Israeli troops fire teargas at protesters during a clashes following a protest to mark the Land Day, in the village of Qusra, near the West Bank City of Nablus, Friday, March 30, 2018. (AP Photo/Majdi Mohammed)

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Israel mata palestinos, e os liberais do Ocidente dão de ombros. Seu humanitarismo é uma farsa.

Os liberais do Ocidente permanecem em silêncio, boquiabertos, depois que as forças israelenses atiraram em 773 palestinos e mataram 17. Para eles, o sangue palestino é barato.

Israeli troops fire teargas at protesters during a clashes following a protest to mark the Land Day, in the village of Qusra, near the West Bank City of Nablus, Friday, March 30, 2018. (AP Photo/Majdi Mohammed)

“Se o conceito de intervenção é motivado pela universalidade dos direitos humanos, por que é então que as pessoas que se identificam como liberais intervencionistas nunca dão um pio em defesa de uma intervenção para proteger os palestinos?”

Essa foi a minha pergunta ao filósofo francês, autor e defensor do intervencionismo liberal (ou humanitário), Bernard-Henri Lévy, em 2013, no meu programa de entrevistas na rede Al Jazeera em inglês, “Head to Head” (“Cabeça a Cabeça”).

Levy, sempre eloquente, teve dificuldades para responder à pergunta. A situação na Palestina “não é igual” à da Síria e “você não tem todo o bem de um lado e todo o mal de outro lado”, disse Levy, que certa vez comentou a respeito das Forças de Defesa de Israel (FDI) que “nunca tinha visto um exército tão democrático, que se faça tantos questionamentos morais”.

Não pude deixar de me lembrar dessa conversa com o homem conhecido pela sigla BHL neste fim de semana, enquanto assistia imagens assustadoras de manifestantes palestinos desarmados na fronteira de Gaza, recebendo tiros pelas costas do “exército democrático” de Israel. Quantos “questionamentos morais” terão se feito esses atiradores israelenses, me perguntei, antes de abrir fogo contra refugiados de Gaza por ousarem exigir retornar a suas casas dentro da Linha Verde?

Na sexta-feira, as FDI atingiram, com munição real, o espantoso número de 773 pessoas, das quais 17 morreram. Ainda assim, um representante das FDI se vangloriou de que as tropas israelenses teriam “chegado preparadas” e que “foi tudo muito preciso […] Sabemos onde cada bala caiu”. No domingo, o beligerante ministro da defesa, Avigdor Lieberman, rejeitou frontalmente os pedidos da União Europeia e das Nações Unidas de realização de um inquérito independente sobre a violência e reiterou que “nossos soldados merecem uma condecoração”.

Sendo claro, então: as tropas israelenses vão continuar a matar e mutilar palestinos enquanto o governo de Israel garantir que não haverá consequências para suas ações.

E, então, onde está a revolta dos intervencionistas liberais do Ocidente? Onde está BHL enquanto palestinos são baleados e feridos às centenas em 2018?

Onde está o pedido de uma zona de exclusão aérea sobre Gaza pelo ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair, cujo discurso de 1999 em Chicago, defendendo o conceito de uma “guerra justa” e uma “doutrina da comunidade internacional” se transformou em referência para os intervencionistas liberais? Por que um orador convidado ao funeral de Ariel Sharon não tem nada a dizer sobre o crescente número de funerais palestinos?

Onde está a indignação moral da ex-embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, notoriamente favorável às intervenções, ganhadora do prêmio Pulitzer e autora de “A Problem from Hell” (“Um problema infernal”, ainda sem tradução no Brasil), que lamentou a inércia dos EUA em relação a Ruanda, pelo número de palestinos desarmados que foram alvejados, mortos e feridos em tempos recentes? Como ela pode ter tempo para retuitar uma foto de um elefante e um filhote de leão, mas não para dar uma declaração sobre a violência em Gaza?

Onde está o acadêmico que virou político no Canadá, Michael Ignatieff, que já foi uma das vozes mais eloquentes a favor da chamada doutrina da responsabilidade de proteger, exigindo que forças de paz sejam enviadas aos Territórios Ocupados?

Onde estão as virulentas colunas de opinião de Nicholas Kristof do New York Times, ou de Richard Cohen do Washington Post, ou de David Aaronovitch, do The Times of London, pleiteando medidas concretas contra os violadores de direitos humanos das FDI?

E onde está o apelo da ex-secretária de Estado dos EUA e arqui-intervencionista Madeleine Albright por sanções econômicas e financeiras contra o Estado de Israel? Um embargo de armas? Proibições de viagem ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, ao ministro da Defesa, Avigdor Lieberman, e ao chefe de pessoal das FDI, tenente-general Gadi Eizenkot?

O silêncio dessas pessoas é ensurdecedor e revelador. Aparentemente os palestinos foram tão desumanizados que não merecem uma intervenção humanitária; seu sangue é barato, sua situação é irrelevante, e, talvez acima de tudo, seus assassinos são nossos amigos.

Palestinians protesters run for cover from Israeli tear gas during clashes with Israeli troops along the border between Israel and Gaza Strip, in the eastern Gaza Strip, 01 April 2018. According to reports, nine Palestinians were injured during the clashes along the border with Israel. Protesters plan to call for the right of Palestinian refugees across the Middle East to return to homes they fled in the war surrounding the 1948 creation of Israel. (Photo by Momen Faiz/NurPhoto/Sipa USA)(Sipa via AP Images)

Manifestantes palestinos correm para se proteger das bombas de gás israelenses durante confrontos com as tropas de Israel ao longo da fronteira entre o país e o leste da Faixa de Gaza, no dia 1 de abril.

Foto: Momen Faiz/NurPhoto/Sipa USA/AP

No entanto, deveríamos realmente nos surpreender? Essa não é, afinal, a primeira vez que membros da brigada liberal pró-intervenção ignoram descaradamente as mortes trágicas de palestinos inocentes.

Em março de 2001, perto do começo da “Segunda Intifada” e diante do aumento do número de mortos entre civis palestinos, o Conselho de Segurança da ONU propôs uma resolução que criaria “um mecanismo adequado para proteger os civis palestinos, inclusive pela constituição de uma força de observadores das Nações Unidas” in loco nos Territórios Ocupados. Os Estados Unidos, porém, representados pelo governo George W. Bush, vetaram a resolução. Qual foi a resposta dos liberais norte-americanos? Ficaram calados.

Em meados de 2014, a força aérea israelense – pela terceira vez em seis anos – atacou a Faixa de Gaza, jogando bombas em escolashospitaisedifícios residenciais, matando mais de 1.500 civis palestinos no processo, incluindo 500 crianças. Qual foi o posicionamento da então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton (que posteriormente manifestaria seu apoio a uma zona de exclusão aérea sobre a Síria)? “O Hamas provocou outro ataque”, e “Israel tem o direito de se defender”. Qual foi a resposta dos liberais? A maior parte deles não disse nada.

Avançando agora para 2018: desta vez, 17 mortos e 1.400 feridos. Vídeos que viralizaram de soldados israelenses – armados e financiados pelos contribuintes americanos – atirando pelas costas em palestinos que fugiam. Mais uma vez, nem um pio no Twitter, nem em qualquer outro lugar, dos líderes do Partido Democrata no Congresso, tais como o senador Chuck Schumer e a líder da minoria na Câmara, Nancy Pelosi. Para os democratas liberais, a #resistência é apenas contra o governo Trump e a chamada direita alternativa, não contra a ocupação militar mais duradoura do mundo.


Assista ao documentário que Israel não quer que você veja


A cegueira moral que tantos liberais e progressistas nos EUA demonstram em relação aos palestinos não deixa de me impressionar, nem de me enojar. Como observa o escritor e economista israelense Abraham Gutman, “esse ponto cego é tão marcado que cria um novo tipo de progressista, o PEP, ‘Progressista Exceto sobre a Palestina'”. E continua, dizendo que o PEP “fica horrorizado com a nomeação de Jeff Sessions como procurador-Geral, mas se dispõe a defender que haja diferentes interpretações, e até mesmo a apoiar o governo de Israel, na figura do ministro da Justiça [Ayelet] Shaked, que postou no Facebook um artigo chamando as crianças palestinas de ‘cobrinhas’.

De fato, o PEP condena ruidosamente o preconceito e o nativismo do Partido Republicano nos EUA e a escalada do racismo e da segregação no “Sul profundo” do país enquanto desvia os olhos do racismo escancarado do governo de Israel e do apartheid em curso nos Territórios Ocupados.

O PEP se insurge contra Trump e seus asseclas ao mesmo tempo em que aplaude de pé Netanyahu ou sorri em fotos com Lieberman, embora as semelhanças entre os governos de Trump e de Netanyahu já tenham sido bem documentadas.

E o PEP, que é um orgulhoso defensor do intervencionismo liberal, apoia intervenções em praticamente qualquer lugar, exceto nos Territórios Ocupados. Seu coração dói pelos sírios, líbios, afegãos, iraquianos, ruandeses, kosovares… mas não pelos palestinos.

Esta não é uma tentativa de desviar o foco de outros problemas, mas, sim, de chamar a atenção para a ambivalência e para a hipocrisia moral. No que se refere à Palestina, intervencionistas liberais que se enquadram como “progressistas exceto sobre a Palestina” seguem a cartilha de Trump ao culpar cinicamente “os dois lados” pela violência. Alegam que as mortes de palestinos são consequência de “conflitos” e “confrontos“. A verdade, no entanto, é que um lado é o ocupante e o outro é o ocupado; um lado tem mísseis e rifles, e o outro tem pedras e estilingues; um lado está matando, e o outro está morrendo.

Não há outra conclusão possível: a clara e persistente recusa dos intervencionistas liberais ocidentais de se manifestar sobre a necessidade de proteger da violência de Estado os palestinos na região ocupada é um bom sinal do quanto a palhaçada de “intervenção liberal” é moralmente falida e cinicamente hipócrita.

Mehdi Hasan é o apresentador do novo podcast em inglês Deconstructed. Ouça e se inscreva aqui.

Foto do Título: Manifestantes palestinos se escondem de bombas de gás lacrimogêneo israelense durante conflitos com as tropas de Israel ao longo da fronteira entre Israel e Gaza, na porção leste da Faixa de Gaza, em 1º de abril de 2018.

Tradução: Deborah Leão

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