Faz meia década que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou uma lei contra a discriminação racial. Tendo como alvo o racismo, a intolerância religiosa e a xenofobia, a lei 6483/2013 pune indivíduos, empresas e estabelecimentos comerciais do Estado com multas, suspensão e cassação de licenças para funcionamento. Ou, pelo menos, deveria punir. Em cinco anos, a medida nunca foi regulamentada e, por isso, ninguém foi enquadrado nela.
De autoria do deputado estadual petista Gilberto Palmares, o texto indica que as vítimas de discriminação ou suas testemunhas devem relatar o caso a um “órgão definido pelo Poder Executivo”. O problema é que a lei nunca especificou qual órgão deveria receber a denúncia, deixando a população sem ter para quem relatar os casos de racismo.
Legislação virou enfeite. Nem seu autor sabe dizer se a lei já foi acionada ou que órgãos estão recebendo denúncias.
Essa regulamentação – a definição de medidas que indiquem como a lei será aplicada em seus pormenores –, cabe ao governo estadual, mas Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Francisco Dornelles, que governaram o do Rio desde 2013, nunca se deram ao trabalho de resolver a dúvida. Assim, a legislação virou enfeite. Nem mesmo Palmares sabe indicar se a lei já foi acionada ou que órgãos estão recebendo denúncias.
Na última semana, The Intercept Brasil entrou em contato com 117 prefeituras, secretarias do estado e órgãos municipais da capital. Nenhuma das 19 instituições que responderam à solicitação da reportagem havia recebido queixas com base na lei de Palmares. E, “como ainda não há regulamentação da lei, não há aplicação de multa”, frisou a Guarda Municipal do Rio em sua resposta.
Lei para inglês ver
O texto não estipula uma data-limite para sua regulamentação. Mas, ainda que estipulasse, isso não seria garantia de cumprimento por parte do Executivo. Há pilhas de leis tornadas ineficazes no Brasil pela falta de vontade política de prefeitos, governadores e presidentes para regulamentá-las.
Há artigos na Constituição que esperam há 30 anos pela regulamentação.
No Rio, faz dois anos que Pezão sancionou a lei 7041/2015, semelhante à de Palmares, mas que mirava a discriminação por sexo e orientação sexual. O governo estadual, autor da lei, definiu que ele próprio deveria regulamentá-la em até dois meses. Há 1.010 dias que o governo estourou o prazo definido por ele mesmo. Atraso pequeno, frente aos 30 anos de espera dos mais de 100 dispositivos da Constituição Federal que seguem sem regulamentação, como os que tratam da comunicação social e dos direitos dos indígenas sobre suas terras.
Mas nem a regulamentação é garantia de que uma lei irá de fato sair do papel. O artigo que define a prática do racismo como “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”, foi regulamentado pela Lei Caó em 1989, um ano após a promulgação da Constituição de 1988. Grande vitória do movimento negro em termos políticos, na prática, ela também parece enfeite. O último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional, de 2016, é detalhado a ponto de indicar que há sete pessoas presas no país por genocídio. Já os crimes de racismo e injúria racial – com penas equiparadas por decisão do STF no último dia 4 – sequer aparecem entre os tipos penais listados para justificar as mais de 620 mil detenções de que o relatório dá conta.
No estado do Rio, chegam em média oito casos por ano aos tribunais. E, atualmente, apenas três detentos cumprem pena por injúria racial, segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Não há informações sobre nenhum preso pelo crime de racismo.
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