Entramos no grupo público de WhatsApp Resenha Política em julho para uma experiência antropológica: acompanhar as 256 pessoas que lá passam o dia tratando de política e segurança pública e também compartilhando algumas fake news. O grupo é quente e as conversas rendem tipo 2,5 mil mensagens por dia (!). No entanto, os debates apaixonados acontecem mesmo quando os integrantes falam de seu principal assunto: Jair Bolsonaro. “É contra o aborto, é contra o kit gay nas escolas, é contra a ideologia de gênero. É por isso e muito mais que eu voto e faço campanha de graça para Jair Messias Bolsonaro”, disse um participante, elencando seus motivos.
Os aficcionados do Resenha Política foram os escolhidos para receber em primeira mão o anúncio do lançamento do Bolsocop, um programa de computador que não poderia ser mais descarado: ele transforma os usuários que instalam o arquivo .exe em robôs de spam, que compartilham automaticamente no Facebook publicações da campanha do deputado.
O Bolsocop nada mais é do que uma espécie de browser com as cores da bandeira nacional (lógico) que serve basicamente para abrir o Facebook. O usuário deve entrar com login e senha pessoal. Instalado e logado no rede, o aplicativo começa a postar automaticamente conteúdos dos perfis oficiais do Bolsonaro em todos os grupos ao qual o usuário tem acesso e também em sua timeline. A pessoa vira um replicador zumbi de conteúdos, dando impressão que, publicamente, os assuntos são mais relevantes do que de fato são.
O objetivo do Bolsocop – que parece uma alusão ao Robocop, o policial humanóide –, segundo seu anúncio oficial, é criar um “exército de robôs” para combater as fake news relacionadas ao candidato. E ainda torce: “Imagine quantos milhões de pessoas podemos alcançar por dia? Podemos eleger Bolsonaro no primeiro turno”. Acontece que o Bolsocop viola a Lei das Eleições, que proíbe o uso de perfis falsos e robôs nas redes sociais para fazer propaganda eleitoral.
A mensagem enviada ao Resenha Política não trazia informações sobre os responsáveis pelo programa, apenas um link para download. O arquivo tipo .exe é daqueles que podem, literalmente, fazer qualquer coisa com o computador da pessoa que o baixar – de espionar a câmera a roubar senhas de banco, por exemplo.
‘Sou um robô do Bolsonaro’
Fomos atrás dos responsáveis e descobrimos que o aplicativo foi desenvolvido por um site chamado JF Startup Studio, uma empresa de Ji-Paraná, em Rondônia, que promete desenvolver softwares que ajudam no desempenho de vendas ou anúncios, com produtos que enviam mensagens de WhatsApp ilimitado, aumentam seguidores e curtidas no Instagram. No site, o texto marqueteiro diz que a empresa é capaz de transformar “o seu computador em uma verdadeira máquina de vendas!”.
Ligamos para o número de telefone publicado no site. Quem nos atendeu foi Jonatas Freira da Silva, sócio da empresa. Ele diz que a iniciativa não tem vínculo formal com o candidato. “Nós desenvolvemos o programa voluntariamente para combater notícias falsas que muitos usuários do próprio Facebook espalham a respeito do Bolsonaro.”
Silva contou que irá votar (claro) em Bolsonaro e que cerca de 40 pessoas já estão usando o programa ativamente. Perguntamos se ele não acha que é um número pequeno de downloads. “Por enquanto só divulgamos o app em um grupo de amigos e fizemos alguns comentários em posts no perfil oficial do Bolsonaro convidando os apoiadores a baixar”, explicou.
Segundo Silva, uma versão mais elaborada do software seria lançada na terça-feira passada. Pouco antes da publicação da reportagem, questionamos em outro grupo de WhatsApp, o ‘BolsoCop – Somos robôs’, criado para tirar dúvidas sobre o aplicativo, sobre o lançamento da versão. Imediatamente fomos removidos do grupo pelo administrador, que disse aos demais: “Ele é jornalista de esquerda”.
Trapaças digitais
De acordo com o cientista político Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC e especialista em inclusão digital, o Bolsocop só está no ar porque a Justiça Eleitoral se preocupa apenas com a página online dos candidatos e dos partidos, deixando de lado os seguidores. É um flanco enorme: um outro app relacionado a Bolsonaro, que teve 10 mil downloads e também foi lançado por pessoas que se diziam “fãs” do candidato, estava espionando celulares.
“Todo mundo sabe que a campanha política na internet é minoritariamente feita pelo comitê oficial dos candidatos. Ela é realizada pelos apoiadores, muitas vezes pagos pelos candidatos, que agora estão utilizando robôs e replicadores automáticos”, explicou.
A replicação de conteúdo não é uma novidade. O MBL foi um dos que se beneficiou desse tipo de trapaça. Em março, o grupo criou um aplicativo que compartilhava seu conteúdo de forma automática na timeline dos usuários como se fossem eles próprios.
Facebook não permite ‘comportamento inautêntico coordenado’, mas aplicativos do tipo seguem funcionando.
Segundo Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab e autor de “Direito Eleitoral na Era Digital”, esse tipo de programa pode ser alvo de investigação na Justiça Eleitoral uma vez que serve para espalhar propaganda eleitoral.
O Facebook também faz sua própria cruzada para remover “comportamento inautêntico”, como define. Recentemente, a rede social informou que tirou do ar 72 grupos, 50 contas e cinco páginas no Brasil que violaram suas políticas de autenticidade e spam, por encorajar e permitir a obtenção de seguidores e curtidas, e até a troca de páginas, com o objetivo de ampliar o engajamento em busca de ganho financeiro. “Nós não permitimos um comportamento inautêntico coordenado”, disse o Facebook em uma nota. O Bolsocop, no entanto, segue operando.
Ilegais e coordenados
Bolsonaro conhece bem essa lógica da campanha. Com apenas nove segundos na televisão, o candidato aposta na internet – sobretudo no zapzap – para propagandear suas propostas. Como se apoia em uma ideia antimídia, vende a ilusão de que só o que seus canais oficiais propagandeiam é confiável para seu público. E seus eleitores compram a ideia, baixando aplicativos duvidosos – e ilegais – para fazer a campanha do candidato.
Dessa forma, os eleitores se expõem aos perigos de uma instalação, ressalta Erin Pinheiro, programadora do LabHacker. “Se o bot [robô] consegue controlar suas postagens em mídias sociais, com certeza, é o equivalente a um malware [softwares maliciosos que tentam infectar um computador ou dispositivo móvel]”.
A campanha de Bolsonaro informou, por telefone, que não têm envolvimento com os aplicativos.
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