popular, é possível que o STF mude o seu entendimento e impeça a “execução provisória” da pena.
Não por acaso, nos últimos meses os mais ferrenhos adversários de Lula têm dito que “preferem enfrentar o petista nas urnas”. Bolsonaro, Fernando Henrique Cardoso, Doria e até mesmo Temer já deram declarações nesse sentido. Dá pra imaginar que estejam pensando em salvar seus amigos ou a própria pele.
Os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e o mais detestado pelos militantes petistas, Gilmar Mendes, já demonstraram, em decisões anteriores, que vão adotar essa linha de raciocínio que beneficiaria o ex-presidente. Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Edson Fachin tendem a manter a posição atual – de acordo com a qual Lula vai para a cadeia caso sua condenação seja confirmada pelo TRF-4 após todos os recursos. O ministro Alexandre de Moraes, por enquanto, acompanha o entendimento atual do STF, que permite a prisão. O placar está bastante apertado.
Ministros em decisões monocráticas, ou seja, proferidas no silêncio de seus gabinetes, passaram a conceder habeas corpus que questionavam execuções antecipadas de prisão.
Aliás, antes mesmo que Lula fosse condenado pelo juiz Sérgio Moro em primeiro grau, já havia um burburinho nos corredores dos tribunais no sentido de que o Supremo Tribunal Federal – talvez para acomodar possíveis insurgências políticas e manter a ordem pública em caso de condenação do ex-presidente – viesse a mudar o entendimento sobre a possibilidade de cumprimento da pena antes do final do processo.
Ministros em decisões monocráticas, ou seja, proferidas no silêncio de seus gabinetes, passaram a conceder habeas corpus que questionavam execuções antecipadas de prisão. Alguns inclusive adotaram entendimento oposto ao que manifestaram anos antes. Gilmar Mendes e Dias Toffoli, ao julgar habeas corpus que discutiam justamente a possibilidade da prisão-pena antes do final do processo, eram a favor da cadeia. Agora, são contra. Nas decisões, por mais que haja fundamentação jurídica, o que se veem são apenas opiniões pessoais com muito confete. O Supremo passou três décadas falando que, de acordo com a Constituição, não podia prender. Depois, podia. Depois, não podia mais. A Constituição é a mesma, nada nela mudou. O que mudou foi a pressão popular e da imprensa para acabar com “o país da impunidade” a fórceps.
Toffoli tem defendido a ideia de que a execução da pena deveria aguardar ao menos a decisão do Superior Tribunal de Justiça. O STJ, juntamente com o STF, é um dos tribunais para o qual os advogados de Lula devem recorrer caso ele seja considerado culpado. Assim, só depois de esgotada a competência do STJ é que a pena poderia ser cumprida. Na prática, isso pode significar anos até que tenha início a execução criminal – e o caso pode, até mesmo, prescrever. Se isso ocorrer, pode haver um efeito cascata.
Os juízes de cortes inferiores não precisam seguir a decisão do STF sobre um possível “caso Lula”, mas há hoje no país um movimento bastante sólido e aceito no sentido de que as posições do Supremo devam ser seguidas no andar de baixo. E valeria pra tudo: de roubo a banco a assassinato.
Além de Lula, o STF também está sob julgamento: sua legitimidade, a forma de escolha de seus ministros, as nomeações por apadrinhamento e o momento crucial de suas carreiras, em que têm que julgar alguém que lhe seja politicamente simpático ou antipático. Por ironia, o tribunal que tem a última palavra sobre a Justiça também se encontra no banco dos réus. E não, a questão ainda não está posta.
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