Em novembro, um corte nas horas extras levou os funcionários da rede de supermercados Mundial, no Rio de Janeiro, a entrarem em greve. Nos meses seguintes, os grevistas passaram a ser perseguidos e mandados embora aos poucos, por motivos diversos. Agora, nove meses depois, trabalhadores da rede cruzaram os braços novamente, mas dessa vez a reação foi mais rápida: menos de 24 horas após a paralisação, ao menos 40 pessoas foram demitidas.
“Foi uma retaliação porque toda a loja parou, e, pela quantidade de cartas [de demissão] que estavam no RH, todos seriam demitidos. Mas, como o Ministério do Trabalho estava na loja no momento, eles pararam, porque sabiam que era arbitrário, foi uma demissão coletiva, após uma paralisação. Eles queriam mandar um recado para as lojas”, contou uma das ex-funcionárias demitidas que, por medo, não quis se identificar.
Na época da primeira greve, as lideranças chegaram a afirmar ao Intercept que estavam lutando por algo que não iriam desfrutar, pois tinham certeza da demissão.
A nova paralisação aconteceu na unidade Riachuelo e reivindicava reajuste salarial e o retorno dos 100% de horas extras pelos domingos e feriados trabalhados, benefício cortado após o presidente Michel Temer assinar um decreto tornando os supermercados uma atividade essencial. Assim, empresários passaram a ter respaldo jurídico para não pagar hora extra pelos domingos e feriados.
O pagamento dos trabalhadores da rede é feito da seguinte forma: 40% no início do mês e o restante no fim, quando se somavam as horas extras. Com as mudanças, quem recebia R$ 1.400 no final do mês passou a receber R$ 700.
Na ocasião, Temer afirmou que a legislação estava sendo atualizada “em favor dos empresários e do povo brasileiro que quer ir ao mercado no feriado e fim de semana”. Os trabalhadores que dependiam dos 100% foram esquecidos.
“É um corte muito grande para quem vive de aluguel, para quem tem que pagar uma babá para olhar os filhos. O aumento agora foi de 2% que dá cerca de 60 centavos por dia, isso é muito pouco. A gente começou com um salário e agora estava com um salário que não dá pra manter a vida. Acabei de passar por uma crise de chegar até a faltar alimento em casa, nem sei mais o que é sair com as minhas filhas, é realmente só para pagar contas”, afirma a ex-funcionária.
A greve do ano passado nasceu de forma espontânea, e o movimento se espalhou em grupos de WhatsApp. Desta vez, a paralisação surgiu de uma mobilização do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro que expôs as propostas apresentadas pelo sindicato que representa os donos dos supermercados na porta do mercado para os trabalhadores que chegavam para abrir a loja. Ao ouvir que teriam apenas 1,5% de reajuste, 30 minutos de almoço e jornada de 12hx36h, quando o funcionário trabalha por 12 horas seguidas e, em troca, folga um dia e meio, os funcionários decidiram parar.
No dia seguinte, os trabalhadores que participaram da paralisação chegaram ao Mundial e encontraram novos funcionários. Ao final do turno, foram informados da demissão.
“O Mundial se adiantou e deu os 2% antes de fecharmos a convenção coletiva para tentar frear nossa mobilização. Foram os trabalhadores que pediram para que a questão dos 100% dos feriados e domingos fosse incluída na pauta”, explicou Sandra de Carvalho, vice-presidente do Sindicato dos Comerciários. Essa foi a primeira de uma série de paralisações. Também houve manifestações nos supermercados Guanabara, Campeão e nas lojas C&A e Marisa.
O Ministério Público do Trabalho foi acionado pelo sindicato –- que está prestando assistência jurídica para 22 demitidos –, mas trabalhadores falam em pelo menos 40 demissões. A princípio, me explicou João Carlos Teixeira, procurador plantonista que atendeu o caso, a lei assegura o direito à greve e impede que os funcionários sejam demitidos. Mas, diz ele, a situação no Mundial “parece mais delicada, pois, embora tenha havido uma paralisação dos trabalhadores não houve a observância dos procedimentos para deflagração da greve”, como a necessidade de avisar o empregador sobre a paralisação com 72h de antecedência, prevista para atividades consideradas essenciais.
O Ministério Público do Trabalho investiga a situação e ouviu representantes do Mundial e do Sindicato dos Comerciários.
Em maio deste ano, uma das funcionárias que aparecem no vídeo foi demitida. Segundo ela, logo após a greve passou a sofrer perseguição.
“O coordenador ficava em cima da gente o tempo todo, a gente não podia conversar com ninguém. Para uns éramos heróis e para outros parecíamos pessoas com doença contagiosa. Todo mundo que participou estava bem afastado na loja. Separaram os nossos horários. Eu passei a pegar o caixa que mais trabalha, era ralação da hora que eu chegava até a hora que eu ia embora. Até a rendição demorava, não conseguia tirar hora de lanche. Às vezes, quando ia comer, não tinha mais comida”, contou.
De acordo com os trabalhadores, o mercado está trocando a equipe das lojas e demitindo os funcionários antigos que no passado ganharam as horas extras dos feriados e domingos. Os novos contratos não teriam esses direitos assegurados. A paralisação motivou as demissões de forma coletiva.
O Mundial possui 18 supermercados e está abrindo mais duas unidades este ano. A rede é uma das maiores do Rio de Janeiro e tem estimativa de faturamento de R$ 3,5 bilhões anuais.
Não existe outro lado
Questionamos o Mundial via assessoria de imprensa sobre a situação relatada pelos funcionários, mas a empresa decidiu não se posicionar sobre o assunto.
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