O governo federal e o Congresso podem acelerar uma fila silenciosa que afeta diretamente a saúde: o processo de liberação de agrotóxicos. A bancada ruralista tem como prioridade a votação de um Projeto de Lei que acaba com o poder de veto de órgãos técnicos como a Anvisa e o Ibama na aprovação dos componentes químicos. Uma comissão com nomes indicados politicamente passaria a dar as cartas. Em paralelo, o Ministério da Agricultura já implementa um projeto de informatização da análise dos produtos. Ele pode reduzir o tempo de tramitação dos atuais quatro a cinco anos para dois.
Essa pode ser uma combinação explosiva, levando-se em conta o que está nessa fila. Uma pesquisa realizada pelo Observatório da Indústria de Agrotóxicos da Universidade Federal do Paraná identificou que, em 2014, cerca de 20% dos produtos que esperavam por autorização tinham substâncias cancerígenas ou com potencial de para serem banidas em outros países. Segundo o professor Victor Pelaez, titular do levantamento, apressar a análise é uma medida necessária, mas é preciso garantias de que a saúde pública esteja em primeiro lugar, e não os interesses comerciais das empresas. O sistema informatizado está no primeiro objetivo, o que não é o caso da perda de poder de órgãos científicos.
A pesquisa analisou 1.486 produtos que estavam à espera de liberação pelo governo em junho de 2014. Desses, cerca de 300 tinham substâncias que “constam das listas com potencial de banimento no mercado da União Europeia” por serem consideradas como potencialmente cancerígenas ou causadoras de más formações congênitas e outros danos à saúde. Atualmente, a fila continua do mesmo tamanho: hoje são cerca de 1.500 produtos à espera de liberação. Outros 1.600 foram autorizados desde 2005.
O professor Pelaez cita o caso do Paraquat como um dos herbicídas danosos à saúde usado quase que exclusivamente no Brasil. De 2005 para cá, dezenas de defensivos que têm essa substância na base foram liberados, de acordo com documentos obtidos por The Intercept Brasil.
No Ministério da Agricultura, além de melhorias no sistema de informática, técnicos da Embrapa foram convocados para apressar o registro dos venenos usados para matar pragas. As mudanças são um “projeto prioritário” para o ministro Blairo Maggi. No entanto, essa medida isolada tem impacto limitado. No Brasil, atualmente, um agrotóxico só é liberado depois da análise do próprio ministério, da Anvisa e do Ibama. Se um deles rejeitar a proposta, o veneno não é autorizado.
Riscos “aceitáveis”
E é aí que entra o Congresso. Desde 1999, um conjunto de 18 projetos de lei está em análise para mudar a forma como são aprovados os defensivos agrícolas. Hoje, eles estão em uma comissão especial na Câmara à espera de audiências públicas e de um parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR). Uma das principais mudanças é tirar a autorização de agrotóxicos do trio Anvisa-Ibama-Ministério da Agricultura. Nessa nova formação, a Anvisa e o Ibama não teriam mais poder de veto.
O projeto proíbe ainda a liberação de um veneno com “riscos inaceitáveis” de causar câncer, má formação fetal, distúrbios hormonais e danos ao meio ambiente. Ou seja, estaria aberta a possibilidade de estarem autorizados os defensivos com riscos “aceitáveis”, avalia documento da Campanha Nacional contra os Agrotóxicos, um conglomerado de ONGs e instituições de ensino nas áreas ambiental e de saúde pública.
Pelo texto que tramita na Casa, seria criada uma estrutura que, para três especialistas ouvidos pela reportagem, reduz o peso das questões de saúde na autorização dos produtos. A Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários seria escolhida pelo ministro da Agricultura – atualmente o ruralista Blairo Maggi – e funcionaria dentro da pasta, justamente para tornar o processo mais rápido.
Ao todo seriam 23 especialistas. Desses, um grupo de 15 deve incluir pelo menos “três da área de controle ambiental e três de saúde humana e toxicologia”, segundo o texto. Eles deverão ser indicados por instituições e associações científicas, mas a decisão será do ministro.
Também deverá haver cinco representantes de ministérios. Além de Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, haveria também Ciência e Tecnologia e de Indústria e Comércio, que hoje não participam do processo. O grupo ainda deverá ter um representante de órgão ligado à saúde do trabalhador, um dos produtores rurais e um dos fabricantes de agrotóxicos.
A professora da Fiocruz Karen Fredrich critica a mudança:
“O órgão da Agricultura tem muita competência para avaliar a questão econômica e a Anvisa já acumula uma expertise para a avaliar os impactos à saúde, de diversos produtos, incluindo os agrotóxicos”.
O secretário de defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luís Eduardo Pacifici Rangel, afirma que a pasta vê a comissão com bons olhos. Para ele, isso apressaria a análise das propostas sem ferir as garantias de proteção à saúde e ao meio ambiente. No entanto, até o ministério tem certas reservas em relação ao formato da composição da comissão:
“Diminuir a participação dos órgãos de saúde e meio ambiente no processo de avaliação é polêmico, porque houve nos últimos 20 anos uma distribuição de agendas aqui dentro que trouxeram um certo equilíbrio para a percepção de risco da sociedade com relação a esses defensivos”, afirmou ele. “Desequilibrar isso pode criar um risco.”
O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal (Sindiveg), que representa 36 fabricantes de agrotóxicos no país defende apressar o tempo de análise dos defensivos, mas também é contra a comissão.
“O sindicato apoia a manutenção da estrutura atual, em que o Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama registram defensivos agrícolas analisando eficiência agronômica, toxicologia e meio ambiente, respectivamente”, explicou a entidade, por meio de sua assessoria de imprensa.
Paralelamente, uma proposta reduzir o consumo de defensivos agrícolas está parada no Congresso. O projeto foi apresentado em 2016 e incentiva técnicas de manejo alternativas, como a agroecologia e a produção orgânica, e a redução do uso dos agrotóxicos.
A bancada ruralista quer a aprovação da proposta. O deputado Luiz Nishimori deve apresentar seu relatório depois que forem realizadas audiências públicas solicitadas por deputados ruralistas e da oposição na comissão. O parlamentar não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Nishimori foi eleito em 2014 com ajuda de uma doação eleitoral de R$ 245 mil da Construtora Andrade Gutierrez, alvo da Operação Lava Jato, e que foi multada pelo Ibama, de acordo com o site Ruralômetro, que acompanha a bancada do agronegócio no Congresso. O valor representou 10% dos recursos obtidos pelo parlamentar naquela disputa. Ele votou favoravelmente à Medida Provisória da Grilagem, que “facilitou a regularização de terras ocupadas”. Uma emenda aprovada por Nishimori ampliou o desconto para produtores endividados no crédito rural.
Paralelamente, uma proposta reduzir o consumo de defensivos agrícolas está parada no Congresso. O projeto foi apresentado em 2016 e incentiva técnicas de manejo alternativas, como a agroecologia e a produção orgânica, e a redução do uso dos agrotóxicos.
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