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Presidente de associação que defende auxílio-moradia de Bretas é casado com juíza e também recebe

Para o juiz Fabrício Fernandes de Castro, categoria dos magistrados federais sofre perseguição: "Corporativismo é fantasia do imaginário popular".

Fabrício Fernandes de Castro, presidente da Associação de Juízes Federais do RJ e ES.

Dividindo os holofotes da Operação Lava Jato com o juiz de Curitiba Sérgio Moro, o titular da 7a Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, viu sua intocável imagem balançar perante a opinião pública nesta segunda. A Folha de S. Paulo mostrou que o magistrado recorreu à Justiça para que ele e a esposa, a juíza federal Simone Bretas, pudessem receber auxílio-moradia. Hoje, ambos, que moram sob o mesmo teto, ganham por mês R$ 4.377,73 cada um. 

A questão é polêmica e levanta a discussão sobre a fronteira entre o ilegal e o imoral. O benefício a casais de juízes contraria uma resolução do Conselho Nacional de Justiça, mas tem sido concedido com base em entendimento do STF.

Na própria segunda-feira, a Associação de Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo saiu em defesa de Bretas, com uma nota pública. The Intercept Brasil conversou com o presidente da entidade, Fabrício Fernandes de Castro, que afirma que a categoria sofre uma perseguição, principalmente pela atuação nos casos de corrupção.

Assim como Bretas, Fernandes de Castro conta na entrevista ser casado com uma juíza e que os dois recebem o auxílio. “O impressionante é que só nós, juízes federais, estamos sendo alvo dessa campanha. E não temos nada a esconder, tudo é muito transparente”.

Confira os principais trechos da entrevista:

THE INTERCEPT BRASIL Diante de um país que tem um déficit habitacional de mais de 6 milhões de casa, é possível defender o auxílio-moradia dos juízes?

FABRÍCIO FERNANDES DE CASTRO Em primeiro lugar, há a questão do orçamento público. Se é essa a justificativa contra os juízes federais, há uma série de revisões de salários em diversas carreiras do serviço público, com impacto muito maior nas contas públicas do que o pagamento de uma simples rubrica aos magistrados federais. Um exemplo evidente: a União recentemente abriu mão da receita dos honorários de sucumbência (passaram a ser pagos a procuradores e advogados da União) dos processos judiciais. Diversas outras carreiras tiveram reajustes, mas a magistratura, em especial a federal, já vem há vários anos sendo prejudicada pelo fato de que não há revisão dos subsídios. Já contabilizamos uma perda de 50%.

TIB Mas é justo o auxílio-moradia para os juízes?

FERNANDES DE CASTRO Nós estamos aqui sofrendo há vários anos com essa justificativa, sem correspondência na realidade, de que o impacto nas contas públicas é muito grande por causa de nós, juízes federais. Na verdade, são apenas 2 mil juízes federais no Brasil inteiro, é um número bastante pequeno. Só que aí juntam na conta defensores, Ministério Público… Porque muitos aí estão com esse gatilho vinculado à nossa conta que não faz o menor sentido.

Falando especificamente sobre a ajuda de custo para a moradia, que é o nome correto, por que existe para a carreira da magistratura? A Constituição exige especificamente dos juízes, também do Ministério Público, que eles residam na sede. Isso foi estabelecido em favor da Administração Pública, para que ele esteja disponível para a população 24 horas por dia, que é o que acontece. E a Lei Orgânica da Magistratura determina que, onde não houver disponível imóvel oficial, o juiz tem direito a indenização.

Ele (juiz) pode ter comprado um imóvel quando chegou, ter vendido antes… O fato de ter ou não ter, a lei simplesmente não fala sobre isso.

TIB Mas e quem já tem um imóvel próprio na cidade? Ainda assim é justo receber o benefício?

FERNANDES DE CASTRO Independente de ter ou não, a lei diz que onde não houver imóvel oficial disponível, ele faz jus à indenização. Ele (juiz) pode ter comprado um imóvel quando chegou, ter vendido antes… O fato de ter ou não ter, a lei simplesmente não fala sobre isso.

A lei existe desde 1973 e jamais havia sido aplicada para os juízes federais. Os ministros do STF e do STJ já tinham esse direito, os estaduais em várias unidades da federação também recebiam e isso jamais foi questionado…

TIB O senhor acha então que existe uma perseguição aos juízes federais?

FERNANDES DE CASTRO Há cerca de dois anos, os juízes federais começaram a ser pagos — justamente, já que a lei permite de forma clara. Era um direito sonegado. O Supremo Tribunal Federal mandou que se pagasse, que se cumprisse a lei. Isso aconteceu no meio de um contexto de um trabalho contra a corrupção pelos juízes federais, que é reconhecido internacionalmente. Isso gerou uma campanha direcionada contra os juízes federais, que estão sem reajuste há mais de cinco anos.

Qual é o motivo de se escolher aquele juiz específico (Bretas), de escolhê-lo para a “manchete” daquela reportagem?

TIB O que seria exatamente essa campanha direcionada contra os juízes?

FERNANDES DE CASTRO Vejo isso de forma muito clara. Ontem [segunda], isso ficou ainda mais evidente quando um determinado jornal publicou essa questão da ajuda de custo para a moradia citando especificamente o juiz Marcelo Bretas [da 7a Vara Federal Criminal do Rio] e a esposa dele, que também é juíza federal, Simone Bretas. Quer dizer, qual é o motivo de se escolher aquele juiz específico (Bretas), de escolhê-lo para a “manchete” daquela reportagem? Não vejo qualquer sentido lógico, já que todos os juízes estão na mesma situação. Eu mesmo sou casado com uma juíza federal e estou na mesma situação.

TIB O caso do senhor então é semelhante ao do juiz Marcelo Bretas?

FERNANDES DE CASTRO Sim, sim, semelhante… Eu e vários outros colegas estamos na mesma situação. O impressionante é que só nós, juízes federais, estamos sendo alvo dessa campanha. E não temos nada a esconder, tudo é muito transparente.     

TIB Há uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que proíbe que o benefício seja acumulado por casais porque, em geral, eles moram numa mesma casa. Como o senhor vê essa resolução?

FERNANDES DE CASTRO Encaramos sob a ótica da hierarquia das normas. Houve uma decisão do STF, que não fez essa restrição. Não há isso. Nem na lei. O Conselho ultrapassou seu poder regulamentar ao criar uma restrição que a lei não cria. A percepção a respeito do auxílio é do próprio magistrado, não importa se ele é solteiro, se é casado, se mora sozinho, em grupo… Não existe essa restrição.

Ele (juiz) não vai poder dar uma “carteirada” e resolver o problema dele.

TIB As decisões que têm proporcionado o pagamento dos auxílios a magistrados têm saído de instâncias inferiores da Justiça. Para a população, não pode soar mal juízes concedendo benefícios a juízes, a seus colegas?

FERNANDES DE CASTRO Por incrível que pareça, um juiz é muito mais rigoroso quando ele julga o processo de um colega do que quando ele julga o de um cidadão comum. Já vi isso acontecer muitas vezes. Se fosse feito um levantamento acredito que vocês teriam uma surpresa da quantidade de ações que, mesmo ajuizadas por juízes, são julgadas improcedentes. Não existe aqui dentro esse tipo de corporativismo, é uma fantasia do imaginário popular. Aqui, nós somos muito zelosos e críticos com isso. Mas o juiz é um cidadão: quando ele sente um direito violado, ele não pode fazer a Justiça com as próprias mãos. Ele (juiz) não vai poder dar uma “carteirada” e resolver o problema dele. Ele vai se socorrer da própria Justiça, como qualquer cidadão.

https://twitter.com/mcbretas/status/957951487778459648

TIB Muito se fala sobre o excesso de exposição de alguns juízes, que se tornam “super-heróis” da sociedade. O próprio Marcelo Bretas tem uma conta bastante ativa no Twitter. O que o senhor pensa disso? 

FERNANDES DE CASTRO É importante que o juiz se comunique com a população, que as pessoas sintam ter acesso aos magistrados. A Justiça Federal é o ramo mais eficiente da Justiça no país, talvez até do mundo, não só no combate à corrupção, mas nas questões fiscais. O que traz para os cofres públicos supera mais de cinco vezes seu próprio orçamento. Realmente, essa perseguição que nós estamos sofrendo não pode vir de fonte de boa intenção, de boa índole.

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