Ainda adolescente, consegui meu primeiro emprego em uma cooperativa de cafeicultores em Marília, no interior de São Paulo. Era um trabalho simples: fazer cópias e organizar arquivos. Com o dinheirinho que caía, eu ia em show do Charlie Brown Jr. e comia batata suíça no shopping. Eu fazia parte do programa Jovem Aprendiz, que dava, então, seus primeiros passos.
Corta para 2018. Em agosto, publiquei uma reportagem sobre como o Senai, serviço que forma aprendizes, está fazendo um lobby secreto para acabar com 75% das vagas do Programa Jovem Aprendiz.
Os jovens se revoltaram.
Passei a receber relatos por telefone, e-mail, Twitter, inbox no Facebook. Na noite da última segunda-feira, recebi algumas fotos no celular. Elas mostravam alunos de Natal, no Rio Grande do Norte, desenhando cartazes contra o fim do programa. Meu celular começou a pular freneticamente. Dezenas de mensagens chegavam com imagens de atos de alunos e professores de Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Goiás.
Duas semanas após a reportagem, cerca de mil entidades de todo o país se organizaram e realizaram uma série de atos para lutar contra as mudanças, criando o Dia Nacional de Mobilização pela Aprendizagem. O movimento uniu de organizações pequenas, como uma escola de Natal, até o gigante CIEE, o Centro de Integração Empresa-Escola, com unidades em todo o país, e ganhou até hashtag: #votepelaaprendizagem.
As mensagem me lembraram que o Jovem Aprendiz é uma forma de:
1. Conseguir o 1º emprego e trabalhar sem ter que deixar os estudos
Todos os participantes têm contrato de trabalho e são obrigados a continuar os estudos para manter o emprego. Entre 40% e 50% dos jovens acabam sendo efetivados na empresa onde atuaram após o fim do programa, que dura dois anos.
2. Aprender uma profissão
Praticamente todas as funções são atendidas pelo programa, com exceção de cargos de chefia, que precisam de formação superior. A indústria e o comércio estão entre as áreas que mais concentram aprendizes. Os jovens trabalham em empregos como auxiliar de escritório e assistente de produção, por exemplo.
3. Ganhar o próprio dinheiro e ajudar na renda da família
Em média os aprendizes recebem uma bolsa auxílio de R$ 450.
4. Mudar de vida
Os jovens compartilharam muitas histórias. Algumas me emocionaram. Edson Torres, por exemplo, contou que foi graças ao programa que hoje ele é advogado — filho de uma mãe camelô, que trabalhava 12h por dia para sustentar sozinha ele e o irmão, foi o emprego como aprendiz em um escritório, diz ele, que o mostrou que outra realidade era possível. Outro leitor, Lucas, contou como, com ajuda do programa, conseguiu financiar os próprios estudos e entrar em uma universidade pública mesmo com os pais desempregados.
5. E também fazer amigos
Com a repercussão da reportagem, o Ministério Público do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho pediram para o governo não fazer alterações no programa em ofícios enviados para os ministérios do Trabalho, dos Direitos Humanos e para a Casa Civil.
Pressionado, o governo marcou para o dia seguinte uma reunião para ouvir, pela primeira vez, ouvir os representantes dos aprendizes. Outro encontro está marcado para o dia 13 de setembro. Desta vez, sem segredo.
Desde que o programa foi formalizado, em 2005, quase 3,5 milhões de jovens aprendizes foram contratados. Ele é considerado um dos principais meios de combate ao trabalho infantil e de entrada de jovens de baixa renda no mercado. O programa exige que o jovem frequente a escola para evitar o abandono dos estudos.
O Senai, que administra o programa, diz que não pretende acabar com o Jovem Aprendiz, mas “aperfeiçoá-lo”. No entanto, ainda não explicou como ele pode torná-lo mais eficiente atingindo muito menos jovens.
Os resultados, porém, poderiam ser ainda maiores. Caso todas as empresas cumprissem a cota obrigatória da Lei da Aprendizagem – que é de 5% a 15% do quadro de funcionários com funções que demandam formação profissional – o número de casos de trabalho infantil poderia ser reduzido em até 80% e cerca de 950 mil jovens, de acordo com a ONG Rede Peteca, poderiam ter começado no primeiro emprego desde o início do ano.
Esses relatos me fizeram lembrar como a experiência de ter sido jovem aprendiz foi importante pra mim e para meus colegas de uma escola estadual. Alguns, que começaram junto comigo, foram contratados na empresa em que trabalhavam. Como diz Edson, o programa “fomenta o sonho de ser diferente, de conquistar uma vida melhor”.
Você sabia que...
O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?
E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?
Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.
E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!
O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.
Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.
Podemos contar com você por R$ 20 por mês?