Patrulheiros são um estorvo. Eles não se limitam a divergir de opiniões; desclassificam quem acolhe ideias diferentes. Supõem ter a prerrogativa de desautorizar pensamentos, gostos e comportamentos com que não se identificam. Não é que critiquem – atitude legítima – camisas amarelas, azuis ou vermelhas para acompanhar os jogos da seleção; decretam, como censores ordinários, o que pode e o que não pode.
O tal MBL é o campeão da patrulha. Tem obsessão por nu em obra de arte – fala, Freud! “Desmascarou” um jornalista que mantinha na estante biografia de personagem abominado pelos liberais de fancaria. Ao patrulheiro, não basta maldizer a conduta alheia; sua ambição é determiná-la.
Em época de Copa, essa espécie daninha se alastra, sobretudo nas redes antissociais. É apartidária, viceja da direita à esquerda. Um dos alvos da intolerância são aqueles que fazem do Mundial um período sagrado de paixão e prazer. Seriam, alfinetam, “alienados”.
Os patrulheiros se incomodam com quem torce. Um exemplo do vento da patrulha a estibordo: “Enquanto o povo está anestesiado pela Copa, o STF já livrou Gleisi e soltou Dirceu”. Outro: “Os alienados se preocupando com Copa do Mundo enquanto por trás dos bastidores a sujeira é grande”. E a bombordo: “Enquanto você está aí focado na Copa aprovaram uma lei para colocar mais veneno na sua comida”. Mais uma: “O que você ganha com a Copa se o Brasil for campeão?”.
Há mais risco de pitacos sobre o Neymar serem atacados pelos patrulheiros do que o de jogadores da seleção brasileira se contundirem, o que não é pouco – o mais recente foi o Marcelo. Se alguém se emociona com o pranto do camisa 10 depois da vitória sobre a Costa Rica, descem o malho no observador por se fiar na alegada encenação do namorado da Bruna. Se o comentário sustenta que o chororô foi fake, destinado a atrair o foco das câmaras depois do desempenho esportivo sofrível, patrulheiros diagnosticarão inveja de quem duvidou da sinceridade do craque.
Se a bronca recai sobre a resistência do Neymar em soltar a bola mais rápido, o patrulheiro encrenca com o que tacha como gesto antipatriótico – falar mal da seleção seria excrescência. Flagram-se chiliques de quem tem o atacante do PSG na conta de imune ao escrutínio jornalístico e à análise técnica futebolística.
A patrulha pega no pé quem torce pelo Neymar – e pela seleção: ele já teve problemas fiscais no Brasil e na Espanha, tenta enganar os apitadores forjando faltas e pênaltis, apoiou o famigerado Aécio (“A culpa não é minha…”), é um ególatra. Torcer por ele seria conivência.
Torcendo pela Argentina
Patrulheiros dão plantão em busca dos “traidores” da dita pátria de chuteiras – aqueles que exercem o direito de torcer para quem bem entenderem. Implicam igualmente com quem bate o coração por um escrete que enverga o escudo de entidade notabilizada como covil de ladrões, a CBF.
Os patrulheiros costumam ficar doidinhos com quem torce pela Argentina em certos jogos. Julgam crime de lesa-pátria simpatizar com o povo e o futebol argentinos, venerar o Messi, achar que as oitavas França x Argentina têm tudo para serem mais emocionantes do que França x Nigéria. Não se contentam em secar a seleção do Mascherano; querem que todos sequem.
A existência de argentinos racistas desqualificaria o conjunto dos cidadãos do país de Borges, Piglia e Bioy Casares – alardeiam. Mas o que dizer dos cânticos pachecos que avacalham o Maradona com base em dependência química? Já imaginaram se os rivais cometessem a baixeza de tripudiar sobre o alcoolismo do Garrincha? Uns não representam todos.
Pecado pior, só preferir que a Alemanha passasse às oitavas. Depois do 7 a 1, coisa de brasileiro de baixa estima… Não adianta responder que seria mais regozijante derrotar os alemães em campo. Ou que, com mais campeões, mais eletrizante tenderia a ser o mata-mata. Quem pensa assim, vociferam os patrulheiros, é um cretino. E burro: havia possibilidade de o time do Kroos, eliminado ontem, encarar o Brasil já na próxima segunda-feira.
A patrulha não se satisfaz em silenciar; exige o silêncio de quem não cala.
Sugeriram que o sérvio Petkovic deveria torcer para o Brasil, e não para a Sérvia, porque cobre a Copa para uma emissora brasileira, o SporTV.
Um patrulheiro propôs parar de cobrar das autoridades a elucidação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes – 106 dias hoje. Assim ele se manifestou no Twitter: “Agora é Copa, amigo. Depois voltamos ao assunto Marielle”. A patrulha não se satisfaz em silenciar; exige o silêncio de quem não cala.
Insurge-se, no caso dos fãs do Maradona, contra quem suspeita que a performance dele durante o jogo da Argentina e Nigéria teve também o propósito de chamar a atenção. Outras patrulhas importunam quem é devoto do gênio que os seus conterrâneos chamam de Deus.
Os patrulheiros são intolerantes. E chatos diplomados. Em vez de tirar férias na Copa, multiplicam-se.
Xô, praga!
Coutinho-Neymar, e não Neymar-Coutinho
Tite resistiu às pressões e manteve o quarteto ofensivo, com Coutinho, Neymar, Gabriel Jesus e Willian. A seleção fez sua melhor partida na Copa ao bater ontem a Sérvia por 2 a 0 e passar às oitavas. O Brasil é favorito contra o México na segunda-feira.
Coutinho, com dois gols e um passe para gol, foi nosso melhor jogador na primeira fase. A dupla tem sido Coutinho-Neymar, e não Neymar-Coutinho. Neymar melhorou ontem, trocando mais passes, passando com presteza, e por isso sofrendo menos faltas. Ainda não foi importante como Messi para a Argentina (no terceiro jogo) e Cristiano Ronaldo para Portugal (nos dois primeiros). Nem deve ser, porque a seleção brasileira tem elenco superior ao dos argentinos e dos portugueses, e por isso depende menos de um só boleiro.
Thiago Silva e Miranda vêm muito bem, a despeito do mole do segundo contra a Suíça. Idem Casemiro e mais gente. Gabriel Jesus pode – poder tudo pode – decidir a Copa, mas Firmino, no banco, pede passagem. Paulinho, com um gol lindo, e Willian evoluíram. A seleção não deu show, mas transmitiu a confiança que faltava. Tem bola para buscar o hexa. Se buscará ou não são outros quinhentos.
Com a eliminação da Alemanha, nenhum país pode igualar em 2018 o penta brasileiro. Os alemães não costumam se dar bem na Rússia, mesmo sem o general inverno para atrapalhar. Talvez tenham sentido falta da camisa rubro-negra de 2014. Foram alvejados pela maldição de o vencedor da Copa das Confederações malograr no Mundial vindouro. E de o campeão fracassar na fase inicial da edição seguinte.
A síndrome do jacaré liquidou a equipe: quem fica parado vira bolsa de madame. Não se aprimoraram. O técnico Joachim Löw apostou demais na geração que triunfou no Brasil. Perderam para México e Coreia do Sul. Estão fora. Um vexame.
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