A passagem de Flávio Rocha por Teresina no dia 8 de maio foi um evento marcante. Não porque ele mobilizou um grande número de pessoas na capital do Piauí ou pela repercussão do seu discurso como pré-candidato à presidência da República pelo PRB. O que chamou atenção foi a fotografia que caracterizou o momento: o dono das Lojas Riachuelo montado nos ombros de um homem negro.
Divulgada no Facebook pelo presidente do PRB no Piauí, o pastor Gessivaldo Isaías, da Igreja Universal, a imagem viralizou e foi criticada por lembrar a escravidão. Obviamente, essa não era a intenção do líder do partido no estado, mas faltou sensibilidade e o olhar técnico de uma boa assessoria para evitar o iminente massacre nas redes sociais.
É verdade que levantar político nos braços é uma prática comum em campanha eleitoral, mas isso ganha um significado diferente quando o candidato é réu na Justiça Federal do Rio Grande do Norte, após uma inspeção do Ministério Público do Trabalho que constatou condições subumanas para funcionários das fábricas subcontratadas pela sua empresa.
O incômodo diante da imagem é compreensível em um país que ainda não superou por completo a escravidão. Por isso, passa a ser irrelevante para algumas pessoas conhecer o contexto em que a foto foi feita ou saber mais sobre o homem negro que aparece ali. Sobressai a interpretação da imagem, que fala mais sobre nós mesmos do que sobre o fato em si.
Quando Jorge das Chagas Silva, 54 anos, decidiu tomar o candidato nos braços, passou longe de imaginar o quanto seria exposto. “Eu estava feliz por receber o Flávio Rocha e empolgado com presença dele. Ninguém me obrigou e nem sugeriu que eu fizesse aquilo”, me disse.
O piauiense trabalha como auxiliar de serviços na Prefeitura de Teresina, é fiel da Igreja Universal e se diz decidido a votar no pré-candidato do PRB. O motivo dessa escolha revela a influência da religião. “Ele tem propostas que valorizam a família, pretende melhorias na geração de emprego. É cristão, e eu também sou”, afirma. Em uma postagem no Facebook, complementa: “Só voto em candidato evangélico”.
Para Silva, as interpretações sobre a foto foram distorcidas. “As pessoas hoje em dia interpretam de acordo com o que elas defendem politicamente e socialmente”, acredita.
A afirmação parece coerente, mas não dá conta de algumas contradições. Ao ser questionado sobre a sua relação com o PRB, Jorge disse que foi um dos fundadores no estado e que é filiado desde o início. O seu nome, no entanto, não consta na relação de membros do partido, consultada no site do Tribunal Superior Eleitoral.
Além disso, a assessoria do PRB no Piauí se negou a dar qualquer informação a respeito de Jorge, sem que soubesse antes qual seria o assunto tratado com ele. Soa estranho a tentativa do partido de esconder um eleitor tão convicto e apaixonado pelo seu candidato.
Sim, é leviano afirmar categoricamente que Jorge foi coagido a carregar Flávio Rocha nos ombros. Se o fizéssemos, estaríamos somente refletindo a ideia de que um homem negro não tem vontade própria e só age mediante uma ordem. No afã de denunciar o racismo, passaríamos a reproduzi-lo.
Por outro lado, é inegável que há, naquela fotografia, simbolismo demais para passar despercebido. Fica difícil ver um homem branco, detentor de grande poder econômico, sobre os ombros de um negro, pobre, nordestino.
A ferida da escravidão, mesmo após 130 anos da assinatura da Lei Áurea, segue aberta e em carne viva.
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