Quando a seleção tomou de 7 da Alemanha, Luciano Huck disse que o país passava pelo seu “11 de setembro”. Quando decidiu abandonar o sonho de ser presidente da República, um amigo disse que Huck estava triste “como quem interrompe uma gravidez”. Tudo parece ser grandioso na vida de Luciano. “Vou ali chorar um pouquinho e já volto”, disse para amigos. Depois de muito ensaio e indecisão, parece que o apresentador desistiu mesmo desse projeto pessoal amalucado que importantes setores da política e do empresariado tinham comprado.
Segundo a colunista Mônica Bergamo, a pressão da TV Globo para uma decisão final foi o principal motivo. Ele e Angélica perderiam os programas na emissora, o que é uma tremenda bobagem. Essa foi a mesma razão ventilada há meses, quando Huck anunciou a primeira desistência. Abandonar os programas seria óbvio para o casal que pretendia subir a rampa do Planalto. Os motivos foram outros.
No dia 8, Huck foi receber a benção de FHC, que o incentivou a disputar a eleição. Naquele momento sua candidatura parecia estar próxima de se consolidar. No dia 10, o jornalista Fernando Britto do blog Tijolaço revelou uma informação que colocou sua couraça à prova: o apresentador comprou o avião que usa duas vezes por semana para trabalhar na Globo com milhões emprestados do BNDES com juros subsidiados. Estado mínimo, meu jatinho primeiro!
É curioso lembrar que, nas últimas eleições, uma das promessas de Aécio era acabar com o “bolsa empresário” do governo Dilma, na qual ironicamente um dos seus principais cabo-eleitorais estava mamando.
Assim como Doria – outro ricaço que posa de outsider puritano – Huck não viu problema em tomar esse dinheiro do povo para bancar um luxo pessoal. Como também não havia visto problema em pegar emprestadas as aeronaves do estado de Minas Gerais, então governado pelo seu chapa Aécio, para se deslocar pelo interior com Sandy e Junior a bordo para gravar um quadro para o Caldeirão do Huck. Depois que Aécio rodou de azul e amarelo na Lava Jato, o apresentador se disse decepcionado com o amigo. Uma decepção que não teve quando viajou de graça às custas do contribuinte mineiro.
Um estudo da FGV mostrou que a repercussão negativa da notícia foi enorme nas redes sociais, mesmo com a Globo fingindo que ela nunca existiu. Isso provavelmente influenciou em sua decisão. O nome de Huck foi colocado no centro do ringue assim que sua candidatura se aproximou de se concretizar. E não resistiu às primeiras pancadas. O empréstimo do BNDES foi só uma amostra do que estaria por vir e talvez fosse o menor dos esqueletos do seu armário.
Há uma infinidade de conexões suspeitas de Huck que fatalmente seriam exploradas por seus adversários. Seus melhores amigos na política e no empresariado são Aécio Neves e Alexandre Accioly, ambos bastante enrolados com a Lava Jato. O apresentador é sócio de Accioly em diversos empreendimentos, como na rede de academias Bodytech. Accioly, que é padrinho de um dos filhos de Aécio, é acusado de ter recebido propinas da Odebrecht endereçadas a Aécio em uma conta sua no exterior. A relação de Huck com os dois vem de longa data e nunca foi superficial.
Outro esqueletinho que não passaria incólume pelo escrutínio público é a condenação por uma ação ilegal em Angra dos Reis. O apresentador cercou com bóias um pedaço do mar em frente à sua mansão em uma ilha da região, privatizando um pedacinho do mar para o desfrute exclusivo da sua família. O assunto é antigo, mas ainda pouco conhecido pelo eleitorado e seria ressuscitado com força na campanha, fazendo com que Huck tivesse que explicar essa confusão entre público e privado. Esse clássico da velha politicagem não cairia bem para um mocinho que pretende renovar a política.
Não é a primeira vez que Huck usou dinheiro público para patrocinar seus empreendimentos. Além dos R$17,7 milhões tomados do BNDES para financiar suas viagens aéreas de luxo, ele também captou pela Lei Rouanet R$19,5 milhões para financiar o Instituto Criar, que até onde se sabe trata-se de um projeto sério, mas que talvez Huck não teria feito sem ajuda do governo. A construção da imagem de bom samaritano do ex-futuro-candidato também teve um empurrãozinho das renúncias fiscais.
Mas há vários outros casos no mínimo polêmicos que rondam sua biografia. O caso Peixe Urbano, a sociedade com a Reserva, a pousada em Fernando de Noronha em sociedade com os filhos de Abílio Diniz, enfim, o armário seria revirado e mesmo fatos aparentemente irrelevantes ganhariam outra dimensão sob a perspectiva eleitoral.
Sair do conforto dos holofotes globais para entrar na guerra política, em seu momento mais pesado, não seria nada fácil, mesmo com a proteção da Globo. Huck se apresentaria como o messias que largou a vida de milionário para salvar a nação das garras da podridão política. Essa capa messiânica não resistiria aos questionamentos durante a campanha sobre seus negócios, sócios e aliados políticos históricos.
Apesar de negar ser candidato enquanto articulava sua candidatura, seguindo o script de todo bom e velho político. O apresentador estava mesmo sonhando com a presidência. Segundo interlocutores próximos, acreditava que teria força política para aprovar reformas em 100 dias de governo, fácil assim, como se fosse uma reforma de casa feita pelo Caldeirão. Um cálculo feito ignorando como será a configuração partidária do Congresso. O que vale são a boa vontade e o desejo de renovar a política, não é mesmo?
A renúncia de Huck à candidatura, que imagino agora ser definitiva, é a melhor notícia desse começo de ano. Só o fato de se cogitar seu nome, com forte apoio do PPS e de FHC, já foi vergonhoso para o país. Já temos muitos embustes eleitorais, muito menos um gerado nos estúdios da Globo. A má notícia é que ele continuará com seus programas que faturam milhões em troca da exploração da miséria alheia na TV, mas com isso já estamos acostumados.
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