À frente da intervenção da segurança pública do Rio de Janeiro, o Comando Militar do Leste tem uma empresa investigada na Lava Jato como seu maior fornecedor nos últimos anos, revela um levantamento inédito feito por The Intercept Brasil. Envolvida em diferentes casos de fraudes no Governo do Estado e em prefeituras fluminenses, a Masan recebeu mais de R$ 21 milhões dos militares nas ações de “apoio logístico às forças de segurança pública do Estado” em apenas dois anos.
O levantamento organizou as compras do Governo Federal em um banco de dados para, em seguida, filtrar as despesas do Comando Militar do Leste, a partir dos gastos diretos do Portal da Transparência do Governo Federal. Os pagamentos à Masan foram concentrados em 2014 e 2015, quando o Comando Militar do Leste, localizado no Rio, bateu recordes de orçamento no contexto das operações de Garantia da Lei e da Ordem– as GLO, usadas na Copa do Mundo e no Complexo da Maré.
As transferências para a Masan Serviços Especializados representam quase um quarto dos recursos do Comando naqueles anos, superando gastos em itens como equipamentos permanentes, diárias e material de consumo. O biênio de bonança colocou a empresa do topo do ranking entre as mais favorecidas pelas compras do Comando Militar Leste desde 2011, período em que a unidade do Ministério da Defesa consumiu R$ 164 milhões.
A Masan recebeu mais de R$ 21 milhões dos militares nas ações de “apoio logístico às forças de segurança pública do Estado”
Amigo íntimo do ex-governador Sérgio Cabral, o então sócio da empresa, Marco de Luca, foi um dos alegres convidados da cerimônia em Paris que ficou conhecida como “farra dos guardanapos”. Ele também era vizinho do ex-governador no condomínio da chamada “república de Mangaratiba”. Suas empresas forneciam alimentos para presídios e escolas no Rio, além de serviços para a Polícia Civil e a Polícia Militar. O Ministério Público Federal identificou mais de R$ 2,6 bilhões repassados dos cofres estaduais para empresas do grupo durante a gestão Cabral, boa parte disto por meio de pregões.
Não há denúncias contra o Ministério da Defesa até o momento, seja na Lava Jato ou operações derivadas. E o Ministério Público Federal não informa se os contratos com o Comando Militar do Leste também são investigados.
No Comando Militar Leste, as contratações também tiveram origem em pregões – leilões reversos onde ganha quem cobra menos. Os dois contratos entre o Comando Militar do Leste e a Masan expostos no portal de Compras Governamentais mostram a Base de Fuzileiros Navais da Ilha do Governador como a origem das licitações que viabilizaram a contratação. Além do Exército, a Masan ainda fez negócios de mais de R$ 6 milhões com unidades da Marinha, também em ações de apoio à segurança pública no Rio de Janeiro.
Os contratos com o Comando Militar do Leste foram assinados em 2014. À época, o general Francisco Carlos Modesto comandava o órgão. Interventor e atual chefe do Comando, o general Walter Souza Braga Netto assumiu somente em 2016. A assessoria de imprensa do órgão se negou a dar esclarecimentos a respeito dos contratos.
Os negócios da família De Luca são diversificados. Passam também por outras empresas do ramo alimentício, como a peixaria Frescatto, a empresa Comercial Milano e a cadeia de bares Riba. Algumas das despesas dos militares com a empresa do clã De Luca incluíram atividades de “manobra e patrulhamento”, “suporte de infraestrutura de tecnologia da informação” e “serviços de apoio a infraestrutura em manobras militares para atender a Força de Pacificação do Complexo da Maré” em uma ação de GLO batizada como Operação São Francisco.
Em 2015, a Masan também forneceu para a prefeitura do Rio: ela liderou um consórcio que ganhou a licitação para o gerenciamento da rede de computadores e para a administração da sede do Centro de Operações da Prefeitura. Entretanto, o Tribunal de Contas do Município anulou o resultado por favorecimento na escolha da empresa.
Ex-sócio solto pelo Supremo Tribunal Federal
Hoje, a Masan tem capital social de R$ 5 milhões, controlado por José Mantuano e Antonio Mantuano de Luca. Entre os sócios, constam também os nomes da empresária Adriana Pinto e de Geraldo Richelieu, que atua com assessoria contábil e é filiado ao Partido Humanista da Solidariedade (PHS) de Maricá, desde 2007, início do governo Cabral .
A empresa foi alvo da Polícia Federal nas operações Inópia e Ratatouille, deflagradas no ano passado como desdobramentos da Lava Jato. O Ministério Público Federal acusou o ex-sócio-administrador Marco Antonio de Luca de fazer parte do esquema de propinas montado pelo ex-governador Sérgio Cabral, hoje preso. Os promotores apontam o pagamento de mais de R$ 16 milhões em propina da família De Luca para Cabral, por meio de seus operadores, que moveram pelo menos 82 pagamentos mensais, entre 2007 e 2016.
Marco de Luca foi preso em junho e solto em dezembro do ano passado, graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Outros cinco membros de sua família também passaram alguns dias atrás das grades em outubro, entre eles seu pai, Francisco Mantuano de Luca, e seu primo José Mantuano de Luca Filho, que ainda consta no quadro de sócios da Masan.
A assessoria da empresa foi contactada, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem até a sua publicação.
Os dados utilizados nesta matéria foram coletados por Álvaro Justen, programador, professor e ativista digital. Álvaro trabalha capturando, convertendo, limpando e analisando dados em projetos jornalísticos e é diretor do programa de cursos da Escola de Dados. Graças a seu trabalho em parceria com The Intercept Brasil, os dados estão agora públicos para consulta.
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