A tortura conduz ao terrorismo? Será que décadas de abusos contra prisioneiros políticos em países de maioria muçulmana – ou em prisões secretas da CIA e centros de detenção dos EUA no Iraque e em Guantánamo – alimentaram a radicalização e o extremismo? Ou será mera coincidência o fato de que alguns dos maiores líderes do movimento jihadista – como o ideólogo da Irmandade Muçulmana, Sayyid Qutb; o chefe da Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri; e o fundador da Al Qaeda no Iraque, Abu Musab al-Zarqawi – terem sido vítimas de torturas brutais?
Lawrence Wright, um dos maiores estudiosos sobre a Al Qaeda no mundo e autor do livro “O Vulto das Torres”, acha que não se trata de simples coincidência. Segundo ele, a tortura sofrida pelos fundadores da Al Qaeda e outros terroristas “foi o que deu a eles uma fome de vingança. E aquela sanguinolência tão característica da Al Qaeda (…), a meu ver, nasceu da humilhação que aqueles homens sofreram nas prisões egípcias”.
Como demonstro neste novo episódio da minha série de seis curtas-metragens sobre os efeitos indesejados da política externa americana, a tortura também é um instrumento de recrutamento para grupos terroristas. Eles se apresentam como uma válvula de escape para a fúria e a revolta de jovens humilhados, e usam a tortura em sua guerra de propaganda contra os donos do poder. Por exemplo, Cherif Kouachi, um dos dois irmãos que perpetraram o terrível ataque contra os jornalistas do Charlie Hebdo em Paris, em 2015, afirmou: “Tudo o que eu via na televisão, a tortura na prisão de Abu Ghraib, tudo aquilo me motivou.”
E não foi apenas Kouachi. Uma circular do Departamento de Estado dos EUA, vazada pelo WikiLeaks em 2009, afirma que, “depois da publicação das primeiras fotos de Abu Ghraib, as autoridades sauditas prenderam 250 pessoas que tentavam sair da Arábia Saudita para se juntar a grupos extremistas no Afeganistão”.
De Abu Ghraib, no Iraque, a Guantánamo, em Cuba, os EUA praticaram – e ainda podem estar praticando – abusos brutais contra suspeitos de terrorismo – uma violência que, em muitos casos, pode ter levado esses detentos a se radicalizarem. O general David Petraeus, ex-comandante do Comando Central das Forças Armadas dos EUA e ex-diretor da CIA, afirmou, em entrevista a uma TV americana, em 2010: “Sempre que adotamos certas medidas, digamos, mais drásticas, elas acabam se voltando contra nós. (…) Abu Ghraib e outros casos parecidos não são ‘biodegradáveis’. Eles nunca desaparecem. E são usados continuamente pelo inimigo para nos atacar.”
Mas será que alguém no governo Trump dá ouvidos a essas advertências? Será que esse governo está destinado a repetir os mesmos erros – e crimes – da era George W. Bush? Durante a campanha à presidência, Donald Trump deixou claro que era partidário da tortura e que não via nenhum obstáculo legal ou ético para a prática do afogamento simulado e de outros suplícios. Depois de eleito, porém, ele afirmou que o novo secretário de Defesa de seu governo, o general James Mattis, o havia dissuadido de adotar tais práticas. Apesar disso, durante o discurso do “Estado da União”, em janeiro, Trump arrancou aplausos dos deputados republicanos na plateia ao anunciar que havia acabado de “assinar uma ordem para que o secretário Mattis reavalie nossa política de detenção militar e mantenha abertas as nossas instalações na Baía de Guantánamo”.
Então Gitmo (apelido da prisão americana em Cuba) vai continuar aberta – mesmo com todos os casos de tortura e abuso que pesam sobre ela. Talvez o presidente devesse ter uma conversinha com o ex-oficial da Força Aérea dos EUA Matthew Alexander, que chefiou uma equipe de interrogatório no Iraque e escreveu o livro “How to Break a Terrorist” (“Como Fazer Um Terrorista Falar”, em tradução livre). “Quanto mais tempo ela ficar em funcionamento, mais americanos perderão a vida”, escreveu Alexander em 2012, referindo-se à prisão de Guantánamo.
No próximo episódio: como Israel ajudou a criar o Hamas.
Tradução: Bernardo Tonasse
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