A coisa começou com uma série de tuítes disparados no sábado à noite por @pppholanda, perfil da jornalista Paula Holanda, que usa VOTEM LULA HADDAD como nome na rede social. Holanda soltou uma bomba: revelou que havia sido contratada por uma agência mineira de marketing digital chamada Lajoy para promover “conteúdo de esquerda” em seu perfil mas que, na verdade, a empresa estava pedindo para que ela e outros tuiteiros fizessem campanha política a favor de candidatos do PT – o que é proibido pela legislação eleitoral.
Um pedido para que ela publicasse tuítes elogiando o governador petista do Piauí, Wellington Dias, candidato à reeleição, foi o estopim para a revelação da jornalista, ela argumentou. “A intenção da pauta de hoje é divulgar & enaltecer a trajetória e as ações de Wellington Dias, que concorre ao seu quarto mandato de governador do Piauí”, disse o briefing enviado ao grupo de WhatsApp criado para juntar os influenciadores.
Holanda decidiu jogar o caso no ventilador das redes. “O combinado foi manter sigilo sobre a ação. Mas o combinado também foi que a ação seria de esquerda, não uma ação partidária”, ela escreveu em sua conta. “Eu comecei a ficar desconfiada pois as duas primeiras pautas eram sobre petistas. Minha desconfiança explodiu hoje, na terceira pauta, sobre o governador petista do piauí Wellington Dias”, afirmou.
Àquela altura, posts de influenciadores tecendo loas a Dias se avolumavam no Twitter. Mas não passou batido, para tuiteiros piauienses, que muitos dos que publicavam elogios ao governador sequer moravam no estado. Antes, Gleisi Hoffmann (candidata a deputada federal), Luiz Marinho (candidato a governador de São Paulo) e Lindbergh Farias (que tenta se reeleger senador) também tinham sido elogiados por membros do grupo. Os tuiteiros recebiam frases enlatadas pela Lajoy no grupo de WhatsApp e muitos deles simplesmente faziam cópia e cola em seus perfis no Twitter.
Um deles era o jornalista William de Lucca, de São Paulo. “Que @wdiaspi (perfil de Wellington Dias no Twitter) siga, ao lado de #LulaPresidente, fazendo o Piauí melhor! :)”, escreveu. Horas depois, ele apagou a publicação, registrando que por um mês fizera parte “de uma ação com outros ativistas para debater pautas progressistas aqui no Twitter”. E escreveu: “Quando topei, deixei claro que não falaria sobre o que não acredito, e assim o fiz. Por conta da condução da agência em relação a ação, eu me desliguei da mesma”, tuitou. A história ganhou vida própria no Twitter por meio das tags #MensalinhodoTwitter e #WellingtonDiasGate.
Campanha para o PT
Em um e-mail publicado nas redes e que teria sido enviado pela Lajoy aos influenciadores, a ação é bem mais explícita do que apenas “defender pautas de esquerda”. A agência cita especificamente o PT. “Estamos com um objetivo de fazer ações de militância política para a esquerda e eu gostaria de saber se você está aberta a conversar sobre uma ação nível Brasil para ativismo de partidos de esquerda, como PT, que defendem abertamente e são favoráveis a causa LGBT, empoderamento feminino, movimento negro, movimento dos trabalhadores, causa animal etc”, lê-se na mensagem.
No e-mail, Lula e Dilma também são mencionados: “O objetivo é realmente você publicar suas opiniões pessoais de apoio aos candidatos de esquerda que já trabalhamos, como por exemplo: Lula, Dilma etc”, prossegue o texto, antes de sugerir exemplos de pauta: “Fale sobre a candidatura do Lula de maneira descontraída”, “Fale como a direita não apoia e não sustenta abertamente os LGBTs e por aí vai…”
A mensagem revela os valores a serem pagos pelos tuítes. Cada influenciador aceitou postar ao menos uma vez por dia em sua conta pessoal – alguns deles têm dezenas de milhares de seguidores – as mensagem pré-cozidas pela Lajoy. “Temos de verba R$1.500,00 por mês para a entrega de 1 conteúdo por dia publicado na sua rede social mais relevante, pode ser 1 tweet, 1 story, você escolhe…” Noutras publicações que circularam pelo Twitter, falou-se em “ganhos mensais de até R$2.000”.
A Lajoy era só a ponta
A agência Lajoy, que fez os contatos com os tuiteiros, não era a responsável pela gênese da ação. Segundo sua dona, a também tuiteira Joyce Moreira Falete Mota, a empresa foi contratada por outra firma para buscar os influenciadores e ser o canal de comunicação com eles. Mas qual era essa outra empresa?
Ouvida pelos jornais O Globo e Folha, Joyce Moreira Falete Mota diz que o trabalho foi encomendado pela Beconnected. O Globo conseguiu falar com um dos sócios da Beconnected. Ele se chama Rodrigo Queles Teixeira Cardoso e disse “que sua empresa não foi contratada para fazer campanha eleitoral”. Mas confirmou que ela é contratada pelo PT desde junho “para fazer o monitoramento de redes sociais”. Ele negou que qualquer influenciador tenha recebido pelo serviço.
O Intercept teve acesso a um áudio enviado por Joyce a um influenciador que não aceitou participar da campanha. Nele, a dona da Lajoy diz que a compra de tuítes foi feita por uma plataforma chamada Follow, que pertence ao deputado federal Miguel Corrêa da Silva Júnior, que até janeiro deste ano era secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior em Minas e se licenciou para concorrer ao Senado pelo PT. A Follow fica no mesmo endereço da Beconnected, citada por Joyce publicamente como o comprador dos tuiteiros. “Surgiu um pedido de um cliente, que é uma plataforma chamada Follow”, diz Joyce, no áudio enviado ao influenciador. Ela revela também o tamanho do grupo: “Atualmente temos mais de 70 influenciadores de esquerda trabalhando conosco.” E termina: “Eu acho que já te mandei o e-mail com a proposta de remuneração, se você está de acordo com o valor…”.
Follow e Beconnected estão, ambas, registradas na sala 501 do Edifício Comercial Pavarotti, na rua Fernandes Tourinho, 669, na Savassi, em Belo Horizonte.
Sócios e assessores políticos
No mesmo endereço estão sediadas outras empresas cujos donos também são apadrinhados de Corrêa – a sala 501 do Condomínio Pavarotti funciona como uma espécie de gabinete informal do candidato ao Senado. Rodrigo Queles, ouvido pelo O Globo como sócio e porta-voz da Beconnected, foi assessor de Miguel Corrêa – segundo seu próprio currículo público – na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior em Minas.
O principal nome que circula pelo prédio é o de William Vinicius Lopes Camargos. Ele é sócio, juntamente com Queles, da Sharing, empresa aberta em maio deste ano e sediada na mesma sala 501. Camargos, que ocupa o cargo de diretor da Sharing, é um velho braço direito de Corrêa. Ele teve um cargo, em 2012, na Ouvidoria Parlamentar na Câmara dos Deputados em Brasília, enquanto o ouvidor era o próprio Miguel Corrêa.
Camargos é petista de carteirinha, literalmente. Ele faz parte do Conselho Fiscal do PT de Belo Horizonte, já apareceu na Secretaria de Estado de Governo de Minas e atualmente exerce uma secretaria executiva no governo do petista Fernando Pimentel. Ele também aparece como doador de R$ 6,5 mil para a campanha de Cristina Corrêa, irmã de Miguel. Ela concorreu a deputada estadual em 2014 e perdeu.
Outro sócio da Sharing é Breno Eduardo Neves Nolasco. Ele também está lotado na Secretaria de Ciência comandada por Miguel Corrêa.
Além da Lajoy, os influenciadores também eram contactados por uma pessoa cujo e-mail estava ligado a uma agência chamada Vbuilders ([email protected]). O texto do e-mail de alistamento era o mesmo usado pela Lajoy. Não encontramos a Vbuilders nas bases de dados das empresas brasileiras, mas uma busca pelo nome da firma nos levou a Luis Felipe Veloso de Lima, que se apresentava no LinkedIn como um de seus fundadores. A informação foi excluída de seu currículo, mas há ainda outra, mais interessante. Lima é cofundador da Golz, outra jovem empresa – ela foi aberta há pouco mais de um mês. Onde fica? No Edifício Pavarotti.
Antes de fundar a Golz, Lima trabalhou na Secretaria de Ciência de Miguel Corrêa. Em seu currículo público, ele diz que era “um dos responsáveis por gerir mais de 30 agentes de inovação, em 17 cidades do interior de Minas Gerais”, em um projeto chamado Minas Digital.
Há ainda uma última empresa instalada no Pavarotti. É a Formula Tecnologia Ltda, que tem como sócios o próprio candidato Miguel Corrêa e também Lidia Correa Alves Martins, membro do Diretório Municipal do PT de BH e ex-chefe de gabinete da Câmara Municipal de BH. Não conseguimos confirmar se ela tem parentesco com o deputado licenciado.
Crime eleitoral e velhas denúncias
Ontem, pelo Twitter, a procuradora Janice Ascari disse que o caso estava sendo apurado pelo Ministério Público Eleitoral. “Meus amigos procuradores eleitorais, especialmente os do Piauí, estão em plena atividade.”
A lei permite que partidos paguem apenas para impulsionar conteúdo em redes sociais – são permitidos posts patrocinados no Twitter ou no Facebook. Mas as publicações devem deixar claro que se trata de propaganda partidária e mencionar qual legenda está bancando. O que o MP tentará descobrir agora é a origem do dinheiro que teria alimentado as empresas ligadas a Miguel Corrêa.
Corrêa é político desde 2004, quando se elegeu vereador em Belo Horizonte pelo PPS. No ano seguinte, filiou-se ao PT. Elegeu-se deputado federal em 2006. Entre setembro de 2008 e março de 2009, foi vice-líder do PT na Câmara. Em 2010, foi reeleito e voltou a ser vice-líder do PT na Casa. Em 2014, conseguiu mais um mandato.
Em 2011, reportagem do jornal O Estado de Minas envolveu Corrêa na suspeita de desvio de dinheiro que deveria ser utilizado para beneficiar jovens mineiros. Segundo a denúncia, a verba serviu para bancar candidaturas de deputados da base de apoio do governo Lula e Dilma e para enriquecer um empresário.
Tratava-se do Instituto Mineiro de Desenvolvimento, o IMDC, que segundo reportagem do jornal “recebeu cerca de R$ 100 milhões, somente nos últimos quatro anos, de acordo com estimativa de publicações oficiais”. Parte do valor veio graças à emenda parlamentar de Corrêa, “que destinou emenda de R$ 400 mil a Belo Horizonte, para que o IMDC pudesse realizar o carnaval temporão da cidade. Corrêa admitiu a transação e se desculpou pela triangulação do recurso, que está sendo apurada pelo Ministério Público Federal.”
Corrêa é atualmente candidato ao Senado – faz dobradinha com a ex-presidente Dilma Rousseff na tentativa de levar as duas vagas a que Minas tem direito. Ao TSE, ele declarou bens que somam pouco mais de R$ 142 mil, a maioria em depósitos bancários e quotas de capital. Curiosamente, em 2014, dissera ter um patrimônio quatro vezes maior – R$ 580 mil, incluindo duas casas e um terreno que, juntos, tinham valor declarado de R$ 330 mil.
Atualização publicada às 16h38.
Sobre o caso da compra de tuiteiros, Corrêa respondeu, via assessoria que “trabalhou diretamente com o desenvolvimento de startups, deste trabalho surgiram diversos aplicativos dentre eles o Follow, app do qual é um dos fundadores. Em alguns trabalhos Follow e Be connected apresentaram para clientes, análises de monitoramentos de redes de perfis reais de grandes influencers (perfis com grande alcance) para apontar comportamento e análise deste novo ambiente de debate democrático, de onde nasceram movimentos de unificação de conteúdo. Para finalizar, ressaltamos que para realização de tal ação NUNCA existiu o pagamento de qualquer tipo de valor a estes perfis de grande influência.”
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