Na última semana, a Jordânia passou por turbulências atípicas para um país visto no Ocidente como uma ilha de estabilidade em uma região caótica. No dia 30 de maio, os jordanianos saíram às ruas para protestar contra a adoção de medidas de austeridade pedidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) – incluindo um forte aumento de impostos que afetaria uma população já empobrecida e com altos índices de de desemprego. Na segunda-feira, após cinco dias de paralisações e passeatas por todo o país, o rei da Jordânia, Abdullah II, exonerou o primeiro-ministro Hani Mulki. Em outras ocasiões, medidas simbólicas como essa haviam conseguido acalmar os ânimos, mas dessa vez os manifestantes parecem determinados a continuar lutando por mudanças mais profundas.
Horas depois da demissão de Mulki, milhares de pessoas voltaram às ruas para exigir a revogação total das medidas de austeridade. Um deles era Mustafa Al-Khalili, um engenheiro de 29 anos que vive em Amã. Nesta semana, Al-Khalili decidiu participar de uma manifestação pela primeira vez na vida, ao lado de outros jordanianos de diferentes tribos, regiões e estratos sociais. “Pessoas de todos os segmentos da sociedade se juntaram. Temos uma coisa em comum: amamos nosso país e estamos cansados da corrupção”, diz ele por telefone.
No dia 30 de maio, lideranças sindicais enviaram a Al-Khalili e seus colegas de trabalho um e-mail de alerta contra o plano de aumento de impostos do governo. O jovem pai de família ficou revoltado – a vida em Amã, uma das cidades mais caras do Oriente Médio, já era difícil o suficiente. O aumento do imposto de renda – de pelo menos 5% para pessoas físicas e de 20% a 40% para empresas – seria a gota d’água para Al-Khalili e muitos de seus compatriotas. “Muitos de nós trabalhamos em tempo integral, mas mal conseguimos satisfazer nossas necessidades básicas. E muitos já estavam ficando desesperados mesmo antes dessa nova lei”, afirma.
“Foi um momento até bonito, porque ali havia jordanianos de todas as classes sociais, de várias profissões, mulheres e homens.”
A notícia de que o governo planejava aumentar impostos se espalhou rapidamente, provocando revolta na internet e em todas as classes sociais. Muitos acusavam o governo de corrupção, criticando sua incapacidade de proteger os jordanianos contra os interesses de organismos estrangeiros como o FMI, que deseja reformar a profundamente endividada economia do país. Em questão de horas, mais de 30 sindicatos convocaram uma greve, e milhares de pessoas abandonaram seus postos de trabalho em protesto. Al-Khalili se juntou às centenas de manifestantes que saíram às ruas de Amã. “Foi um momento até bonito, porque ali havia jordanianos de todas as classes sociais, de várias profissões, mulheres e homens. Foi o amor pela Jordânia que nos levou às ruas”, diz.
À paralisação inicial seguiu-se uma série de protestos noturnos, concentrados na região do 4º Círculo Rodoviário de Amã, que exigiam a revogação das medidas de austeridade e a renúncia de Mulki, considerado corrupto por muitos. Mas, para Al-Khalili, que compareceu a todas as manifestações, o problema não é só o primeiro-ministro. ”O Parlamento não reflete as necessidades do povo. Os políticos estão mais preocupados em enriquecer do que em usar a criatividade para tentar dar um jeito na economia. Nós cometemos o erro de eleger essas pessoas repetidamente, mas agora chega”, desabafa.
Por enquanto, as forças de segurança não estão reprimindo as manifestações com violência, segundo Hiba Zayadin, pesquisadora da Human Rights Watch na Jordânia. Poucas pessoas foram presas, e a maioria foi liberada logo depois. “Houve algumas demonstrações de força aqui e ali, e algumas pessoas desmaiaram em meio ao tumulto por falta de oxigênio, mas, no geral, as manifestações têm sido pacíficas”, afirma.
E essa moderação parece vir de ambos os lados. Apesar de algumas palavras de ordem pedindo a queda do governo, muitos manifestantes fazem questão de dizer que não querem que a Jordânia vire “outra Síria, Líbia ou Iraque”, nas palavras de Al-Khalili. Os principais alvos da indignação popular são o Parlamento, o FMI e outras forças externas – já a monarquia tem sido poupada. “O rei é muito importante para a estabilidade, para a união das diferentes tribos e famílias. E ele quer trabalhar conosco para acabar com a corrupção”, acredita Al-Khalili. “Precisamos é de deputados e de um primeiro-ministro que levem a economia a sério e não sejam paus-mandados de credores como o FMI”, diz Al-Khalili.
A notícia da renúncia de Mulki deu alento aos manifestantes, mas não resolveu a questão das medidas de austeridade.
A notícia da renúncia de Mulki deu alento aos manifestantes, mas não resolveu a questão das medidas de austeridade. Líderes sindicais convocaram uma greve geral para o dia 6 de junho. Na segunda-feira, foi anunciado que a paralisação seria mantida, apesar da saída do primeiro-ministro. Os manifestantes prometem continuar protestando até o governo desistir das medidas de austeridade. “A questão vai muito além de uma pessoa ou de uma lei isolada”, afirma Eyad Omari, um banqueiro de investimentos jordaniano que participou das manifestações. “O povo está dizendo ao Parlamento que as coisas mudaram. Se eles quiserem nos governar, vão ter que servir os nossos interesses. Queremos que eles saibam que estamos de olho”, avisa.
Segundo boa parte da mídia, o rei Abdullah II já escolheu Omar Razzaz – atual ministro da Educação e ex-funcionário do Banco Mundial – para substituir Mulki. Entretanto, ainda não se sabe qual será o futuro da nova lei de austeridade. “Razzaz é um homem instruído, e acho que ele pode trazer boas soluções”, diz Omari, esperançoso. Já outros manifestantes desejam mudanças mais drásticas no governo. Na noite de segunda-feira, ouvia-se nas ruas as palavras de ordem “fora, Mulki; fora, Razzaz”.
Milhares de pessoas devem aderir à paralisação de hoje, e Al-Khalili espera que a comoção política desta semana se torne um incentivo para que seus compatriotas exercitem sua cidadania mais ativamente. “Isso é totalmente novo para muitos de nós. Nós conseguimos forçar o governo a fazer algo que ele não queria. Então as pessoas estão percebendo que têm poder. Elas podem estabelecer limites”, afirma.
Tradução: Bernardo Tonasse
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