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‘Já teve algum envolvimento com homossexualismo?’ A tropa de elite da Marinha quer saber.

Pergunta homofóbica, que coloca homossexualidade ao lado de furto e agiotagem, está no formulário de admissão de militares no Grumec.

'Já teve algum envolvimento com homossexualismo?’ A tropa de elite da Marinha quer saber.

O Grupamento de Mergulhadores de Combate é a tropa de elite da Marinha, comparada ao Bope do Rio de Janeiro e aos Navy Seals dos EUA. O Grumec, como é chamado, é conhecido pelo treinamento pesado e pelo alto nível técnico. Na semana passada, até o ator Rômulo Estrela pôde ser visto por lá fazendo um workshop para seu próximo personagem em uma novela da TV Globo. Mas nem todos são bem-vindos naquele lugar. Gays, por exemplo, não são. No formulário de admissão de novos recrutas, aplicado este ano, o Grumec perguntou explicitamente:

‘Já teve algum envolvimento com jogo, agiotagem, homossexualismo, furto?’

Quando foi convocado para servir no Grumec, Carlos Freitas* já havia passado por outros quartéis. Gay não assumido – ele tem medo do ambiente carregado de homofobia da corporação –, nunca tinha sido questionado abertamente sobre sua sexualidade. Até ver a papeleta de admissão, o formulário que deve ser preenchido pelos militares que entram no Grumec.

Papeleta de admissão do Grumec

Papeleta de admissão do Grumec coloca homossexualidade ao lado de furto e agiotagem.

  1. 1: ’PSO’: Plano de Segurança Orgânica.
  2. 2: A pergunta feita aos militares: ‘Já teve algum envolvimento com jogo, agiotagem, homossexualismo, furto?'
  3. 3: O documento, segundo a Marinha, é de ‘uso interno’.

“Eu fiquei em choque quando vi”, me contou o militar, que pediu para não ser identificado por correr risco de punição. Indignado, ele fotografou a papeleta no momento da admissão. “Tenho certeza que quem já teve alguma relação homossexual não marcou ‘sim’, até porque está explícito como algo pejorativo.”

Sim, está. Além de colocar a homossexualidade ao lado de crimes, como furto e agiotagem, o Grumec usa a palavra “homossexualismo” – o que é homofóbico, porque o sufixo “ismo” dá o sentido de doença à orientação sexual. A Organização Mundial da Saúde deixou de considerar a prática uma doença em 1990. Hoje, o termo recomendado para chamar quem tem relações afetivas com o mesmo sexo é “homossexualidade”.

A pergunta do Grumec aos militares não é apenas ofensiva, ela é criminosa. A discriminação por orientação sexual é inconstitucional – portanto, ilegal, mesmo em ambientes militares.

Até 2015, o Código Penal Militar tinha outras preocupações: classificava como crime o “ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito à administração militar”. Naquele ano, no entanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu retirar os termos “pederastia” e “homossexual ou não” do código. O argumento dos ministros foi que essas menções eram discriminatórias e inconstitucionais porque violavam os princípios de igualdade, dignidade, pluralidade e direito à privacidade.

A Marinha nega. Depois, admite.

O formulário homofóbico também está, segundo a fonte que enviou a fotografia ao Intercept, fixado no Plano de Segurança Orgânica, um conjunto de normas para proteger o quartel. Ou seja: para o Grumec, se relacionar com pessoas do mesmo sexo é um problema de segurança, no nível de furtar ou chantagear alguém.

Procurado, o Grumec negou a existência do formulário e me orientou a procurar o comando da Marinha, em Brasília. A corporação, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que o processo seletivo para servir em determinadas áreas tem avaliações psicológicas e físicas, mas também afirmou desconhecer o formulário e disse rejeitar “o uso de qualquer papeleta de admissão para a atividade, muito menos com questionamentos sobre opção sexual”.

Com as negativas oficiais, eu decidi buscar outra fonte para confirmar a autenticidade do documento. Conversei com José Rodrigues*, que também serve no Grumec. Ele me disse que a papeleta é verdadeira. “O documento existe e é confidencial.”

Entrei em contato novamente com a Marinha e a questionei mais uma vez sobre a autenticidade do papel. A corporação disse, enfim, que a cópia em posse do Intercept “é um modelo desatualizado”, utilizado, “à época”, “internamente para o credenciamento de segurança”. E argumentou que serve apenas para informação, jamais foi usado em processo seletivo.

“O referido questionário não faz parte do processo seletivo para militares servirem no Grupamento de Mergulhadores de Combate, bem como não está em vigor naquela organização militar ou em qualquer outra da Marinha”, escreveu a corporação.

A Marinha também não respondeu se há algum procedimento para manifestações de homofobia na corporação.

O uso da expressão “utilizado à época” não batia com nossa apuração. Eu tentei argumentar que a papeleta havia sido distribuída pelo Grumec este ano, e perguntei o que exatamente era o “credenciamento de segurança”, mas a tenente responsável pelo caso afirmou que não falaria nada além do que já estava na nota enviada a mim, assinada pelo Centro de Comunicação Social da Marinha.

Segundo o comunicado, o “respeito à dignidade da pessoa humana” é um dos “valores e preceitos éticos” cultuados pela corporação. “Nesse contexto, repudia-se qualquer atitude preconceituosa ou de intolerância no âmbito da Força Naval.”

A corporação não respondeu, no entanto, o que aconteceria com um recruta que assinalasse “sim” para a pergunta “você já teve algum envolvimento com jogo, agiotagem, homossexualismo, furto?”. A corporação vetaria a entrada de um militar no grupo especial? Ou simplesmente deixaria sua orientação sexual assinalada, ao lado de furto e agiotagem, por motivos de “segurança”?

Eles também não responderam se há algum procedimento prático do comando em relação a manifestações de homofobia em seus quartéis.

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