Uma juíza do Rio de Janeiro ordenou que o ex-deputado Milton Temer deletasse um post no Facebook no qual criticava uma vereadora tucana por sua defesa das políticas de Israel. A ordem judicial de censura, da juíza Tula Correa de Mello, da 20ª Vara Criminal, veio depois que a vereadora do PSDB, Teresa Bergher, processou Temer e exigiu a censura de seu post. O pedido, assinado na sexta-feira, foi noticiado pelo site Nocaute.
Temer, um jornalista e ex-deputado federal do PSOL, é um defensor vocal dos palestinos e um crítico da ocupação, agressão e apartheid de Israel. Bergher é uma defensora fanática do governo israelense; apesar de ter sido eleita para servir aos cariocas, sua página no Facebook e seu ativismo político são frequentemente dedicados à defesa de Israel.
No início deste mês, Bergher subiu à tribuna da Câmara Municipal para denunciar Temer pelo que classificou como declarações anti-semitas sobre Israel – ratificando os esforços da direita brasileira para proibir críticas ao governo israelense, explorando cinicamente as acusações de anti-semitismo e manchando quaisquer críticos de Israel como intolerantes.
Em resposta, Temer postou, no dia 8 de abril, em sua página no Facebook, essa resposta – que embora não fizesse menção ao nome de Bergher, deixava poucas dúvidas de que ele estava criticando suas opiniões políticas a respeito de Israel:
A linguagem usada por Temer – particularmente comparando a opressão israelense aos palestinos com o nazismo – é obviamente inflamatória e polêmica. É claro que algumas pessoas ficarão ofendidas com essa comparação.
Mas não há dúvida de que se trata de pura opinião política: concordâncias ou discordâncias a parte, comparar a ocupação israelense da terra palestina e a matança indiscriminada de manifestantes inocentes ao nazismo é uma opinião, não uma afirmação que se pretende factual (como as declarações difamatórias alegando falsamente que Marielle Franco estava ligada a traficantes de drogas: isso não era mera opinião política, mas difamação).
De fato, essa comparação entre a violência israelense contra os moradores de Gaza e os ataques nazistas ao Gueto de Varsóvia é uma opinião comumente expressa em todo o mundo por uma ampla gama de pessoas, incluindo membros judeus de parlamentos europeus que defenderam tal comparação. É uma maneira provocativa e agressiva de expressar essa opinião, mas a liberdade de expressão não tem sentido se alguém for proibido de expressar opiniões políticas pelo fato de que sejam provocativas e tenham o potencial de ofender.
O que é perigoso não é a liberdade de expressão de opiniões controversas, como as expressas por Temer, mas o abuso do poder de juízes que se utilizam da censura para punir aqueles que expressam idéias que os desagradam.
Por que é legalmente permitido a políticos como Bergher defender um governo que, há décadas, ocupa ilegalmente a terra, violando as resoluções da ONU e que rotineiramente mata crianças, mas legalmente proibido para Temer criticá-la por fazê-lo? Como a democracia e a liberdade de expressão podem sobreviver se nenhum de nós tem permissão para expressar opiniões políticas de que a juíza Correa de Mello ou a vereadora Teresa Bergher discordam?
Neste caso, o abuso de poder judicial é ainda mais extremo do que o usual caso de censura: a juíza não só ameaçou multar Temer em mil reais por dia, até que retire seu post do Facebook, como também ordenou que ele “se abstenha de reproduzir, em seu Facebook, ou em qualquer outro veículo de informação, afirmações e foto/imagens relacionadas aos fatos objeto desta ação.”
O que isso significa? O que Temer está proibido de dizer no futuro? Ele não tem permissão para comentar sobre a ordem de censura desta juíza, ou para criticar Israel e seus defensores em geral? A imprecisão dessa ordem é tão tirânica quanto a própria censura.
Além de perigosa, a ordem de censura judicial é intelectualmente ridícula. A juíza Correa de Mello inclui literalmente, em sua própria ordem, a linguagem usada por Temer para criticar a vereadora Bergher que pretende judicialmente suprimir. Ao fazê-lo, a juíza garante que as críticas a Bergher serão muito mais divulgadas do que se o post de Temer no Facebook não fosse censurado, já que qualquer notícia sobre a ordem de censura da juíza incluirá a mensagem que ela está tentando suprimir.
Assim, a conduta da juíza neste caso é um exemplo perfeito do que, nos Estados Unidos, é chamado de “efeito Streisand”, batizado com o nome da atriz norte-americana cuja tentativa de censurar fotografias de sua casa, feitas por um jornalista que buscava divulgar a erosão costeira, gerou muito mais atenção a essas fotografias. Ao tentar censurar as críticas de Temer a Bergher, a juíza Correa de Mello certamente assegurou que elas recebessem mais atenção.
O mais perturbador disso tudo é que a tentativa de censura da juíza parece fazer parte do crescente fascismo no Brasil, que vem sendo utilizado para atacar as liberdades políticas básicas. Uma das posições mais importantes para o movimento Bolsonaro (como é o caso dos movimentos de extrema direita em todo o mundo) é a defesa absoluta de Israel – tanto por razões religiosas (a crença religiosa de que Deus quer que Israel tenha terras palestinas) quanto políticas (o apoio à violência israelense contra os muçulmanos).
Esse clima se torna ainda mais assustador quando uma juíza ordena a remoção de críticas a um político conservador por sua defesa extremista de Israel. Nas mídias sociais, alguns políticos brasileiros associaram essa censura à crescente onda fascista no país.
Assista ao documentário que Israel não quer que você veja
“Mais um caso esdrúxulo de perseguição judicial,” disse o senador Lindbergh Ferias (PT). “No Brasil do golpe, uma malta de reacionários sente-se livre para atingir seu ódio. Minha solidariedade, Milton!” Um dos colegas na Câmara de Vereadores, que senta no lado da Bergher, David Miranda (PSOL), acrescentou: “Essa censura ao Milton Temer é o mais recente ataque fascista à liberdade de expressão, impulsionado pelo movimento Bolsonaro, para proibir uma defesa dos palestinos. O fascismo no Brasil será esmagado.” E deputado Chico Alencar (PSOL), escreveu: “É inaceitável uma determinação judicial para que qualquer pessoa se “abstenha” de comentar qualquer assunto e que políticas de qualquer governo não possam ser criticadas.”
A questão chave aqui não é se alguém concorda com as opiniões de Bergher sobre Israel ou com as críticas de Temer. A questão é se um jornalista e cidadão brasileiro tem o direito de criticar as opiniões políticas de uma parlamentar eleita, mesmo que essa crítica seja expressa de maneira polêmica e provocativa. Qualquer sociedade que responda “não” a essa questão – que endosse o direito dos juízes de remover opiniões políticas controversas da internet e do debate público – não pode se considerar uma sociedade dotada de quaisquer direitos mínimos de liberdade de expressão.
Divulgação: o repórter deste artigo é o marido do Vereador David Miranda (PSOL-RJ)
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