Eram pouco mais de 6h30 da manhã quando o capitão Estefan Cruz Contreiras, que era lotado no 18º BPM de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, ia para o trabalho. Ele não chegou. Informações preliminares dão conta de que Contreiras foi rendido por assaltantes e morto.
“Caraca. Meu deus. Eles não vão sossegar agora”, desabafou um morador que, por questões de segurança, prefere não se identificar. De fato, duas horas depois, foi deflagrada operação policial a alguns quilômetros do local da morte, na Cidade de Deus, com o objetivo de buscar os culpados. Um policial do Bope foi ferido e moradores dizem que há outras pessoas feridas e mortas no interior da favela (leia abaixo o relato exclusivo de um morador).
Após a morte de um policial em serviço, a probabilidade de um civil perder a vida em meio a uma ação policial no mesmo local aumenta em 1.150% no mesmo dia; em 350% no dia seguinte; e em 125% entre cinco e sete dias mais tarde.
Foi o que revelou a pesquisa “Medindo Forças: a vitimização policial no Rio de Janeiro”, de Terine Husek, que avaliou microdados do Instituto de Segurança Pública sobre autos de resistência e homicídios e informações sobre vitimização policial da própria Polícia Militar no período entre janeiro de 2010 e dezembro de 2015.
Nascido e criado na Cidade de Deus, Lucas* já viu outras operações como esta ao longo de seus 20 anos. Ele as chama de “Operação Vingança”. O mandamento “a cada um nosso, morrem dez” se cumpre sempre. E é sobre isso que ele escreveu para o The Intercept Brasil:
Um capitão da PM lotado no 18º Batalhão foi morto na Estrada do Capenha por volta das 7 horas da manhã após uma tentativa de assalto. A tragédia que culminou na morte do oficial, porém, era o prenúncio de uma ainda maior que viria a se desenrolar por conta da política de vingança que permeia a corporação – o famigerado “a cada um nosso, morrem dez”.
A Cidade de Deus, na Zona Oeste, foi escolhida para o palco da vingança estilo faroeste por ser a favela mais próxima ao ocorrido. Pouco antes das 9 horas, centenas de soldados do Bope chegaram à comunidade bradando “É guerra! É guerra!”. Nesse ponto, a agitação e o medo já dominavam a comunidade. As pessoas, entendendo o que estava por vir, corriam para se proteger.
Dito e feito: começa a incursão, e o caos se espalha. Os serviços públicos (escolas, creches, colégios, etc.) são cancelados, o comércio fecha, as principais vias são interrompidas (incluindo a Linha Amarela e a Grajaú-Jacarepaguá). Em pouco mais de uma hora de operação já havia um corpo favelado no chão e relatos de diversos abusos por parte dos agentes do Estado.
Agora, com quase quatro horas de operação, o saldo é assombroso: três mortos, dois feridos (incluindo um policial), ruas desertas, relatos de abusos vindos de todas as partes, crianças do turno da manhã presas nas escolas, mães chorando de medo. Cenas traumatizantes.
É assustador. Se você está na rua, a solução é correr para o lugar mais próximo e deitar no chão, e ir entrando na casa de quem quer que seja para se proteger. Em casa, é ficar no cômodo mais distante da porta e torcer para a polícia não entrar. Tem uma vizinha com crianças e elas costumam chorar – fica ainda mais angustiante.
Já perdi pessoas que cresceram comigo em situações como esta…
A reportagem entrou em contato com a PMERJ para pedir comentário e atualizará este post se tiver reposta.
* Lucas é o nome fictício de um morador da Cidade de Deus que preferiu não se identificar por questões de segurança. Nasceu e cresceu no bairro.
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