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O general Villas Bôas deu uma ótima ideia contra a violência no Rio. Mas ela já existe há 24 anos

Comandante do Exército, que foi rápido em pressionar o STF antes da votação do habeas corpus de Lula, esqueceu de dar um google.

Brasília - O comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Boas, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do Senado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os militares andam muito ativos no Twitter. Na noite desta terça-feira, o general Villas Bôas – que foi rápido em colocar pressão política para a votação do habeas corpus do ex-presidente Lula – não teve a mesma agilidade em dar um google antes de sugerir a reinvenção da roda.

Escorando-se na frase de efeito “segurança é dever de todos”, o general apresentou uma ideia: a “necessidade de cooperação da comunidade, atuando junto com as polícias, indicando local e pessoas envolvidas em delito na área conflagrada”. A ideia é tão boa que foi implementada há 24 anos, dentro do Comando Militar do Leste.

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Reprodução Twitter

O esquecimento do general sobre a história da violência no Rio vem acontecendo com muita gente.

A frase “o Rio acabou”, que se escuta hoje em qualquer bar da cidade,  remete à década de 90. Naquela época, a chegada dos fuzis ao Rio ganhava os noticiários, e os sequestros, de tão corriqueiros, eram acompanhados como novelas: dias a fio, família reunida na sala esperando começar o Jornal Nacional, ansiosa por notícias. O Governo do Estado não dava conta.

Eram registradas altas taxas de homicídios (dolosos) tanto na cidade quanto no Estado do Rio. A corrupção policial era galopante, tráfico de armas e drogas estavam a todo vapor, a sensação de medo era generalizada.

Em outubro de 1994, um termo de cooperação entre a União e o Estado foi firmado, criando “Operação Rio”. A iniciativa previa a intervenção das Forças Armadas na cidade, por meio do Comando Militar do Leste. A “Operação Rio” foi responsável por várias ações e estratégias, dentre elas, a que desencadearia no que hoje conhecemos como o Disque- Denúncia. Era o “Disque-Denúncia” do Comando Militar do Leste.

A estrutura era simples: uma sala, oito linhas telefônicas operadas diariamente por cabos e sargentos do Exército, que se revezavam em um plantão de 24 horas. As informações eram registradas em papel, depois datilografadas e enviadas ao chefe da Seção de Inteligência. A média de chamadas era cerca de 80 por dia.

Vinte e quatro anos depois, o Disque-Denúncia se tornou uma entidade civil, totalmente financiada pela iniciativa privada, com 46 funcionários, que registraram, em média, 284 denúncias ou informações diárias em fevereiro. Detém o maior e mais detalhado banco de informações com denúncias de tráfico de drogas, milícias e outros crimes. Acumula mais de 2 milhões ligações e 300 mil de informações recebidas. Mas devido aos recursos limitados, não opera mais 24h e nem nos finais de semana.

“Naquele tempo era muito pior que hoje. O que nós estamos passando, embora esteja ruim, é muito pouco. Você vê os números de criminalidade da época, compara com os de agora e vê que é uma diferença muito grande. Ou seja, pode piorar”, diz o idealizador do projeto Zeca Borges, diretor do DD.

Ele tem razão. Os crimes contra a vida – homicídios dolosos, latrocínio (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial (autos de resistência) – somaram 8.638 mortos em 1995, ano em que DD entrou no ar. Em 2017 esse número era muito menor: 6.731.

Quebra-cabeças

Para Zeca Borges, o DD é essencial para o combate da violência no Rio. “Tenho um canal para o cidadão. O cidadão me dá a informação com o anonimato, eu respondo com investigação. Para a polícia, entrego informações, e ela me responde com resultados. Para a imprensa, eu entrego pautas, e ela me dá cobertura. Então, é esse o nosso jogo”, explica ao se referir tanto à cobertura de casos quanto ao retorno disso como marketing. Quanto mais a população souber da ação do Disque -Denúncia, mais recorre a ele. “É um ciclo”, frisa.

Esse ciclo alimenta uma grande engrenagem de produção de dados. “Um único problema no Rio gera um volume enorme de denúncias. Elas juntas formam a narrativa do problema, checada internamente. Ali (no DD) você pode puxar informações a partir de hashtags que eles criam, de indexadores do banco de dados etc. É um conjunto de informações que permite construir uma trajetória do que está acontecendo”, pontua a antropóloga Jackeline Muniz, professora da UFF.

Muniz se refere à inteligência da ferramenta. Hoje, quando muitas denúncias similares chegam ao DD, é acionado um alerta, que busca mais informações correlacionadas para produzir relatórios específicos sobre a violência.

Dentro do DD, há um Setor de Inteligência da Secretaria de Segurança, sediada no mesmo prédio, que tem acesso imediato a informações-chave e também a relatórios temáticos. As informações ali contidas chegam filtradas, sem nenhuma informação que permita a identificação do denunciante.

Tem, mas acabou

Apesar do trabalho de ponta, reconhecido nacional e internacionalmente, em 2016 o DD cortou recompensas e ameaçou fechar. Com a crise política e econômica do Rio, foi mais um dos parceiros do Estado que ficou sem receber. Entre 2013 e 2014, os repasses de verba começaram a atrasar. Depois, pararam de vez. “De repente, nós simplesmente não recebemos mais nenhum centavo de governo. Até hoje”, diz.

Zeca não perdeu muito tempo lamentando e buscou outros caminhos. “Fomos em outra direção, atrás de recursos na área privada com a seguinte pergunta: ‘Vocês acham que o Disque-Denúncia é importante, é fundamental? Então, vocês têm de nos ajudar a continuar. Se vocês acham que não, a gente fecha’.”

Depois do ultimato, o órgão conseguiu se restabelecer, lançou um aplicativo para recebimento de informações e, agora, aposta no Watson, uma ferramenta de inteligência artificial para automatizar o atendimento.

Apesar da crise, do esquecimento e desinteresse de agentes públicos, o DD segue ativo a despeito do general Villas Bôas. “Eu faço isso porque eu tenho medo. Eu não tenho medo porque faço isso. Ou seja, desde que entrei, entrei porque eu tinha medo por mim e pela minha família. Não medo de fazer isso. Mas medo de morar aqui. Então, alguma coisa eu tinha que fazer. Então, eu faço isso”, diz Zeca.

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