A woman stands next to an image of Brazilian judge Sergio Moro during a protest against suspended president Dilma Rousseff in Sao Paulo, on July 31, 2016.Protesters took to the streets of Brazil on Sunday to demand the final leaving of suspended President Dilma Rousseff or to defend her continuance, just five days before the start of the Rio 2016 Olympic Games. / AFP / NELSON ALMEIDA (Photo credit should read NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

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Sérgio Moro deveria se candidatar à Presidência pelo bem da democracia

O juiz Sérgio Moro é o candidato perfeito, já que conquistou a admiração de milhões de brasileiros.

A woman stands next to an image of Brazilian judge Sergio Moro during a protest against suspended president Dilma Rousseff in Sao Paulo, on July 31, 2016.Protesters took to the streets of Brazil on Sunday to demand the final leaving of suspended President Dilma Rousseff or to defend her continuance, just five days before the start of the Rio 2016 Olympic Games. / AFP / NELSON ALMEIDA (Photo credit should read NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images)

Como aprendem os escribas, inclusive os dedicados somente às cartas de amor, o emprego de ironia costuma ser expediente de risco. Sem a voz para evidenciar o tempero irônico, é comum a mensagem ser lida ao pé da letra. Em 2016, gracejei no Twitter: “Ao golear o Haiti por 7 a 1, a seleção brasileira calou os críticos do 7 a 1 da Alemanha”. Nunca apanhei tanto, pois o pessoal interpretou como pitaco sério o que não passava de chiste. Ignoro o que é pior: ser espinafrado pelo que não disse – ou não quis dizer – ou descobrir que muita gente me supõe capaz de devanear tamanha sandice.

Para prevenir mal-entendidos, no jornalismo recomenda-se parcimônia em tiradas irônicas – na minha opinião, virtualmente interditadas nos gêneros notícia e reportagem. A não ser que se adote um recurso insultuoso aos interlocutores capazes de compreender recados maliciosos: o aviso escancarado “contém ironia” ou o mais viçoso “SQN” (“só que não”). Proclamar o propósito irônico é rebaixar o outro a parvo.

O circunlóquio acima destina-se a enfatizar não uma ironia, o que constituiria ofensa à inteligência, mas a ausência dela. Eu considero mesmo que a candidatura do juiz federal Sérgio Fernando Moro à Presidência da República seria um serviço à democracia.

O calendário não é empecilho: para concorrer em outubro, o magistrado poderia se filiar a partido político até abril.

Ele não careceria de eleitores: pesquisa Datafolha do finzinho de setembro estabeleceu Moro como o único antagonista, num segundo turno renhido, que lograria empatar com o agora possivelmente inelegível Luiz Inácio Lula da Silva (no Datafolha divulgado nesta quarta, o nome de Moro não foi submetido aos entrevistados).

Igualados pela margem de erro, o ex-presidente recolheria 44%, e o juiz, 42% dos sufrágios. Lula bateria Geraldo Alckmin, João Doria, Marina Silva e Jair Bolsonaro. O levantamento é de antes da condenação do petista a doze anos e um mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. E de depois da sentença de primeiro grau em que Moro condenou Lula pelos dois crimes.

O titular da 13ª Vara Federal de Curitiba ofereceria perspectiva de triunfo ao imenso eleitorado que, determinado a derrotar Lula, rejeita Bolsonaro como extremista. Ou não reconhece o viúvo mais choroso da ditadura como contendor capaz de sobrepujar o antigo metalúrgico (a confiar no Datafolha, Lula superaria o capitão hoje por 49% a 32%).

Com a foto de Moro na urna, o empresariado graúdo encerraria a procura por um candidato dito de centro com envergadura política para confrontar Lula ou alguém abençoado pelo ex-presidente.

A prioridade desses eleitores é vencer Lula ou, na hipótese da manutenção de seu impedimento legal, um apadrinhado. Moro aparenta mais vigor para o desafio do que o deputado Bolsonaro, que no passado pregou o fechamento do Congresso.

O juiz seria uma opção mais competitiva para os brasileiros que apoiaram – e ainda apoiam – postulantes do PSDB, a agremiação que conquistou duas vezes o Planalto, nos pleitos de 1994 e 1998 (com FHC), e amargou vices em 2002 (José Serra), 2006 (Geraldo Alckmin), 2010 (Serra) e 2014 (Aécio Neves). No Datafolha recém-saído do forno, Lula atropela Alckmin com 19 pontos de distância, 49% a 30%. Nem os aduladores cogitam Aécio e Serra presidenciáveis.

Com a foto de Moro na urna, o empresariado graúdo encerraria a procura por um candidato dito de centro com envergadura política para confrontar Lula ou alguém abençoado pelo ex-presidente. Ganharia uma voz possante para propagandear as reformas patrocinadas por Michel Temer. A rigor, o magistrado das camisas pretas seria um concorrente de centro-direita, mais conservador do que Fernando Henrique em suas bem-sucedidas campanhas.

Não reside, porém, no placar eleitoral, com êxito ou revés, a contribuição cívica que Sérgio Moro daria ao país disputando o Planalto – o juiz tem reiterado que descarta a candidatura. E sim na explicitação de sua aparente condição de adversário de Lula, percebida – com ou sem razão – por vastidões de cidadãos que pouco ou nada entendem das leis e seus códigos, mas sabem o que são justiça e injustiça.

No tempo em que Dilma periclitava na Presidência, às vésperas do impeachment, ela nomeou Lula como ministro da Casa Civil. Em reação à iniciativa, Moro proporcionou a divulgação de conversa telefônica interceptada, no instante em que foi gravada, sem autorização judicial.

O Supremo Tribunal Federal vetou Lula no Ministério, selando o infortúnio da presidente. O mesmo tribunal chancelaria, em situação semelhante, a promoção de Moreira Franco a ministro de Temer, assegurando ao ex-governador do Rio de Janeiro o foro especial que privilegia os réus com morosidade generosa.

Moro ordenou a condução coercitiva de Lula para depor à Polícia Federal. O petista, nas convocações anteriores, apresentara-se por vontade própria. Não foram poucos os que identificaram no procedimento judicial o intuito de humilhação.

Moro, responsável pela sentença em primeiro grau, não se sentiu desconfortável ao palestrar, semanas antes, em evento promovido por uma das partes, a Petrobras.

Quando multidões tomaram as ruas avacalhando Lula e aclamando Moro, o juiz emitiu nota de agradecimento pelo apoio. Até outro dia, saudação a manifestantes parecia mais apropriada a ativistas políticos do que a magistrados. Estes deveriam se preservar acima das partes em conflito – assombra que ainda tenha sentido enunciar tal obviedade.

No julgamento no TRF-4, pronunciou-se na tribuna um assistente de acusação, em nome da Petrobras. Associava-se, portanto, ao Ministério Público Federal, que batalhava pela condenação de Lula. Portanto, MPF mais Petrobras, coautores da ação, versus o réu Lula (sem falar nos demais acusados). Moro, responsável pela sentença em primeiro grau, não se sentiu desconfortável ao palestrar, semanas antes, em evento promovido por uma das partes, a Petrobras.

Assim como se mostrou cômodo confraternizando com Aécio Neves em convescote público. É verdade que os rolos do senador derrotado por Dilma em 2014 não correm na jurisdição de Moro. Mas a camaradagem do principal juiz da Lava Jato com um contumaz investigado da Lava Jato soa, cedendo ao eufemismo, excêntrica.

“Quem responde por crime tem que ter participado dele. E, para ter participado, alguma coisa errada ele fez.”

A candidatura presidencial de Moro poderia encarnar o ideário de parcelas do Judiciário. No tribunal de Porto Alegre, os três juízes federais esbanjaram elogios ao magistrado de Curitiba (a Constituição denomina “juízes” de Tribunais Regionais Federais; “desembargadores” integram, estipula a Carta, os Tribunais de Justiça dos Estados).

Ao endossar a condenação decidida por Moro e aumentar a pena de Lula, o juiz Victor Laus pontificou: “Quem responde por crime tem que ter participado dele. E, para ter participado, alguma coisa errada ele fez”.

E o princípio constitucional da presunção de inocência (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”)?

O “Houaiss” ensina que “responder”, na acepção jurídica do verbete, significa “oferecer resposta, contestação, defender-se em juízo”. Se um réu responde em juízo, “tem que ter participado” de crime? Em caso de resposta afirmativa, inexistiriam inocentes.

O juiz Ricardo Leite, que na semana passada mandou apreender o passaporte de Lula, anotou que aliados do ex-presidente buscariam a “politização de processos judiciais”. Quando as partes politizam, lamenta-se, mas se entende o objetivo: influenciar a decisão da Justiça. E quando magistrados politizam? O juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato, critica em rede social, e não nos autos, correligionários de Lula.

Presidente do TRF-4, o juiz Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz qualificou de “irretocável” a sentença de Moro no processo do triplex do Guarujá. Mais tarde, reconheceu que não tivera acesso às provas, ao processo.

A politização judicial se combina com a judicialização da política, assim parece. Bem fez o ministro Joaquim Barbosa. Aposentou-se do STF para só mais à frente ensaiar o ingresso na arena política partidária.

O incômodo com o ativismo político judicial não coincide necessariamente com a convicção de inocência de Lula nos numerosos processos em que foi denunciado. É possível que o petista seja culpado, ao menos em parte, das acusações. Para isso, provas são imprescindíveis, para além de malabarismos retóricos e opiniões pré-concebidas.

No processo do triplex, não tive a impressão de existirem provas. Li e reli a sentença de Moro e assisti à sessão fatal do TRF-4, ouvindo os argumentos de promotores, advogados e juízes. Não encontrei menção a prova convincente – indício é outra coisa – de propriedade do triplex, de ato de Lula em troca da alegada propina. Ao contrário dos claros indícios e evidências de promiscuidade do ex-presidente com a construtora OAS, detentora de contratos com a União. Promiscuidade pode resultar em crime. Nem sempre resulta. Pode ter havido crime? Pode, mas não foi provado.

O acórdão do TRF-4 deve impedir Lula, o favorito à Presidência, de se submeter ao voto popular. E ameaça levá-lo à prisão.

O episódio evoca um affaire de mais de meio século. O ex-presidente Juscelino Kubitschek morava num apartamento novo construído por empreiteira que tocara uma obra concedida por seu governo. JK visitara o imóvel durante a construção, sua esposa Sarah Kubitschek pediu alterações no projeto arquitetônico, e um mestre de obras foi afastado devido a broncas dela.

O apartamento diante do mar de Ipanema estava registrado em nome do banqueiro Sebastião Pais de Almeida, que havia sido ministro de Juscelino. A ditadura parida em 1964 e seus arautos na imprensa alardearam que JK seria o dono oculto do apê. A história demonstrou que não, consagrando a versão do ex-presidente. A relação revelou-se imprópria, porque promíscua (de governante com empresa contratada pelo governo). Mas não criminosa.

A roubalheira na Petrobras e outras farras que o PT herdou de governos passados e manteve com apetite são outros quinhentos. Provas inequívocas se acumularam. O partido se lambuzou, na definição do prócer petista Jacques Wagner, escolhendo um verbo indulgente. Se Lula chefiou ou participou dos esquemas de corrupção, é algo a provar, se prova houver, acima de dúvida razoável. Isso num Estado que se pretenda democrático e de Direito.

Para que a Justiça não apenas seja (em tese) justa, mas igualmente pareça justa, seria aconselhável que os magistrados se contivessem, na conflagração política que sacode o Brasil de 2018.

E que Sérgio Moro trocasse a toga pela candidatura a presidente. Teria o respaldo dos milhões de brasileiros que simpatizam com ele ou o idolatram. Os milhões que dele divergem ou desconfiam não poderiam mais, então, queixar-se de que o juiz faz política na tribuna errada.

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Esta é a minha primeira coluna no The Intercept Brasil. Sinto-me honrado com o convite. Escreverei semanalmente. Quem sou eu? Um jornalista para quem o melhor da vida são afeto, arte e futebol.

Até a semana que vem!

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