Costumo dizer que é difícil compreender a gravidade e a importância de um momento histórico enquanto você está vivendo ele. E estamos agora diante de um momento que preciso que vocês entendam.
Na quarta-feira, em pleno Rio de Janeiro, uma importante líder de direitos civis foi morta por tiros que partiram de um carro. Seu nome era Marielle Franco. Como eu, ela tinha apenas 38 anos de idade.
Ainda não sabemos quem assassinou Marielle e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, embora haja indícios preliminares de que a polícia pode estar envolvida. Foi informado que investigadores teriam concluído que as cápsulas de munição encontradas na cena do crime haviam sido compradas pela Polícia Federal em 2006. Cartuchos do mesmo lote foram usados em uma série de ataques brutais que deixaram pelo menos 17 mortos e sete feridos em uma noite de 2015, em São Paulo. Dois policiais e um guarda municipal foram condenados pela chacina.
Marielle Franco ameaçava um preocupante status quo no Brasil.
O que sabemos é que Marielle ameaçava um preocupante status quo no Brasil.
Nos Estados Unidos, cerca de 1.200 pessoas foram mortas por policiais em 2017. Essas mortes frequentemente destroem famílias, e mesmo os agentes envolvidos nos casos mais ultrajantes raramente são responsabilizados. Na maior parte das nações parceiras dos EUA, como o Canadá, a polícia mata em média 95% menos. Os policiais norte-americanos matam mais pessoas em poucos dias do que a polícia de vários países mata em um ano.
Foi a crise de brutalidade policial nos EUA, mais do que qualquer outro fator, que desencadeou o movimento Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”).
Mas vocês sabiam que o Brasil é provavelmente o grande campeão do mundo em violência policial? Embora tenha 120 milhões de habitantes a menos que os EUA, um assustador número de 4.224 brasileiros morreram nas mãos da polícia em 2016. Esse número representa um aumento de 26% em relação ao ano anterior.
Isso é uma crise internacional de direitos humanos. É um escândalo.
E o lugar que sofreu com maior intensidade a violência policial foi o Estado do Rio de Janeiro, onde a polícia assassinou mais de 1.124 pessoas em 2017 – uma disparada de 22% em relação ao ano anterior. Além de tudo isso, há uma intervenção militar em curso no Rio. Quer saber de polícia militarizada? As Forças Armadas literalmente assumiram o controle do aparato estatal de segurança.
Marielle Franco, líder brilhante com um coração enorme, era uma figura central no movimento contra a violência policial no Brasil. Esse movimento se equipara para todos os fins ao Black Lives Matter – sem esse nome, mas com indiscutíveis semelhanças. E é por isso que dezenas de milhares de pessoas foram às ruas para protestar e chorar sua morte.
Ela era uma mulher negra e queer lutando não apenas contra a violência policial, mas por uma igualdade mais ampla e pelo empoderamento das mulheres e das pessoas negras em todo o Brasil. Ela estava exatamente saindo de um evento voltado para o empoderamento das mulheres negras no Centro do Rio quando um carro parou ao lado do dela e alguém atirou quatro vezes em sua cabeça.
Seu carro não foi roubado. Não levaram sua bolsa. Ela foi alvo de uma execução.
Recentemente eleita para a Câmara de Vereadores do Rio, em 2016, a voz e o poder de Marielle na política estavam crescendo. Ela era presidente da Comissão Permanente de Defesa da Mulher na Câmara e havia sido nomeada há menos de um mês relatora da comissão que fiscalizará a intervenção militar e a presença de forças policiais e de segurança nas favelas da cidade. Seu partido, o PSOL, estava planejando anunciá-la como candidata a vice-governadora do Estado nas eleições deste ano.
Ela era uma sonhadora que dava esperança a todos ao seu redor. Num país e num mundo que confiam cada vez menos nos políticos, ela mostrava às pessoas que líderes corajosos poderiam ter princípios, ser progressistas e lutar pela mudança de dentro para fora.
Devemos conectar nossas lutas nos EUA com as do Brasil. Marielle Franco era uma de nós.
O assassinato de Marielle me lembra em vários aspectos o de Patrice Lumumba, o primeiro a ser escolhido primeiro-ministro do Congo independente. Cheio de esperança e de ideias, Lumumba tinha apenas 35 anos quando foi morto. Ele personificava a esperança e a mudança em um país que precisava desesperadamente de ambas.
Antes de serem assassinados, Malcom X e Martin Luther King Jr., então apenas um ano mais velhos que Marielle Franco, tinham chegado à conclusão de que era importante conectar nossas lutas pelos direitos civis e nossas prioridades às lutas pelos direitos civis e humanos em curso pelo mundo.
E aqui estamos novamente. Devemos conectar nossas lutas nos EUA com as do Brasil. Marielle Franco era uma de nós. As prioridades dela são as nossas. Os sonhos dela são os nossos. As lutas dela são as nossas.
Não é coincidência que os países com as duas maiores populações de descendentes africanos fora da África – o Brasil, com quase 56 milhões, e os Estados Unidos, com 46 milhões – estejam ambos enfrentando uma crise de violência policial. Isso acontece porque as vidas negras, seja no Rio ou em Ferguson, em São Paulo ou Baltimore, muitas vezes não importam para a polícia e para os políticos. Em nome da segurança, vidas humanas estão sendo tratadas como descartáveis. E isso nunca pode ser aceito.
Saibam o nome de Marielle Franco. Não permitam que sua causa morra com ela. Mostrem ao mundo que é possível matar um homem ou uma mulher, mas não uma ideia.
Tradução: Deborah Leão
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