CAMPO MOURÃO, PR - 17.03.2018: AGRICULTORES PULVERIZAM LAVOURAS NO PR - Produtores rurais de Campo Mourão, na Região Centro-Oeste do Paraná, iniciaram as aplicações de agrotóxicos nas plantações de milho safrinha para combater pragas que atacam as lavouras. Na foto, agricultor faz aplicação de agrotóxico para combater pragas na lavoura de milho safrinha em propriedade rural, em Campo Mourão. (Foto: Dirceu Portugal /Fotoarena/Folhapress) ORG XMIT: 1500226

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66 dias de lobby: uma máquina de pressão fez a Anvisa voltar atrás e liberar um perigoso agrotóxico

Banido na Europa há uma década, o paraquate foi proibido no Brasil em setembro do ano passado. Em quatro reuniões, a indústria mudou a decisão.

CAMPO MOURÃO, PR - 17.03.2018: AGRICULTORES PULVERIZAM LAVOURAS NO PR - Produtores rurais de Campo Mourão, na Região Centro-Oeste do Paraná, iniciaram as aplicações de agrotóxicos nas plantações de milho safrinha para combater pragas que atacam as lavouras. Na foto, agricultor faz aplicação de agrotóxico para combater pragas na lavoura de milho safrinha em propriedade rural, em Campo Mourão. (Foto: Dirceu Portugal /Fotoarena/Folhapress) ORG XMIT: 1500226

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, proibiu no Brasil em setembro do ano passado, o uso de um agrotóxico chamado paraquate. O produto – popular nas lavouras como dessecante, uma técnica que acelera a maturação de plantas antes da colheita – provoca a morte em caso de intoxicação grave e está ligado ao aumento da incidência da doença de Parkinson. Um parecer da Anvisa já havia indicado a proibição, argumentando que “há plausibilidade científica da associação entre a exposição ao Paraquate e a Doença de Parkinson quando se considera, em conjunto, os indícios presentes nos estudos”. Ele foi reavaliado a pedido dos produtores do componente químico. Novamente, a proibição venceu.

Mas, a decisão firme, avaliada e reavaliada com sentenças definitivas pela Anvisa contra o uso do paraquate, ratificada em setembro passado, durou pouco mais de dois meses. A própria Anvisa mudou o seu parecer em fins de novembro, autorizando o uso do composto como dessecante até 2020. Além disso, a agência suavizou textos que devem ser exibidos no rótulo do agrotóxico.

A mudança de posição da agência só foi possível graças ao lobby dos fabricantes e vendedores de produtos à base de paraquate, grupo de pressão que frequentou o gabinete de um diretor do órgão em um período de 66 dias. Foi quando o diretor de Regulação Sanitária da Anvisa, Renato Alencar Porto, abriu as portas de seu escritório, em Brasília, para quatro reuniões com interessados em regras mais frouxas para o paraquate.

A mudança de posição da agência só foi possível graças ao lobby dos fabricantes e vendedores de produtos à base de paraquate

Em 5 de outubro, 13 dias após a publicação da resolução que baniu o produto como dessecante, Porto teve uma reunião com o diretor-geral da Syngenta América Latina, Valdemar Fischer, com o presidente da empresa no Brasil, Laércio Giampani, e com o gerente de Assuntos Corporativos, Rafael Arantes. A Syngenta domina o mercado de produtos à base de paraquate no Brasil. O assunto, informou a agenda pública do diretor, era justamente a proibição.

No mês seguinte, em 10 de novembro, Porto recebeu a autodenominada “Força-Tarefa Paraquate”, formada por 19 empresas que produzem ou pretendem produzir agrotóxicos à base do princípio ativo, representadas também pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. Dessa vez, o diretor da Anvisa teve como interlocutores Helena Sassaki e Elaine Lopes, coordenadoras da força-tarefa, além de Pablo Casabianca e Edmur Figueiredo, respectivamente agente de relações governamentais e consultor jurídico do Sindiveg.

Pouco mais de uma semana depois, em 20 de novembro, o próprio presidente do Sindiveg, Julio Borges, e sua diretora-executiva, Silvia Fagnani, foram a Brasília desfilar argumentos a favor do paraquate para o diretor da Anvisa, acompanhados das gerentes de assuntos regulatórios Andreza Martinez e Andrea Rodrigues.

Apenas três dias depois, houve a quarta reunião. A cúpula do Sindiveg voltou a ser recebida no gabinete do diretor da Anvisa para tratar do paraquate, dessa vez acompanhados de diretores da Confederação Nacional da Agricultura e da Associação Brasileira de Produtores de Algodão. O diretor do Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura, André Peralta, reforçou o time que foi defender o paraquate perante Renato Porto.

Um lobby bem-sucedido

A pressão funcionou. No dia 27 de novembro, uma segunda-feira, apenas dois dias úteis após a quarta reunião com o lobby do agrotóxico, a Anvisa decidiu afrouxar as regras sobre o paraquate. A principal delas foi a liberação do uso do produto na dessecação de culturas até 2020, justamente o ponto que havia sido proibido em setembro. A dessecação é um procedimento utilizado em lavouras de larga escala como soja e milho, e estima-se que 60% do paraquate consumido no Brasil seja usado com esse fim.

A pressa em voltar atrás da decisão fica evidente pela agenda do próprio diretor. Ele esteve fora do país – em viagens oficiais à Califórnia, Itália e Alemanha – em 15 dos 45 dias úteis entre as primeiras reuniões e a liberação.

Nos 30 dias úteis em que passou no Brasil, Porto participou, principalmente, de reuniões e compromissos burocráticos internos. Assim, as quatro reuniões do diretor com defensores do paraquate representaram quase 30% de todos encontros externos de Porto no período. Não há registros de encontros com qualquer defensor do fim do uso do agrotóxico. A proibição, que estava em discussão na Anvisa desde 2008, foi mudada da noite pro dia.

Vitória da indústria

A decisão de afrouxar as regras foi muito comemorada no mundo do agronegócio e até no Ministério da Agricultura. O secretário de Defesa Agropecuária, Luís Eduardo Rangel disse, sem meias palavras, que “prevaleceu o bom senso”. “O paraquate é importante na dessecação das culturas e não existe hoje no mercado outra opção e que dê o mesmo resultado”, argumentou. “O uso [do princípio ativo] está restrito a culturas de algodão, soja, arroz, banana, batata, café, cana-de-açúcar, citros, feijão, maçã, milho e trigo”, tentou minimizar, como se falasse de pouca coisa.

“O uso está restrito a culturas de algodão, soja, arroz, banana, batata, café, cana-de-açúcar, citros, feijão, maçã, milho e trigo”

Não ficou só nisso. A Anvisa também tratou de aliviar os dizeres que devem constar do Termo de Conhecimento de Risco e de Responsabilidade que deverá acompanhar qualquer agrotóxico à base de paraquate. Em setembro, a agência decidira que ali deveriam constar as frases “O paraquate pode causar doença de Parkinson” e “O paraquate pode causar mutações genéticas”. Em novembro, decidiu-se por textos bem menos incisivos: “Evidências indicam que a exposição ao paraquate pode ser um dos fatores de risco para a doença de parkinson em trabalhadores rurais” e “Evidências demonstram a existência de risco da exposição ao paraquate causar mutações genéticas em trabalhadores rurais”.

“Como não se pretende afirmar que o paraquate indubitavelmente causará mutações genéticas e a doença de Parkinson ao trabalhador rural, é possível que a maneira de expressar a existência desses riscos possa ser mais clara”, justificou-se Renato Porto, falando apressado, quase que atropelando as palavras, na reunião em que a diretoria da Anvisa aprovou o recuo em sua posição a respeito do paraquate (assista aqui, entre 27′ e 1h12′).

Fabricantes comemoram

Ao final da fala do diretor, a advogada Lídia Cristina Jorge dos Santos, que foi à reunião falar em nome da força-tarefa paraquate e do Sindiveg, não se furtou de elogiar a nova posição da Anvisa. “Eu tinha toda uma sustentação oral pronta [em defesa do paraquate] e não vou poder seguir, porque muitos pontos [desejados pelos fabricantes de agrotóxicos] já foram comentados [por Renato Porto]. O resumo foi brilhante”, empolgou-se.

Minutos depois, ela deixou claro qual é provavelmente o principal motivo para a briga dos fabricantes de agrotóxicos pelas mudanças nas frases que alertam agricultores a respeito dos riscos oferecidos pelo paraquate. “O receio da força-tarefa é ser responsabilizada, punida e criar liability [responsabilidade legal] muito grande em relação a processos de responsabilidade (por casos de envenenamento ou doenças causadas pelo paraquate)”, afirmou, antes de voltar a manifestar sua satisfação com a decisão da Anvisa. “Agradecemos a possibilidade da (resolução) ser revista.”

É importante frisar que a nova decisão manteve a proibição total do paraquate a partir de 2020. Mas, até lá, os fabricantes ainda têm espaço para manter o produto no mercado, desde que apresentem à Anvisa estudos mostrando que o princípio ativo não causa danos à saúde dos agricultores – algo que, Syngenta à frente, eles já tentam fazer, com resultados questionáveis. Na decisão anterior, o paraquate com embalagens abaixo de 5 litros já seria retirado das lojas em 2018.

“Vitória de quem quer vender agrotóxico”

O pesquisador Luiz Cláudio Meirelles, especialista em agrotóxicos da Fiocruz, foi o primeiro gerente-geral de Toxicologia da Anvisa – ocupou o cargo entre 1999 e 2012. Ele foi responsável por pedir, em 2008, a retirada do produto do mercado.

A Anvisa contratou a Fiocruz para elaborar um parecer técnico a respeito dos riscos do paraquate. Entregue em 2009, ele finalmente foi aceito pela agência em 2014. A isso seguiu-se um painel técnico com especialistas para tratar do assunto. Durante as decisões sobre o paraquate, a Fiocruz se colocou à disposição para dirimir dúvidas da Anvisa. “Mas, curiosamente, não foi convidada”, disse Meirelles. “Ele recebeu só os interessados na venda do produto, mas não organizações da sociedade civil, universidades, ou a Fiocruz”, afirmou o pesquisador, que atualmente coordena o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.

“Adotaram um linguajar que não é direto, que não é compreensível ao trabalhador rural.”

Meirelles não poupou críticas às mudanças feitas pela Anvisa após o lobby. “A liberação do uso como dessecante é muito grave, pois é aí que se gera mais resíduo”, explicou. Também questionou a revisão das frases de alerta que devem acompanhar produtos com paraquate. “Adotaram um linguajar que não é direto, que não é compreensível ao trabalhador rural. Perdeu o sentido”, argumentou ele, que já era crítico da primeira decisão da agência. “O paraquate é perigosíssimo. Deveria ser banido imediatamente, e não num prazo de três anos, com possibilidade da indústria tentar reveter a proibição até lá.”

“Várias agendas de interesse público estão submetidas a barganhas políticas. A dos agrotóxicos não é diferente”, avaliou Marina Lacôrte, especialista do Greenpeace em Agricultura e Alimentação. “A decisão da Anvisa é uma vitória de quem quer vender agrotóxico. As mudanças foram feitas de acordo com o interesse deles, e não no da saúde pública”, cravou Meirelles.

Histórico perigoso

Desenvolvido pela gigante dos agrotóxicos Syngenta na década de 1950, o paraquate é ingrediente de alguns dos herbicidas mais populares do mundo. Está sob fogo cerrado no mundo todo ante evidências cada vez mais fortes de que causa doença de Parkinson e mutações em células responsáveis pela reprodução humana – além de ser potencialmente fatal em caso de intoxicação aguda.

A Suíça, justamente onde fica a sede da Syngenta, baniu o paraquate nos anos 80. A União Europeia, em 2007. China e Inglaterra produzem o agrotóxico, mas apenas para exportação.

Uma pesquisa de 2011 do Instituto Nacional de Ciência da Saúde Ambiental dos Estados Unidos, em parceria com o Instituto e Centro Clínico do Parkinson, mostrou que lidar com agrotóxicos contendo paraquate aumentou em duas vezes a incidência de Parkinson em agricultores. O dossiê sobre agrotóxicos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, publicado em 2015, afirma que 26,2% dos 2.931 casos confirmados de intoxicação por agrotóxicos registrados no Brasil entre 1996 e 2000 se devem a apenas três princípios ativos, entre os quais o paraquate.

No Brasil, há 27 produtos à base de paraquate.

Em destaque: Aplicação de agrotóxico em lavoura de milho no Paraná.

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