NO DIA 13 DE SETEMBRO DE 1993, Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) assinaram os Acordos de Oslo no gramado da Casa Branca. Após algum incentivo por parte do presidente americano Bill Clinton, o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e o chefe da OLP, Yasser Arafat, deram um aperto de mãos, para a alegria dos 3 mil representantes internacionais presentes.
O New York Times marcou a ocasião com a manchete que estampava suas enormes páginas de lado a lado, juntamente do texto escrito por Thomas Friedman que descrevia Oslo como um “acordo entre judeus e palestinos para acabar com seu conflito” – “um triunfo da esperança sobre a história”. O Times dedicou toda a sua primeira página ao acordo; o principal artigo do Washington Post tinha como manchete “Ritual acaba com décadas de conflito”. Um ano mais tarde, Rabin, Arafat e o então ministro de Relações Exteriores de Israel, Shimon Peres, ganhariam o Prêmio Nobel da Paz.
Enquanto isso, críticos do acordo, formalmente chamado de “Declaração de Princípios sobre os acordos de Autogovernação Interina”, foram completamente silenciados em meio à euforia.
O já falecido Edward Said, o defensor mais articulado da causa palestina nos Estados Unidos, imediatamente chamou Oslo de “um instrumento de rendição palestina”. Said citou o romancista israelense Amos Oz ao dizer que essa havia sido “a segunda maior vitória na história do sionismo”, atrás apenas do estabelecimento de Israel em 1948. Poucos dariam atenção a Said naquele momento, mas suas críticas têm se provado verdadeiras.
Oslo apenas requeria que Israel reconhecesse a OLP como a representante do povo palestino e retirasse tropas de partes dos territórios ocupados que Israel aceitava ceder às forças de segurança palestinas, que estavam a ponto de ser criadas. De qualquer forma, era uma dor de cabeça lidar com questões civis em grandes cidades palestinas que Israel não tinha intenção em seguir controlando.
As negociações sobre tudo o que era importante – “Jerusalém, refugiados, assentamentos, arranjos de segurança, fronteiras, relações e cooperação com outros países vizinhos” – foram deixadas para um “período transicional de cinco anos”, sem incentivos para Israel conceder qualquer coisa, incluindo a condição de Estado independente, aos palestinos. Este “estágio intermediário” que supostamente leva ao autogoverno palestino, escreveu Said, “pode ser o último”.
Quem estava certo? Quem estava errado? A resposta é óbvia a partir do silêncio dos proponentes de Oslo na última semana – no 25º aniversário do acordo. Não há textos de opinião de ex-funcionários do Departamento de Estado se congratulando por seu trabalho duro e sua diligência. Bill Clinton não foi ao Twitter para relembrar aquele dia consagrado.
Todos eles entendem, é claro, que seria ridículo se o fizessem. Atualmente não há estado palestino, não há paz – e não há nenhum sinal de que algum dia haverá. Desde Oslo, cerca de 10 mil palestinos foram mortos por Israel, dezenas de milhares deles sendo mulheres e crianças, e mais de 1,5 mil israelenses foram mortos por palestinos. A Cisjordânia e Gaza foram politicamente separadas uma da outra, mesmo quando o número de israelenses assentados cresceu de 250 mil em 1993 para 600 mil hoje. E o governo e população de Israel se tornaram mais e mais extremos até o ponto em que o primeiro ministro Benjamin Netanyahu, que no passado era visto como parte da extrema-direita, agora faz parte do centro sensato.
‘Não é que a Autoridade Palestina tenha se tornado um monstro, eu acho que ela já nasceu um monstro.’
Pior ainda na perspectiva dos palestinos é que, 25 anos após Oslo, eles ainda não possuem representação política legítima. Said previu em 1993 que a OLP “se tornaria a executora de Israel, um prospecto infeliz para a maioria dos palestinos”. Isso é exatamente o que aconteceu: a Autoridade Palestina (AP), formada após Oslo como o suposto corpo de autogoverno interino para os palestinos, hoje é um agente amplamente corrupto do governo de Israel.
Isso não é nenhuma surpresa para os palestinos. “Não é que a Autoridade Palestina tenha se tornado um monstro, eu acho que ela já nasceu um monstro,” disse ao Intercept Yara Hawari, uma jovem ativista e membro de políticas no think tank palestino Al-Shabaka. “Eu não acho que jamais poderia ser outra coisa apenas pela forma como foi organizado: a sua razão de existir era manter a situação, lidar com ela e auxiliar.”
“É um exemplo clássico de Fanon, se você parar para pensar”, disse Hawari. “É mais ou menos como ‘Vamos criar essa classe de pessoas que vão manter a segurança dos oprimidos ou dos nativos para que nós não tenhamos que fazer’.”
A ilusão nos Estados Unidos desde Oslo tem sido de que a situação é um conflito entre israelenses e palestinos. Na verdade, é em grande parte um conflito entre palestinos de um lado e Israel, os Estados Unidos e a Autoridade Palestina do outro.
PARA ENTENDER COMO isso aconteceu é preciso voltar-se para a história da Palestina e de Israel.
A OLP foi fundada no Cairo em 1964 com o objetivo da “libertação da Palestina” – ou seja, a eliminação de Israel. Então, em 1967, Israel atacou seus vizinhos árabes e apoderou-se de grandes quantidades de territórios: a península do Sinai e Gaza (do Egito), a Cisjordânia (da Jordânia) e as colinas de Golã (da Síria). Israel devolveu o Sinai ao Egito como parte dos Acordos de Paz de Camp David em 1978, mas sua contínua posse da Cisjordânia e de Gaza significou que eles estavam governando diretamente sobre milhões de palestinos.
A OLP se considerou como um governo em exílio, com sua sede localizada na Jordânia a partir de 1970. No entanto, conflitos com o rei Hussein da Jordânia levaram as várias facções da OLP a se realocarem no Líbano ao longo dos anos seguintes. A invasão de Israel no Líbano em 1982 forçou, então, a OLP a fazer as malas novamente e mudar-se para Túnis, a capital da Tunísia.
Na década de 1970, os objetivos da OLP se tornaram mais moderados. De acordo com um memorando do Departamento de Estado datado de 1977, Arafat explicou vigorosamente a um diplomata norte-americano que a OLP havia chegado a uma “aceitação tácita de uma solução com dois estados” – isto é, uma solução para o conflito na qual Israel se retiraria da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, que se tornariam o território de um novo estado palestino. Duas resoluções pedindo uma solução com dois estados foram apresentadas ao Conselho de Segurança da ONU nesse período; os EUA vetaram ambas.
No entanto, a OLP se enfraqueceu nos anos 1980 após sua realocação em Túnis. Em parte, isso se devia simplesmente à distância: há cerca de 2,4 mil quilômetros entre Túnis e Jerusalém, praticamente a distância entre o Rio e Recife. Em parte, isso se devia também aos problemas da OLP: Noam Chomsky descreveu como “a corrupção da OLP enfurecia os palestinos nos territórios… Por volta de 1988, quando você entrava, por exemplo, na velha cidade de Nablus, ou nas vilas, e falava com organizadores e ativistas, seu ódio e desprezo pela OLP era extraordinário”. Em parte, isso se deveu à Primeira Intifada, o levante palestino que começou em 1987 e foi liderado não pelos homens envelhecidos e distantes da OLP, mas principalmente por mulheres que realmente viviam na Palestina e, pela primeira vez, não esperaram pela orientação de seus líderes exilados.
O mais nocivo foi quando Arafat estupidamente apoiou Saddam Hussein durante a primeira Guerra do Golfo, em 1991. Isso irritou os patrocinadores da OLP em outros países ricos em petróleo, e eles encerraram seus financiamentos à organização. A OLP estava então perto do colapso – levando a inteligência israelense a aconselhar Yitzhak Rabin que isso os tornava parceiros perfeitos para a “paz”.
Foi por isso que os Acordos de Oslo foram assinados: todas as partes importantes conseguiam algo que desejavam. Israel conseguiria a chance de cortar as asas da intifada, que havia sido surpreendentemente bem-sucedida, e terceirizar parte da ocupação às elites da OLP. A própria OLP e Arafat conseguiriam a oportunidade de voltar a ter voz em um momento que seu poder estava se esvaindo. E os EUA poderiam estabilizar a situação de um estado-cliente – além de conseguir uma bela sessão de fotos na Casa Branca.
Assista ao documentário que Israel não quer que você veja
É claro: palestinos comuns e sem poder também conseguiriam algo. Danny Rubinstein, um analista do Haaretz, um jornal israelense de esquerda, descreveu essa conquista como “autonomia”, mas “autonomia como dentro de um campo de prisioneiros de guerra, onde os prisioneiros são ‘autônomos’ para cozinhar e organizar eventos culturais sem interferência externa”.
Para muitos palestinos vivendo nos territórios ocupados, o arranjo definido pelos Acordos de Oslo é a única coisa que eles conheceram. Há mais moradores da Cisjordânia e da Faixa de Gaza nascidos após 1993 do que antes desse ano. Em Gaza, quase 40% da população tem menos de 14 anos.
Não é surpresa que a legitimidade da Autoridade Palestina venha sendo cada vez mais questionada, principalmente por jovens palestinos que a veem como uma camada a mais na opressão que sofrem – ao lado da ocupação israelense, com a qual a Autoridade Palestina está inexoravelmente ligada.
As últimas eleições legislativas da Palestina foram realizadas em 2006, com o apoio do governo George W. Bush. O Hamas, a organização islamita mais radical em Gaza, saiu vencedor – não necessariamente porque os palestinos concordassem com todas as suas políticas, mas por sua reputação de ser menos corrupto que o Fatah, um resquício da OLP. Hillary Clinton, na época senadora pelo estado de Nova York, ficou chocada com a ingenuidade de Bush. “Eu acredito que nós não deveríamos ter encorajado uma eleição nos territórios palestinos”, declarou. “E, se o plano era pressionar por eleições, então deveríamos ter certeza que fizemos algo para determinar quem venceria”.
O governo Bush claramente concordou com a perspectiva de Clinton após as eleições. Sob a liderança da secretária de estado Condoleezza Rice, o governo tentou organizar um golpe para derrubar o governo eleito e substituí-lo pelo Fatah. Em resposta, o Hamas tomou o controle de Gaza, enquanto o Fatah manteve o poder na Cisjordânia, um impasse que se sustenta até hoje.
Enquanto isso, Mahmoud Abbas, do Fatah, continua como presidente da Autoridade Palestina. Abbas, eleito em 2005 após a morte de Arafat, deveria ter passado por uma nova eleição ao final do seu mandato em 2009. Em vez disso, ele permanece ainda hoje no cargo, por prazo indeterminado.
Os últimos anos têm visto tensões cada vez maiores entre os palestinos, especialmente os jovens, e seus líderes. Em 2017, houve protestos após o proeminente ativista Bassel Al-Araj ser morto por tropas israelenses. Ele havia sido detido um ano mais cedo pelas forças de segurança palestinas. A Autoridade Palestina reprimiu brutalmente as manifestações. “Nossa cooperação de segurança com Israel está funcionando bem”, disse Abbas na época.
A morte de Al-Araj causou reprovação generalizada às ações da Autoridade Palestina, com manifestantes nas ruas se referindo ao ativista como um mártir não apenas da ocupação, mas também da “coordenação de segurança” entre os dois governos.
No último mês de junho, os palestinos novamente foram às ruas para protestar contra uma série de ações que a Autoridade Palestina havia imposto sobre a Faixa de Gaza, incluindo um corte nos salários de funcionários do governo locados na região, além de forçar um terço deles a se aposentar precocemente.
Em Ramallah, centenas de manifestantes foram reprimidos com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral lançadas por forças de segurança fortemente equipadas. A Autoridade Palestina, que havia proibido o protesto antes mesmo que começasse, deu a ordem para que ele fosse encerrado. Mais de 40 pessoas foram presas, e muitas foram alvo de agressões e se machucaram. Em manifestações menores ocorridas posteriormente, a proporção chegou a ser de dez guardas para cada manifestante.
‘Muitos pensam: por que criticaríamos a Autoridade Palestina quando podemos criticar Israel? Mas isso é um entendimento pouco nuançado do que a ocupação significa.’
Muitos dos presentes em Ramallah no protesto de junho inicialmente acreditaram que o Exército Israelense havia entrado na cidade quando a repressão violenta começou, antes de perceberem que os guardas eram “nossa própria gente”, contou um manifestante ao Intercept. Outros disseram que a demonstração de força lembrou os regimes árabes da Síria e do Egito, servindo como um alerta silencioso do recrudescimento da Autoridade Palestina rumo ao autoritarismo.
“As pessoas, e mesmo gente poderosa, estavam muito, muito irritadas com a forma como se lidou com o protesto, porque isso fez a Autoridade Palestina parecer uma organização muito repressiva”, comentou Hawari. “E ela é”.
“Muitos pensam: por que criticaríamos a Autoridade Palestina quando podemos criticar Israel?”, diz Hawari. “Há quem diga que isso só nos divide, que o grande problema é a ocupação e que devemos focar no inimigo. Mas isso é um entendimento pouco nuançado do que a ocupação significa”.
“É claro que isso não significa dizer que a ocupação não é a maior razão”, acrescenta Hawari. “Mas a Autoridade Palestina é uma barreira enorme no caminho da libertação”.
SE A RAIVA contra a liderança da Autoridade Palestina é mais perceptível entre os jovens, também existe um ressentimento profundo entre os membros das gerações mais velhas que viveram a ocupação antes dos acordos de Oslo.
Qadura Fares, presidente do Clube de Prisioneiros Palestinos e amigo próximo do líder palestino atualmente preso Marwan Barghouti, passou 13 anos em uma cadeia israelense por conta de suas atividades políticas. Fares foi liberado como parte do processo de Oslo, junto com outros ativistas palestinos.
“Nós concordamos e assinamos acordos com os israelenses dizendo que esses atos deveriam levar ao fim da ocupação, criando um novo estado ao lado de Israel, vivendo juntos em paz e cooperação”, conta, com sarcasmo, durante uma entrevista em Ramallah no meio deste ano.
“Você pode seguir insistindo que representa o interesse do povo”, comenta Fares ao Intercept, “mas o seu comportamento diz algo diferente”. Ele comparou o poder e a riqueza dos líderes palestinos aos dos monarcas do Golfo Pérsico. “Se pudermos fazer uma democracia real acontecer em nossas vidas, venceremos a batalha contra a ocupação”, acredita. “Mas, se não tivermos sucesso em nos tornarmos uma comunidade realmente democrática, isso é um sinal de que não haverá uma Palestina livre”.
Se a Autoridade Palestina precisa morrer para que os palestinos alcancem sua libertação, o governo Trump pode ter tornado o seu fim mais próximo, ainda que sem querer. No início da semana passada, o Departamento de Estado dos EUA fechou a missão da OLP em Washington, D.C., acusando a organização de recusar o diálogo com os Estados Unidos e não ter “dado passos para iniciar negociações diretas e significativas com Israel”. A Autoridade Palestina qualificou a ação de “uma declaração de guerra contra os esforços de trazer paz ao nosso país e à região”.
Por enquanto – e no futuro próximo – o alerta de Edward Said sobre Oslo parece assombrosamente preciso. Porque os palestinos “se jogarem à mercê dos EUA”, escreveu, “é quase certamente sofrer o mesmo destino que os EUA oferecem aos povos rebeldes ou ‘terroristas’ do Terceiro Mundo depois que eles prometeram não resistir mais aos Estados Unidos”.
Foto da capa: Yasser Arafat, o líder da OLP (à direita), cumprimenta o premiê israelense Ytzhak Rabin com o presidente norte-americano Bill Clinton entre eles, após a assinatura do acorado de paz entre Israel e OLP na Casa Branca, em 13 de setembro de 1993.
Tradução: Maíra Santos
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