A crise econômica que atinge o Brasil desde 2014 já impactou o orçamento do governo, o comércio, a indústria e o setor da construção, que encolheu pelo menos 21%. Há, no entanto, as empresas que permaneceram imunes à recessão – uma delas é a construtora MRV.
Enquanto a economia do país se desintegrava, a construtora continuou a crescer e comprar terrenos em todo o país. Na semana passada, a empresa anunciou mais um recorde histórico de lucro: foram R$ 166 milhões no segundo trimestre, um aumento de 17,9% em relação ao mesmo período de 2017. Os resultados reluzentes fizeram seu fundador, Rubens Menin, ser agraciado recentemente como empreendedor do ano em um prêmio internacional.
A performance extraordinária da empresa é facilmente explicada pela relação dela com o governo federal: a MRV é a maior beneficiada pelo Minha Casa Minha Vida, o maior programa de habitação que o país já teve. Nos últimos dez anos, 77,8% dos lançamentos da empresa foram dentro do programa.
A MRV teve o privilégio de ajudar as criar as regras do jogo que ela mesma joga. A construtora foi uma das sete empresas que participaram da elaboração do Minha Casa Minha Vida em diversas reuniões com a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, após a crise de 2008. Com o programa, o governo buscava atacar dois problemas de uma vez: a falta de moradias e a crise na construção civil. Foi mais bem sucedida no segundo – enquanto o déficit habitacional manteve-se praticamente estável desde 2009, o mercado de construção civil praticamente dobrou o número de estabelecimentos construídos nesse período.
Nesse processo, algumas construtoras ganharam mais do que outras, e o programa fez a MRV se tornar a maior construtora do país. Em quatro anos, saltou de um modesto décimo segundo lugar no ranking das empreiteiras brasileiras para o primeiro, lugar de onde nunca mais saiu.
Para influenciar o poder público, Rubens Menin criou a Abrainc, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias. Através da associação, a MRV fez sua parte no lobby por vários dos retrocessos que o país teve nos últimos anos. Com uma ação no Supremo Tribunal Federal, a associação conseguiu a suspensão da lista suja do trabalho escravo, um cadastro que cortava o crédito público de quem fosse flagrado pelo crime. A reforma trabalhista e a legalização da terceirização irrestrita também tiveram uma forte atuação da associação.
A MRV também esteve presente na tentativa do governo Temer de mudar as normas sobre trabalho escravo no país, quando relatórios que mostravam trabalho escravo em canteiros de obra da empresa acabaram na mesa do presidente Michel Temer. O presidente afirmava que a empresa havia sido injustiçada, e a usava como justificativa para reduzir o conceito de trabalho escravo no país.
Confortável nessas eleições
A MRV não atua na modalidade do Minha Casa Minha Vida que atende as parcelas mais pobres da população, a faixa 1 do programa, que usa dinheiro do orçamento do governo a fundo perdido e atende as famílias de até R$ 1,8 mil.
A empresa se especializou nas outras faixas do Minha Casa Minha Vida, dedicadas a famílias que recebem até R$ 7 mil. Nelas, o dinheiro não vem diretamente do orçamento do governo, mas do crédito subsidiado do FGTS.
O fundo, mantido com uma espécie de poupança forçada dos trabalhadores, é de onde vem a maior parte do financiamento da empresa. No último trimestre, 98% do crédito obtido para as construções da MRV foi feito com dinheiro do FGTS.
E a MRV quer mais
A empresa se prepara para nova expansão. Ela possui 43,2 mil terrenos que já possuem alváras de construção, cujas estimativas de venda seriam de R$ 6,51 bilhões.
Ao anunciar os recordes aos acionistas na última semana, Rafael Menin, filho do fundador da empresa, escancarou a sua capacidade de influenciar o jogo político. Disse que vem conversando com todos os principais candidatos e também com os economistas que têm elaborado os programas de governo.
“É interessante observar que todos eles enxergam com muitos bons olhos o programa Minha Casa Minha Vida”, disse o empresário, antes de demonstrar a sua tranquilidade. “Isso nos dá um conforto de longo prazo.”
Após a fala de Menin, um consultor do banco Bradesco insistiu na possibilidade de mudança nas regras do Minha Casa Minha Vida. Após reiterar o diálogo que tem tido com os candidatos, um diretor da empresa arrematou não ter “nada no horizonte” que o preocupasse. “Tô relativamente tranquilo em relação a isso aí.”
Essa perspectiva otimista da MRV contrasta com o de outros empresas de capital aberto de outros setores, ansiosas com o resultado das urnas em outubro. Enquanto elas tentam prever como ficará a economia diante da eleição de cada candidato, a vitória da MRV já parece garantida.
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