Durante a semana, o exército virtual de Bolsonaro espalhou nas redes sociais uma falsa capa da Veja que revelava um esquema de fraude nas urnas eletrônicas para favorecer o PT. Era mais uma mentira entre tantas que a família Bolsonaro e sua militância têm espalhado sem o menor pudor. O boato voou e foi compartilhado até pelo cantor, compositor e bolsonarista Lobão, o que também não chega a ser uma novidade. Ironicamente, a Veja se preparava para publicar uma reportagem devastadora para a candidatura Bolsonaro. Mas, para seus militantes, a reportagem fake anunciada em uma montagem de Photoshop teria mais credibilidade do que a verdadeira.
A revista teve acesso a um processo que Ana Cristina deu entrada em 2008 contra Bolsonaro. Os dois disputavam a guarda do filho, e Ana Cristina reivindicava uma partilha justa dos bens. Uma relação de bens e a declaração do imposto de renda de Bolsonaro foram anexados por Ana Cristina no processo e revelam informações importantes e desconhecidas sobre o patrimônio do candidato. O patrimônio do casal à época era de R$ 4 milhões (R$ 7,8 mi em valores atualizados), mas dois anos antes Bolsonaro revelou à Justiça Eleitoral ter pouco mais de R$ 430 mil.
Parece que Bolsonaro tem muito a esconder. Descobriu-se também que ele ocultava da Justiça um cofre que mantinha numa agência do Banco do Brasil. A ex-mulher também possuía um cofre nessa mesma agência que, segundo ela, teria sido roubado por Bolsonaro. Nele, havia valores incompatíveis com a renda do casal. Segundo o boletim de ocorrência aberto por Ana Cristina para registrar o furto, havia no cofre joias avaliadas em R$ 600 mil, mais US$ 30 mil em espécie e R$ 200 mil em dinheiro vivo.
No processo que discutia a guarda do filho, Bolsonaro afirmou ser vítima de chantagem. Segundo ele, Ana Cristina, que viajou com o filho para Noruega, afirmou que a criança só retornaria ao Brasil se ele devolvesse a grana e as joias do cofre. Ou seja, o próprio Bolsonaro confirma a existência desses valores.
Pouco tempo depois, os dois se acertaram, e Ana Cristina não quis mais saber do roubo do cofre. Do nada, sem nenhum motivo aparente, ela resolveu desistir de reaver quase R$ 1 milhão! Procurada pela revista, Ana disse que os dois fizeram um acordo para abrir mão de “qualquer apuração, porque não seria bom”. A polícia também desistiu de encontrar o responsável pelo roubo do cofre. Hoje, Ana Cristina Bolsonaro é candidata a deputada federal e aparece na campanha ostentando o sobrenome que ela nunca usou.
Apesar de ter muita coisa para explicar, a rede de soldados virtuais de Bolsonaro se apressou em chamar a reportagem de fake news, mesmo ela estando calcada em informações de um processo que correu na Justiça. Diversas teorias conspiratórias se criaram em torno da reportagem para desqualificá-la. O modus operandi da turma já é conhecido: joga-se areia nos olhos da opinião pública para que ela não se atente aos fatos.
Antes da publicação, a campanha de Bolsonaro já sabia que a Editora Abril havia entrado com um pedido de desarquivamento do caso e, farejando a bomba que estaria por vir, lançou um antídoto logo no início da semana. A “jornalista” e candidata a deputada federal do PSL Joice Hasselman gravou um vídeo em seu canal no YouTube dizendo que havia recebido uma informação bombástica de uma fonte: uma grande revista semanal teria recebido R$ 600 milhões — sim, mais de meio bilhão! — para destruir a reputação de Bolsonaro na reta final do primeiro turno.
Antes de comentar a evidente picaretagem, é preciso explicar as aspas que coloquei na palavra “jornalista”. Apesar de ter formação em jornalismo, Joice é conhecida por plagiar colegas e espalhar notícias mentirosas nas redes sociais. Depois de ganhar visibilidade na TVeja, Joice virou uma influenciadora digital badalada pelo mais obscuro reacionarismo brasileiro. Hoje, ela conta com mais de 800 mil seguidores no Youtube.
Há dois anos, a “jornalista” também gravou um vídeo revelando uma bomba. Ela teria recebido a informação de que Lula estaria tramando o “golpe da doença”, junto com um “grande hospital de São Paulo”, para escapar da cadeia. A criatividade que falta para escrever seus próprios textos jornalísticos sobra na hora de fabricar teorias da conspiração. Joice se tornou a versão brasileira de Alex Jones, o apresentador de rádio americano conhecido por disseminar maluquices.
Eu sou uma das jornalistas que denunciou @joicehasselmann por plágio (foi comprovado e ela foi punida). Queria dizer que:
1. Joice não tem fontes e nunca teve;
2. Ela é uma piada no jornalismo do PR;
3. 600 mi p/ falar mal do Bolso é tão ridículo q surpreende mesmo vindo dela.— Amanda Audi (@amandafaudi) 28 de setembro de 2018
É claro que a plagiadora está mentindo mais uma vez. E mente mal. O valor escolhido por Joice soa como piada pronta. Para se ter uma ideia da loucura, a revista Time, que é infinitamente maior que Veja, acabou de ser vendida por R$ 795,6 milhões. Mas ela quer nos fazer crer que forças ocultas despejaram mais de meio bilhão para encomendar uma reportagem que qualquer veículo sonharia fazer.
Sem apresentar um mísero indício, Joice requintou ainda mais o ridículo afirmando que parte dos R$ 600 milhões teriam sido pagos parte em dinheiro vivo, parte em criptomoedas. Como já era de se esperar, a fantasia de Joice virou hit nas redes assim que a reportagem da Veja foi ao ar. Em pouco tempo, o assunto #Veja600Milhões virou um dos mais comentados no Twitter.
Os filhos de Bolsonaro, claro, impulsionaram a mentira de Joice e passaram a tuitar a hashtag #Veja600milhoes. Na semana passada, Carlos Bolsonaro já havia disseminado o boato de que o Brasil teria entregado para a Venezuela os códigos de segurança das urnas eletrônicas. A notícia falsa foi desmentida até pelo General Mourão, mas mesmo assim Carlos mantém a mentira publicada até hoje. Assim como a falsa capa da Veja sobre fraude nas urnas, esse boato integra a estratégia golpista de deslegitimar o resultado das eleições caso Bolsonaro perca. Também servirá como antídoto. É com esse tipo de gente que estamos tratando.
Goste-se da Veja ou não, não há como negar que ela fez o que Joice não costuma fazer: jornalismo. A revista entrou com um pedido de desarquivamento do processo, que foi concedido no último dia 4. O processo conta com 500 páginas e foram necessários mais de 20 dias de apuração. O gerente do Banco do Brasil foi entrevistado, documentos foram apresentados e Ana Cristina foi procurada para se explicar. O argumento de que Veja apenas revelou detalhes de uma briga de casal é completamente falso. A reportagem é bastante sólida e traz a importante revelação de que o candidato preferido dos brasileiros oculta muitos bens da Justiça. Bens de alto valor, totalmente incompatíveis com a sua renda. De onde veio tanto dinheiro?
O candidato, que adora se apresentar como o pobrezinho lutando contra os poderosos do establishment, tem a obrigação de explicar. Mas é melhor já ir se acostumando com o silêncio porque essa pergunta não será respondida. Os disseminadores de fake news estarão muito ocupados em denunciar fake news.
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