“Só não vamos fazer pacto com o diabo”, afirmou Bolsonaro em julho, enquanto costurava uma aliança com o clã dos Barbalho no Pará. O candidato do PSL tentou se coligar com diversos partidos de direita, mas não teve sucesso. Apesar de vender a imagem de que não formou uma coalizão ampla por ser alérgico a conchavos, Bolsonaro não está isolado porque quer, mas por incapacidade política. Mesmo estando muito bem colocado nas pesquisas, não teve habilidade para formar uma base de apoio fora do seu clubinho reacionário.
Em um contexto de demonização da política, em que lamentavelmente as alianças políticas são confundidas com práticas criminosas, o isolamento de Bolsonaro vira virtude aos olhos dos eleitores mais incautos.
Onyx Lorenzoni, coordenador da campanha, garante haver 110 deputados eleitos que apoiam a candidatura e que apoiariam um governo Bolsonaro. Como em um programa de auditório, Lorenzoni exibiu para os jornalistas um envelope que conteria os nomes dos deputados, mas, claro, não os revelou. O fato é que o PRTB, do caricato Levy Fidelix, é o único partido que apoia a candidatura de Bolsonaro.
Outro responsável pela articulação política de Bolsonaro é o advogado Gustavo Bebianno, um cara que até dez anos atrás estava nos EUA, lutando jiu-jitsu e trabalhando como sócio de um integrante da família Gracie em uma academia. Apesar de ser um neófito na política, foi escolhido para ser o presidente do PSL e um dos comandantes da campanha. Bebianno tem um perfil bastante similar ao do candidato e já está implantando no partido o jeito Bolsonaro de fazer política. Quando surgem divergências com apoiadores, grita e os chama de “viadinho”.
Muito religioso, Bebianno acredita piamente que Bolsonaro representa o Bem na luta contra o Mal. Assim como nós, ele também não sabe muito bem como foi parar na presidência do PSL: “Eu não sei o que eu tô fazendo aqui, nunca me envolvi em política, não entendo nada de política, não tenho perfil político, sou um cara impaciente. Não era para estar aqui, não era para estar aqui. É inexplicável”. Este é o homem que está à frente de uma candidatura presidencial que lidera as pesquisas.
O PSL é um partido essencialmente formado por militares da reserva e da ativa. Setenta e quatro candidatos a deputado federal do partido se apresentam com patentes militares em seus nomes oficiais de campanha. Três candidatos a governador e três a senador também aparecerão nas urnas com seus nomes acompanhados de cargos militares. Há muitos pastores também. Em comum, todos eles compartilham das mesmas obsessões: aborto, armas, homossexualidade, comunismo e crime. Não há nada muito além dessas esferas.
Apesar de tantos militares, a campanha de Bolsonaro tem sido marcada não pela ordem e disciplina, mas pela bagunça. Isso ficou mais evidente após o ataque em Minas Gerais. Após a segunda cirurgia, Bolsonaro segue bastante debilitado e não poderá fazer campanha, inclusive no segundo turno. A ausência expôs ainda mais a fragilidade de suas alianças. O vice, General Mourão, sem o aval de Bolsonaro e do PSL, honrou seu DNA golpista e entrou com um pedido no TSE para poder participar dos debates em seu lugar. Aproveitou também para propor uma nova Constituição que não seja feita por uma Assembléia Constituinte, mas por “notáveis” escolhidos sabe-se lá por quem.
Tudo o que cerca a candidatura da extrema-direita parece ser caricato. Pincei alguns expoentes do bolsonarismo que disputarão vagas no Congresso e que têm grandes chances de se elegerem. Tracei um mini-perfil de cada um para termos ideia do quão surreal será a base de apoio de um governo Bolsonaro, que mais parece um circo de horrores.
Joice Hasselmann (PSL) – famosa por ter plagiado mais de 60 textos escritos por 42 jornalistas, a jornalista é candidata a deputada federal pelo partido de Bolsonaro. Depois que deixou a TVEJA (canal do Youtube da revista Veja), onde era apresentadora, Joice se tornou influenciadora digital das redes de direita e ativista bolsonarista das mais empolgadas. Sem combinar com ninguém do PSL, a paranaense chegou a anunciar sua candidatura ao governo de São Paulo, o que foi negado prontamente pelo presidente do partido em São Paulo, que afirmou que ela “atravessou o samba para querer aparecer”.
Nesta semana, Joyce causou novamente dentro do PSL. Gravou um vídeo em que diz ser a única candidata do PSL (além de Janaína Paschoal e Eduardo Bolsonaro) que é de fato apoiada por Jair. Seus correligionários ficaram revoltados. O candidato Alexandre Frota xingou muito no Twitter. Além de chamá-la de “biscate” e “ratazana que anda pelos bastidores”, afirmou que ela recebeu R$ 100 mil do fundo eleitoral da direção nacional do partido. A jornalista pretende representar Frota criminalmente e na Justiça Eleitoral. É esse o nível do debate interno do PSL.
A candidatura de Joice está sub judice, já que o TRE-SP indeferiu sua candidatura esta semana. A paranaense teria perdido o prazo para mudar seu domicílio eleitoral para São Paulo.
Magno Malta (PR-ES) – o senador-pastor era o “vice dos sonhos” de Bolsonaro e quase topou o convite, mas preferiu garantir a vaga no Senado, onde está desde 2002. Sua principal bandeira na política, para não dizer a única, é o combate à pedofilia. Sempre foi um político fisiológico e chegou a prestar apoio aos governos Lula e Dilma. Foi indiciado por participar da Máfia dos Sanguessugas. Na semana passada, The Intercept Brasil revelou que o gabinete do senador comprava gasolina em apenas dois postos, cujo dono é seu aliado político e já foi condenado por roubo. No intervalo do debate da Rede TV, o Senador Magno Malta afirmou que o filho de Lula comprou uma lancha de R$ 32 milhões, um famoso boato compartilhado em grupos de WhatsApp.
Alexandre Frota (PSL-SP) – o ex-ator é candidato a deputado federal e chegou no PSL com a benção de Bolsonaro, que chegou a convidá-lo publicamente para ser seu ministro da Cultura. Depois de ganhar fama nas novelas da Globo e antes de virar ativista político, Frota trabalhou como DJ, ator pornô, cantor de funk, modelo, comediante, jogador de futebol americano e por aí vai. Agora tentará a sorte na carreira de política. A sua repentina tomada de consciência política se deu durante os protestos pelo impeachment de Dilma. Como líder dos Revoltados Online — grupo reacionário famoso por espalhar fake news —, chegou a ser recebido em Brasília pelo ministro da Educação de Temer, que quis ouvir suas propostas para área.
Onyx Lorenzoni (DEM-RS) – apesar do seu partido apoiar Alckmin, é um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro. Sempre com discurso moralizador, o gaúcho foi o relator das “10 medidas contra a corrupção” e se tornou um aliado de Deltan Dallagnol — um dos autores da proposta feita pelo Ministério Público. Logo após a revelação do áudio que registrou a famosa conversa entre Temer e Joesley, Onyx bradou contra a elite política do país, dizendo que ela “apodreceu, perdeu credibilidade, perdeu o respeito do eleitor, da eleitora, do cidadão, do trabalhador”. Um dia após essa declaração moralizadora, Onyx apareceu como recebedor de caixa 2 nos documentos apresentados pela JBS em sua delação. Depois que rodou bonito, o deputado se viu obrigado a admitir o crime. Continua usando, porém, o figurino de paladino da moral e dos bons costumes. Em junho deste ano, porém, o STF arquivou o inquérito que investigava o crime do qual Onyx é réu confesso.
Major Olimpo (PSL-SP) – é um ex-policial militar que gosta de resolver as coisas no grito e, apesar de recentemente ter se consolidado como um quadro de direita ideológico, já foi do PDT e chegou a ser cogitado para ser candidato a vice-governador de São Paulo na chapa de Mercadante (PT). Em 2015, saiu do PDT e se filiou ao PMB, o partido da Mulher Brasileira, mas ficou pouquíssimo tempo e logo pulou para o Solidariedade. Com a candidatura de Bolsonaro na praça, foi para o PSL e imediatamente virou presidente do partido em São Paulo. Quando Joice Hasselmann “atravessou o samba” e se lançou candidata ao governo do estado, Major não resolveu a questão internamente. Preferiu publicar um vídeo repudiando a colega de partido, com tom agressivo, afirmando que o PSL “não é casa da mãe Joana”.
Delegado Éder Mauro (PSL-PA) – o deputado federal mais votado pelo Pará na última eleição, que teve a Odebrecht como maior doadora de campanha, o delegado Éder Mauro vem fazendo campanha para Bolsonaro desde o ano passado, quando gastou R$ 14 mil para espalhar 400 outdoors por Belém em sua homenagem. Mauro já foi alvo de um inquérito no STF (arquivado por Gilmar Mendes) por prática de tortura e é investigado por outros crimes, como extorsão e ameaça. Integrante da bancada da bala, ele também defende abertamente um golpe militar no país. Éder Mauro já se envolveu em confusões na Câmara e, por muito pouco, não trocou socos com o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) durante uma audiência na Câmara no ano passado.
Delegado Waldir (PSL-GO) – foi o deputado federal mais votado da história de Goiás. Eleito pelo PSDB, seu número de campanha era 4500 e o slogan era “45 é o calibre e 00 é da algema”. O delegado pulou para o PR e, logo em seguida, foi para o PSL para ficar pertinho de Bolsonaro. “Tivemos uma presidente terrorista. Um presidente sociólogo, que defende a liberação da maconha. Agora, chega! Tá na hora de mudar e colocar um presidente disciplinador e que entenda de hierarquia. E é o Bolsonaro”.
Capitão Augusto (PR-SP) – é aquele deputado federal conhecido por desfilar com a farda militar pela Câmara. O policial tentou fundar o Partido Militar Brasileiro, mas não conseguiu o número de assinaturas necessárias. Seu desejo era que o número da nova legenda fosse 38, “por causa do famoso três oitão, revólver mais usado pelas corporações militares”, ou 64, “em homenagem a nossa revolução democrática”. Com atuação parlamentar irrelevante, o capitão apresentou neste ano um inacreditável projeto de lei que obriga árbitros de futebol e seus auxiliares a declararem por escrito o time que torce. Dessa forma, eles seriam impedidos de apitar os jogos dos times do coração.
Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) – descendente de Dom Pedro, o príncipe do Brasil saiu do Novo e se filiou ao PSL para poder apoiar Bolsonaro. Para ele, o verdadeiro golpe militar no Brasil se deu com a proclamação da República, e não em 1964. O príncipe sempre foi muito amigo do MBL e é autor do livro cujo título é involuntariamente irônico: “Por que o Brasil é um país atrasado?”.
A turma do Bolsonaro não é apenas conservadora e reacionária. São extremistas amalucados movidos por fanatismo religioso, boatos de WhatsApp ou qualquer coisa que lhes dê na telha. Assim como Jair Bolsonaro, são saudosos do regime militar, mas jamais prestaram nenhum serviço relevante ao país em seus mandatos concedidos democraticamente pelo povo. Entre pastores, delegados, majores, capitães e um príncipe, todos ali têm um quê de Cabo Daciolo. Como disse Ciro Gomes em um dos debates, “a democracia é uma delícia, uma beleza, mas tem certos custos”.
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