O governo de Michel Temer segue sua sanha em cortar gastos públicos direcionados aos mais pobres. A última tesourada veio na forma de um decreto que irá dificultar o pagamento do Benefício de Prestação Continuada, o BPC, um salário mínimo mensal pago a pessoas com deficiência ou com mais de 65 anos em situação de miséria. O governo afirma querer evitar fraudes no sistema, mas na prática poderá suspender o pagamento diante de meras suspeitas de maracutaia sem aviso prévio. Endereço desatualizado e erros simples em preenchimento de documentos, por exemplo, poderão ser suficientes para que o benefício seja bloqueado. Como se sabe, grandes fraudes fiscais de grandes bancos e empresas costumam contar com a benevolência do governo federal, que adia, parcela, e até perdoa as dívidas.
Como se já não bastasse o Executivo abrir a torneira para os poderosos e fechar para os miseráveis, o Judiciário não tem medido esforços em aumentar ainda mais a sua privilegiadíssima participação no orçamento do Estado. Em um país em que quase 15 milhões de pessoas estão em situação de pobreza extrema — número que subiu 11,2% nos últimos dois anos —, o STF decidiu se dar um aumento de 16,38%. Por 7 votos a 4, prevaleceu a ideia de que chegou a hora dos magistrados receberem reajuste, já que estão há 4 anos sem. Como o salário dos ministros representa o teto do funcionalismo público e serve como base para o resto do judiciário, o efeito cascata de aumentos será devastador para o orçamento. O Ministério Público já deu o mesmo aumento para os procuradores e, inevitavelmente, Executivo e Legislativo farão o mesmo. Consultores técnicos do Congresso avaliam que haverá um impacto de R$ 4 bilhões nos cofres da União e dos Estados.
Comparada com países ricos, a remuneração dos juízes brasileiros é um disparate. Segundo reportagem da BBC, um juiz da Suprema Corte na Europa ganha aproximadamente 4,5 vezes mais que a renda média do trabalhador europeu. No Brasil, um ministro do Supremo ganha 16 vezes mais que o trabalhador brasileiro. O custo de um magistrado (juízes, desembargadores, ministros) para o país é de R$ 47,7 mil mensais, o que representa 20 vezes a renda média do trabalhador brasileiro.
Mesmo empanturrados por auxílios, benefícios e um número sem fim de privilégios, a casta judiciária não demonstra o mínimo pudor em alargar ainda mais o abismo social que há entre os brasileiros. A bolha judiciária é confortável, quentinha, tem 3 meses de férias remuneradas, e deverá permanecer assim, protegida da crise que assola o país.
Em ofício enviado ao STF, entidades representativas de juízes e promotores pressionaram os ministros pelo aumento com justificativas de partir o coração. Segundo elas, negar o aumento seria “condenar os magistrados a serem os únicos a sofrerem, sem recomposição, a dureza da inflação”. Parece que o sofrimento desses trabalhadores tem sido enorme e a falta do reajuste representaria uma “insuportável perda monetária acumulada”. É, não está fácil pra ninguém.
Lewandowski, sem dúvida nenhuma, tem sido o principal porta-voz desses sofredores do judiciário. Desde o governo Dilma, quando o judiciário teve aumento vetado, o magistrado vem fazendo lobby para receber aumento. Ficou famoso o áudio que registrou uma conversa entre Sérgio Machado e Renan, em que este último afirma que Dilma teria lhe dito que recebeu Lewandowski durante a crise do impeachment para encontrar uma saída para o Brasil, mas “ele só veio falar de aumento”. Durante a sessão que aprovou o reajuste, a obsessão de Lewandowski ganhou a forma de um choramingo: “a situação do aposentados e pensionistas é de extrema penúria. Muitos não conseguem pagar o plano de saúde”. Posso imaginar o sofrimento que deve ser para um magistrado aposentado depender do SUS — como 70% dos brasileiros —, ainda mais agora que os investimentos públicos em saúde ficarão congelados por duas décadas.
No dia seguinte à aprovação do aumento, Lewandovski nos trouxe uma justificativa ainda melhor. “Vocês repararam que os juízes de Curitiba devolveram R$ 1 bilhão de dinheiro desviado da Petrobras?”, perguntou aos jornalistas. É como se o reajuste fosse um prêmio por produtividade ou uma comissão pela prestação de um serviço que não passa de obrigação. Fico aqui imaginando se policiais militares, com seus salários miseráveis, pudessem usar o mesmo tipo de justificativa para receber aumento. E por falar em Curitiba, lembremos que Sérgio Moro defendeu o recebimento do auxílio-moradia — mesmo tendo casa própria a 3 km do trabalho — para compensar a falta de reajuste. Vamos ver se o juiz irá abrir mão do auxílio agora.
Por outro lado, a presidenta Cármen Lúcia, que votou contra o reajuste, aproveitou para fazer algo que tem sido habitual no seu mandato: jogou pra torcida. Diante da aprovação do aumento, lavou as mãos e parafraseou Darcy Ribeiro: “Perdi, mas não queria estar do lado dos vencedores”, uma frase demagoga feita logo após decisão votada pela maioria dos membros, o que não me parece adequada pra quem preside uma corte superior. Ainda mais quando essa decisão aumentará o seu já nababesco salário em quase R$ 6 mil.
O reajuste reflete o caráter elitista do judiciário, o que não é uma novidade. Dentro da sua bolha de privilégios, não são capazes de enxergar a situação de outros servidores públicos, como os professores por exemplo, que tomam borrachada da PM quando reivindicam reajustes para seus salários de fome.
Me parece claro que juízes ocupam função fundamental para a democracia e devem, sim, ganhar bons salários. Mas é escandaloso que em tempos de crise fiscal, desemprego em massa, fechamento de centros de pesquisa, redução de salários e cortes em investimento em serviços públicos fundamentais, juízes se comportem como monarcas completamente alheios à realidade do país em que vivem. Embriagados pelas regalias sustentadas pelo povo, os magistrados brasileiros demonstram uma insensibilidade social inaceitável para quem deveria ser exemplo de justiça e ética.
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