Se há algo que me tira do sério são os abutres que têm surgido no cenário eleitoral querendo se aproveitar da carniça que virou a política brasileira nos últimos anos. Aqueles que se vendem como novidade para enfeitiçar o eleitor cansado, perdido e que não se sente representado por ninguém. Aberrações como João Doria Jr. e o partido Novo, por exemplo, se apresentam com alguns penduricalhos pretensamente inovadores, mas na essência representam o que há de mais antiquado. Não há novidade quando empresários e banqueiros milionários — que enriqueceram à sombra da velha política — abrem mão de salário público e fundo partidário para poder arrotar superioridade moral. O que há é demagogia. Tentam conferir um ar de antiestablishment a si próprios, mas nasceram e se criaram dentro do sistema, e nenhuma das novidades propostas pretende arranhar seus privilégios.
Ricardo Salles é presidente do Movimento Endireita Brasil e um dos principais candidatos a deputado federal pelo Novo. Há uma semana, ele apareceu em vídeo postado no Facebook contando a história do movimento que preside e aproveitou para desfilar seu currículo no mundo da política partidária. Tratava-se claramente de uma peça de campanha eleitoral disfarçada, feita para driblar a legislação eleitoral, que proíbe propaganda extemporânea. Salles finaliza o vídeo em tom triunfal, dizendo que 2018 é o “grande momento da mudança, o momento do novo, o momento da nova política, das novas ideias e das novas posturas”.
Começada a campanha, é chegado o momento de conferir as novas ideias e posturas do candidato. Apreciemos um dos santinhos de Ricardo Salles:
Não sei se incitação ao crime contra adversários políticos pode ser considerada uma novidade na política. Salles escolheu o número 3006, uma referência ao calibre da bala que aparece no santinho, o que também não chega a ser uma novidade. O então candidato a deputado federal Delegado Waldir (PSDB) apresentava o número 4500, e seu slogan era “45 do calibre, 00 da algema”.
O partido Novo rechaçou publicamente o candidato logo após a publicação da imagem, que claramente possui conteúdo ilegal.
Se o partido desaprova e “diverge totalmente” dessa aberração, como é que aceitou que o criador dela se tornasse um dos seus principais candidatos a deputado federal?
O Novo costuma se jactar de ter um processo seletivo rigoroso, diferentemente dos demais partidos. Segundo o seu fundador e candidato a presidente João Amoêdo, a legenda escolhe seus candidatos buscando “identificar pessoas com potencial para a política, mas sem histórico no ramo”.
Mas então Ricardo Salles não tem histórico no ramo? Ô se tem. Vejamos quais são as novidades do seu currículo que podem ter encantado o partido de Amoêdo.
Formado em direito, Salles fundou o Movimento Endireita Brasil com quatro amigos em 2006. Nesse mesmo ano, estreou na política partidária, quando tentou uma vaga na Câmara pelo então PFL. Derrotado, viajou para os EUA no ano seguinte para receber um treinamento do Leadership Institute, um think tank conservador cuja principal missão é formar líderes conservadores. Em 2010, tentou mais uma vez um cargo público, dessa vez como deputado estadual pelo DEM, mas perdeu novamente.
Se o povo não lhe concedeu nenhum cargo público, Geraldo Alckmin resolveu esse problema. E não foi qualquer carguinho. Em 2013, Salles foi nomeado secretário particular do governador, uma função importante dentro do governo. Nessa época, o Movimento Endireita Brasil estava de vento em popa, e a página do grupo no Facebook já era uma referência para os reacionários brasileiros. Lá, eles faziam uma oposição radical aos governos petistas, se posicionavam radicalmente contra o casamento gay e defendiam, entre outros absurdos, a ditadura militar. O nível do Endireita Brasil é tão rasteiro que o grupo chegou a oferecer R$ 1000,00 para quem hostilizasse Ciro Gomes em um restaurante de São Paulo. Salles também chama o golpe de 64 de “movimento de 31 de março” e considera que “felizmente tivemos uma ditadura de direita no Brasil”.Tucanos que lutaram contra a ditadura, como Aloysio Nunes e Alberto Goldman, demonstraram publicamente incômodo com sua presença no governo. Um incômodo que, cinco anos depois, não seria compartilhado pelo partido Novo, que colocou a candidatura de Ricardo Salles na linha de frente sem nenhum problema.
Mas não é só isso. Ainda há um museu de grandes novidades no currículo do candidato do Novo. Com todas essas credenciais reacionárias, ele manteve seu prestígio com Alckmin e, em 2016, foi alçado à condição de secretário do Meio Ambiente, na qual colecionou inquéritos do Ministério Público. Agora filiado ao PP, Salles revelou um perfil truculento e autoritário no comando da secretaria. Sua gestão ficou marcada mais pela subserviência à iniciativa privada do que pelo zelo com o meio ambiente.
O Ministério Público abriu um inquérito para investigar a interferência da Fiesp no processo de elaboração do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê. A investigação colheu depoimentos de funcionários da secretaria que confirmaram alterações na minuta e nos mapas que modificaram o zoneamento da área protegida, tornando-a mais permissiva a atividades industriais e minerais. Ricardo Salles usou um cargo público para atender a interesses da Fiesp. Que grande novidade! O fato incomodou até o próprio PP, que pediu a sua saída do governo.
Poucos dias antes de entregar o cargo, Salles aprontou outra que também se tornaria alvo de inquérito do Ministério Público. Em visita à cidade de Cajati (SP), ficou enfezado ao ver o busto do guerrilheiro Carlos Lamarca instalado em um parque estadual e, como um ditadorzinho, ordenou que fosse demolido, sem consultar a população local nem nenhum vereador da cidade. Segundo ele, o busto de Lamarca estava “plantando o comunismo no coração das crianças”. Nem o Cabo Daciolo faria melhor. Há outros inquéritos de improbidade administrativa instaurados contra Salles enquanto esteve em cargo público, mas vou parar por aqui para não cansar o leitor com tantas barbaridades.
A posição do Novo contra a propaganda eleitoral de Salles incitando o crime é quase irrelevante. Como é que um cidadão com um histórico desses na velha política passou pelo filtro pretensamente inovador do partido? Qual a novidade em um político que é ultrarreacionário, antidemocrático e antiético?
Ou devemos crer que o partido só foi conhecer o comportamento de um dos seus principais candidatos quando começou a campanha? É claro que o Novo sabia exatamente o que estava comprando: um Bolsonaro perfumado.
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