Na última quarta-feira, o governo brasileiro colocava uma atriz atuando como uma youtuber descolada para anunciar o novo Portal de Serviços: “Mano do céu, dá pra você fazer de tudo nesse site, gente. A única fila que eu vou pegar daqui pra frente vai ser no supermercado”. Era o terceiro dia da paralisação dos caminhoneiros que levou milhares de brasileiros não apenas para as filas dos supermercados, como também dos postos de gasolina. Passados dois anos, PMDB e PSDB, que tomaram o poder prometendo colocar a casa em ordem, jogaram o país em um cenário de desabastecimento geral.
O governo poderia ter evitado a crise, ou ao menos tentado diminuir o seu tamanho. No dia 16, uma semana antes, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos enviou um ofício pedindo o congelamento do diesel e uma audiência em caráter emergencial. Até a data para uma possível paralisação dos caminhoneiro foi anunciada. No dia 18, a CNTA ainda emitiu um comunicado reforçando a possibilidade da greve acontecer no dia 21. O governo preferiu ignorar e deixou sem resposta os caminhoneiros, que cumpriram suas ameaças e colocaram o país na maior crise de um governo que vem tropeçando em crises.
E nada como um presidente ilegítimo, fraco e covarde para administrar o país no caos. No quarto dia de paralisação, Temer foi ao Rio de Janeiro participar de uma cerimônia de entrega de 369 carros para o Ministério dos Direitos Humanos. Depois, em meio ao colapso, decidiu dar uma esticadinha até Belo Horizonte para comemorar o Dia da Indústria, onde declarou que a sua presença ali era o “fato mais importante do dia”.
À noite, após negociação com entidades representativas, o governo anunciou um acordo que interromperia a greve por quinze dias. Mas tratava-se de mais um acordo nacional daqueles que a gente já conhece. Duas das principais entidades se recusaram a assinar e, das oito que assinaram o acordo, sete representam os empresários do setor. Apenas uma fração — a fração empresarial — de um movimento bastante heterogêneo se acertou com o governo. Cumpriu-se o roteiro manjado do governo Temer: acordo com empresários sem a participação dos trabalhadores.
Logo após o anúncio do fim da greve, líderes de grupos de caminhoneiros autônomos (muitos não são nem associados a sindicatos) apareceram em vídeos nas redes sociais rechaçando qualquer acordo e garantindo a continuação da paralisação. Estavam revoltados com transportadoras e governo que se acertaram sem atender praticamente nenhuma das suas reivindicações. O Brasil foi dormir com Temer dizendo ter “resolvido o problema”, mas o único problema que tinha sido resolvido era o do empresariado do setor.
Na manhã seguinte, fingindo indignação com o descumprimento de um acordo que ele sabia ser uma farsa, Temer acionou as Forças Armadas para resolver o problema que há poucas horas garantia já ter resolvido. Mesmo sabendo que boa parte dos grevistas rejeitara o acordo, o presidente tentou vender a ideia de que os caminhoneiros que ainda bloqueavam as estradas — que ele chamou de “minoria radical” — não estavam cumprindo o que haviam combinado, justificando a medida drástica. “O governo teve a coragem de dialogar; agora terá coragem de usar sua autoridade em defesa do povo brasileiro”, declarou. Esse grande ato de bravura consistiu em mandar tropas para cima de trabalhadores grevistas que estariam descumprindo um acordo que nunca assinaram. Talvez sejam eles “os inimigos do Brasil” aos quais o juiz e o general se referem.
O acordo foi feito. O Governo fez sua parte. É hora dos caminhoneiros fazerem a parte deles. A população não pode ser prejudicada. As escolas estão ficando sem merenda. https://t.co/GfC2MAeY6V pic.twitter.com/B6yCvO5Lu7
— Planalto (@planalto) 25 de maio de 2018
A estratégia é jogar a população contra os grevistas e conter uma onda de apoio, mas motoristas de vans, motoboys, taxistas outras categorias de trabalhadores ligados ao transporte autônomo estão se mobilizando para engrossar a greve dos caminhoneiros.
Por mais que as consequências de uma paralisação sejam terríveis para o país, não se pode negar que as reivindicações dos caminhoneiros são justas. A nova política de preços da Petrobrás implementada no governo Temer, que varia de acordo com os preços do mercado internacional do petróleo, fez com que o valor do diesel mudasse 121 vezes em apenas dois anos. Com os sucessivos aumentos do petróleo e do dólar, a situação se tornou insustentável para os caminhoneiros, que estão com dificuldades de pagar suas contas.
Primeiro, o governo ignorou as ameaças de greve. Depois, quando ela se concretizou, fez um acordo que atendeu apenas os interesses das transportadoras. Como os caminhoneiros mantiveram o bloqueio, apelou para as Forças Armadas — como já virou um hábito de um governo sem capacidade de diálogo.
Para piorar o quadro, há uma parte significativa dos caminhoneiros pedindo “intervenção militar”. Não são poucas as imagens de faixas e vídeos de lideranças nos bloqueios pedindo para que as Forças Armadas interrompam a democracia. Reportagem da Piauí acompanhou grupos de Whatsapp dos grevistas e constatou a grande simpatia que se nutre por Bolsonaro e pelos militares. Eles conseguiram parar um país e agora sabem exatamente o poder que têm. As reivindicações são justas, mas é preocupante imaginar onde isso irá parar.
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