Ricardo Leite é o ministro interino do Trabalho até sábado. O decreto, assinado por Michel Temer e pelo ministro Caio Vieira de Mello, foi publicado, sem alarde, na edição de ontem do Diário Oficial da União. Leite foi um dos responsáveis pela portaria que pretendia afrouxar a fiscalização do trabalho escravo no Brasil.
A medida, de outubro do ano passado, aumentava os requisitos que caracterizam o trabalho escravo – o trabalhador, por exemplo, tinha que ter restringido o direito de ir e vir por meio de ameaças e punições. Ou seja: teria que estar preso.
Publicada uma semana antes da votação da segunda denúncia contra Temer na Câmara – sob pressão de deputados da bancada ruralista –, a portaria foi alvo de críticas no Brasil e no exterior e classificada como um “retrocesso” por juízes do Trabalho e pela Procuradoria Geral da República. Dias depois, a medida foi suspensa pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, que a considerou inconstitucional.
Naquele mesmo outubro, enquanto agia nos bastidores para afrouxar as definições de trabalho escravo, em público Leite se posicionava como um defensor dos trabalhadores. “Essa conduta bárbara, criminosa, monstruosa do trabalho escravo ofende os ditames constitucionais mais fundamentais que tratam da dignidade da pessoa humana. Então, é algo que é do interesse público o enfrentamento fortíssimo dessa chaga que ainda toma o país em vários locais, urbano ou rural”, disse ele na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
O Ministério acabou reeditando a norma em dezembro, com regras mais realistas, e o então ministro do trabalho, Ronaldo Nogueira, do PTB gaúcho, deixou o cargo para “se dedicar à campanha eleitoral”.
O pedido para modificar as regras de fiscalização do trabalho escravo foi feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias ao Ministério do Planejamento, que o redirecionou ao Trabalho. Até a publicação da portaria, o único parecer sobre o caso fora dado pela consultoria jurídica do Ministério, sem nenhum questionamento às áreas técnicas que trabalham com trabalho escravo. O parecer foi endossado por Ricardo Leite, o responsável pelo setor.
Funcionários do alto escalão do Ministério, ouvidos por mim, dizem que “a orientação para a edição da portaria” partiu do próprio Leite, que era o braço direito do ministro Vieira. Ele teria, ainda, participado de reuniões com Temer e Nogueira após as repercussões negativas do caso. A transformação de Leite em ministro interino é uma forma de tentar colar prestígio nele depois do desgaste de sua imagem.
A escolha de um consultor jurídico para assumir o ministério interinamente é um ponto fora da curva. Geralmente a função é dada ao secretário-executivo. A opção por Leite, segundo o próprio ministério, ocorreu pela “proximidade” dele com o ministro. Ainda de acordo com a pasta, “não há relação” entre a portaria do trabalho escravo e a promoção do consultor.
Leite foi intimado a prestar esclarecimentos à Procuradoria sobre o parecer que tratava de trabalho escravo, mas desmarcou o compromisso duas horas antes, “numa explícita demonstração de falta de interesse de contribuir para elucidação dos fatos”, de acordo com a ação de improbidade administrativa apresentada pela procuradoria contra Ronaldo Nogueira.
Foto em destaque: Ricardo Leite, procurador da Advocacia Geral da União lotado junto ao Ministério do Trabalho desde 2016
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