Nestes 25 anos como pastor, jamais testemunhei uma onda de ódio tão grande como a que tem tomado conta do cristianismo dito evangélico ou protestante na década atual.
A primeira grande polarização que testemunhei foi na eleição de 1989 onde o país se dividiu entre aqueles que defendiam Lula e os que defendiam Collor. Recordo-me que a maior parte de meus colegas pastores afirmavam, ainda que um tanto envergonhados, que votariam em Collor. Por outro lado, líderes de grande envergadura na época, como os pastores Caio Fábio, Rubem Alves, Ariovaldo Ramos e Robinson Cavalcanti declaravam apoio a Lula por entenderem que era a melhor opção para os pobres. Nenhum deles foi defenestrado pelos seus pares. De lá pra cá, a realidade mudou demasiadamente e parece que só tende a piorar.
Na última semana, André Valadão, pastor da Igreja Batista da Lagoinha, em Orlando, Estados Unidos, e irmão da cantora Ana Paula Valadão, declarou seu apoio a Jair Bolsonaro. O famoso artista gospel que comanda um culto para 5 mil pessoas todas as terças-feiras – o Culto Fé – recomendou o voto no candidato que defende torturadores, discurso de ódio a desfavorecidos e estado de exceção.
Desde a ascensão de movimentos heterodoxos como o neopentecostalismo, que não se firmam na interpretação bíblica fundamentada em uma metodologia científica correta, o “caldo” do ódio dentro das igrejas começou a entornar. Duas dessas teologias rasas, filhas do neopentecostalismo importado dos Estados Unidos, são o triunfalismo e a teologia da prosperidade. Ambas têm grande responsabilidade sobre o pensamento e os discursos de ódio propagado por cristãos modernos.
A teologia da prosperidade nega qualquer tipo de sofrimento comum a que o homem nesta terra, inevitavelmente, esteja submetido. Culpa o pobre pela sua pobreza, o doente pela sua doença, o inválido pela sua invalidez. Contraria um simples ensino de Jesus nos evangelhos, quando com simplicidade ímpar diz que “…faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:45). Também não explica como o apóstolo Paulo, um dos homens na Bíblia de maior fé, sofria e era pobre (II Coríntios 6:10).
Irmã dessa teologia nefasta, o triunfalismo advoga que os cristãos têm que dominar o mundo presente, atuando na política, na economia, nas artes, nos negócios a fim de que o cristianismo triunfe sobre as demais religiões e estabeleça o “governo do justo”, impondo os princípios ditos cristãos ao mundo, rivalizando com o estado laico que o próprio protestantismo reformado da Europa ajudou a criar.
A boa teologia é destilada na Alemanha, envelhecida na Inglaterra, apodrecida nos Estados Unidos e consumida no Brasil.
Esse ensino se contrapõe de maneira muito clara ao evangelho de Cristo, quando o próprio Jesus, ao ser inquirido por Pilatos, disse: “O meu Reino não é deste mundo” (João 18:36).
Toda essa falsa doutrina, importada dos Estados Unidos, apenas comprova minha teoria de que a boa teologia é destilada na Alemanha, envelhecida na Inglaterra, apodrecida nos Estados Unidos e consumida no Brasil.
Por isso, precisamos mostrar as contradições do atual discurso do “cidadão de bem”, “conservador”, “cristão” e “defensor da vida” e da “família tradicional” em relação ao simples e puro evangelho de Cristo. Comparar o verdadeiro ensino de Jesus com as atuais falas de ódio, que se acirrarão ainda mais nesse período eleitoral, é o que temos de mais importante a fazer a fim de que possamos desmascarar aqueles que usam a massa ignorante evangélica como palanque e lastro para seus projetos de poder.
Estes “cristãos conservadores” defendem que “bandido bom é bandido morto”, que tem que “prender mais” e não dar “direito algum a vagabundo” e que “quem defende criminoso é vagabundo”. Olhemos para Jesus. Na lei do Antigo Testamento, uma mulher ou homem pegos em adultério deveriam ser apedrejados (Deuteronômio 22:22-24). Qual foi a resposta de Jesus ao ser perguntado pelos fariseus (que o fizeram para prová-lo), o que deveriam fazer diante da situação?
No ordenamento jurídico judaico, ela era uma criminosa. Você imagina Jesus dizendo: “Apedrejem essa vagabunda!”? De forma alguma!
Jesus disse: “… quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra” (João 8:7). Logo em seguida, todos foram saindo de mansinho e somente restou a mulher. Jesus a indaga: “Mulher, onde estão seus acusadores? Ninguém a condenou? Eu também não a condeno!” (João 8:10,11).
Diante de todo ódio a que Jesus foi submetido, ele não desejou o mal aos seus algozes.
E o discurso de vingança que faz com que os ditos “cidadãos de bem” aprovem o espancamento e a humilhação daqueles que são flagrados cometendo crimes? Diante de todo ódio a que Jesus foi submetido, diante de toda a tortura, diante da humilhação, da vergonha a que foi exposto, Jesus não desejou o mal aos seus algozes. Ele disse ao Pai: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lucas 23:24), referindo-se aos romanos e judeus que foram os responsáveis por sua injusta condenação.
Nos instantes finais de sua vida, o amoroso e querido Jesus, muito diferente dos cristãos atuais, esteve em seu mais doloroso momento, no ritual sádico de crucificação, ao lado de malfeitores, bandidos, criminosos. A um deles, que fez um penitente pedido para não ser esquecido quando Jesus fosse para seu reino espiritual, disse: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lucas 23:43). Onde está o punitivismo absoluto tão propagado por esses ditos cristãos de hoje? Esse punitivismo se perde nas palavras misericordiosas de Jesus.
E quanto ao tratamento que se deve dar aos encarcerados? Segundo um dos proeminentes líderes dessa tal “direita cristã conservadora”, os “direitos humanos são para humanos direitos”, ou seja, os presos não devem ter quaisquer direitos, pois não são humanos. Mas, Jesus, o autor da fé cristã, diz algo completamente diferente. Ele diz: “…estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram” (Mateus 25:43).
Essa frase, deixou seus discípulos confusos, pois eles sabiam que Jesus jamais esteve preso. Então, ele explicita o sentido de sua frase: “… o que vocês deixaram de fazer a estes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazer” (Mateus 25:45). Ou seja, Jesus mostrou sua empatia para com os presos, a ponto de dizer que qualquer caridade feita a eles, seria como se estivessem fazendo a ele próprio.
De onde tais “cristãos” conseguem retirar esses ensinamentos de ódio aos encarcerados e aos criminosos? Do evangelho é que não é! Na verdade, o evangelho é usado apenas como uma falsa desculpa aos seus desejos sádicos e de vingança. Eles jamais conheceram Cristo, jamais foram regenerados, são como nuvens sem água, ondas bravias espumando seus atos vergonhosos, estrelas errantes, árvores sem frutos, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz (Judas 1:12, 13). São os atuais fariseus e saduceus, com os quais Jesus foi duro e implacável.
Jesus se referiu a eles de uma maneira que ele jamais fazia referência a uma prostituta ou adúltera ou mesmo a um penitente publicano, o sujeito mais abjeto da época, porque cobrava impostos de seu próprio povo oprimido. Jesus chamou os fariseus e saduceus, que se denominavam justos e cidadãos de bem, assim como os atuais “cidadãos de bem”, de raça de víboras, serpentes, filhos do diabo, sepulcros caiados, hipócritas, que não entravam no reino e ainda impediam que outros entrassem (Mateus 23).
A eles, Jesus fechou a possibilidade de conciliação, pois sabia que são inconciliáveis em virtude de sua rotunda arrogância e orgulho. De maneira contrária ao que se esperava de um Messias (de acordo com a tradição judaica), Jesus se voltou aos pobres, aos oprimidos da época, aos pecadores, aos enfermos, aos que não tinham qualquer assistência dos preconceituosos líderes religiosos. E isso foi profetizado pelo profeta Isaías, cerca de 700 anos antes de Cristo ser encarnado, quando disse: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar o Evangelho aos quebrantados…a proclamar libertação aos presos e a pôr em liberdade os algemados..” (Isaías 61).
Precisamos deixar claro que se Jesus pregasse hoje em dia o mesmo evangelho que pregou por volta do ano 30, quando dizia que devemos “dar a outra face”, “perdoar, abençoar e orar pelos que nos amaldiçoam”, “andar a segunda milha”, “dar a túnica e a capa” e “amar o próximo como a si mesmo” (Mateus 5, 6 e 7), ele seria novamente crucificado pelos atuais “cristãos de direita”, conservadores e defensores da família tradicional.
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