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Temer usa R$777 mi que conectariam estudantes à internet para pagar o diesel dos caminhoneiros

Dinheiro deveria ser aplicado na universalização da conexão, mas foi usado pelo Exército no desbloqueio de estradas e no subsídio ao diesel.

Montagem: The Intercept Brasil

Quase metade da população brasileira ainda não tem acesso à internet. E o governo tirou R$777 milhões que deveriam ser destinados a conectar essas pessoas – especialmente a população mais pobre, escolas, bibliotecas, instituições de saúde, atendimento a áreas remotas e assistência a deficientes – para pagar a conta do diesel e colocar um fim à greve dos caminhoneiros. O remanejo do dinheiro, que contraria o que diz a lei, está na Medida Provisória que anunciou a realocação de verbas para estancar a sangria da greve.

Com o caos da paralisação, o presidente Michel Temer precisou atender a principal reivindicação dos grevistas: diesel mais barato. Além de retirar dinheiro da saúde e da educação, a manobra para acabar com o movimento que parou o país impactou, também, a verba que deveria ser usada para conectar mais gente à internet.

O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, o Fust, criado em 2000 para atender esta demanda, arrecada cerca de R$1 bilhão por ano, dinheiro que vem principalmente das concessões e impostos pagos pelas empresas de telecom no Brasil.

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No total, R$777 milhões do fundo foram destinados à “subvenção econômica à comercialização do óleo diesel” e “para operações de garantia da Lei e da Ordem”, conforme a Medida Provisória 839, publicada em 30 de maio de 2018. O governo precisou mexer, ao todo, em R$9 bilhões para chegar a um acordo com os caminhoneiros – programas de enfrentamento à violência contra a mulher e promoção dos direitos da juventude também foram cancelados.

A greve chegou ao fim quando o governo autorizou um desconto de R$0,46 no preço no diesel. Parte desse valor vem da redução de impostos (R$0,16) e parte do programa de subsídio – dinheiro que deveria garantir conexão à internet para a parcela mais pobre do país.

“Cortar dinheiro do fundo de universalização de telecomunicações significa levar menos acesso à internet para escolas, ignorar áreas rurais e outras sem interesse comercial e deixar de investir em infraestrutura que poderia ser compartilhada por pequenos e médios provedores”, diz Rafael Zanatta, líder do programa de direitos digitais do Instituto Brasileiro de Direitos do Consumidor. “É um desvio de finalidade que não podemos permitir.”

Conexão não é prioridade

Hoje 46% dos brasileiros ainda não têm acesso à internet. Essa desconexão acontece principalmente nas áreas rurais e entre a população mais pobre. Nas classes D e E o problema é crônico: mais de 76% das pessoas ainda não estão conectadas. E essa não tem sido uma prioridade dos últimos governos.

O Fust foi criado na privatização das empresas de telecomunicações para garantir o serviço a todos. Como as telecoms têm seu modelo de expansão orientado pelo mercado – e portanto, focam seus investimentos em áreas com maior potencial lucrativo –, o fundo seria uma maneira de garantir o acesso em regiões que dão prejuízo.

Só que, na prática, ele não funcionou. Segundo o Tribunal de Contas da União, entre 2001 e 2015, só 0,192% da verba de R$16,05 bilhões foi aplicada para os fins descritos na lei. Desde então, o cenário só piorou: o Fust se tornou uma espécie de poupança tapa-buraco, aplicada para os mais devidos fins, de aposentadorias à cobertura de déficits orçamentários.

Foi algo parecido com o que aconteceu com o FDD, o Fundo de Direitos Difusos, mecanismo criado em 1985 para garantir reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a outros valores por infração à ordem econômica. Multas aplicadas em Ações Civis Públicas vão para esse fundo, que arrecadou mais de R$1,7 bilhão entre 2011 e 2016. Só que, nos últimos anos, só uma mínima porcentagem dele foi usada para reparação dos danos – o valor tem sido sistematicamente incorporado ao orçamento do governo federal. “É como se a união tratasse as verbas arrecadadas – todas decorrentes de ato ilícito – como tributos”, exemplifica o Ministério Público, que entende que a apropriação é ilegal. Segundo o Idec, a ilegalidade do desvio de verba também vale para o que foi feito com o fundo que deveria aumentar o acesso à internet.

A manobra de Temer não é nova. Mas o presidente passou por cima do TCU e selou a possibilidade de o fundo ser aplicado para um fim completamente diferente do que diz a lei de forma impune.

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