“Bolsonaro é machista. Se ele ganhar vai aumentar o feminicídio. O Lula não é santo, mas, pelo menos, fez alguma coisa pelos pobres”. A avaliação política é da cabeleireira Helena*, de 21 anos, três filhos e moradora de uma das favelas de Campos dos Goytacazes, no Rio. Apesar de sua opinião política, Helena rejeita o rótulo de feminista e de petista. Evangélica, membro de uma das diversas igrejas pentecostais que povoam as periferias brasileiras, consegue, porém, vislumbrar os perigos que um suposto governo de Jair Bolsonaro possa trazer às mulheres e elogia os benefícios dos governos petistas.
A avaliação de Helena não é isolada. Como ela, conheci muitas outras evangélicas das periferias que concordam com sua opinião, revelando as complexidades que determinam o voto das evangélicas pobres, que estão muito longe de ser a massa de manobra como julgam setores supostamente “intelectualizados”. De fato, a tendência de voto das mulheres mais pobres é a rejeição ao candidato do PSL, como afirmado pelo diretor do Datafolha, Mauro Paulino, ao destacar que foram as mulheres com menor renda que impediram que Bolsonaro vencesse as eleições em primeiro turno.
PALAVRA DO DATAFOLHA
Se o eleitorado fosse composto apenas por HOMENS COM MAIOR RENDA Bolsonaro poderia ser eleito já no primeiro turno com mais de 50% do total de votos. São as MULHERES MAIS POBRES que impedem uma melhor performance do deputado (quase 90% delas não o escolhem). https://t.co/vlTUZRRyv6
— Mauro Paulino (@MauroPaulino) September 15, 2018
Como pesquisadora das camadas populares, tenho convivido com as evangélicas de forma bastante próxima. Trabalho na região de Campos dos Goytacazes, no complexo de favelas que rodeia o rio Paraíba. Nessa relação de pesquisadora, percebi um fato óbvio: o campo evangélico é heterogêneo. Existem diferentes formas de se experienciar a fé. Desde o protestante supostamente mais intelectualizado adepto das igrejas históricas como a presbiteriana e a batista, passando pelos neopentecostais com seus cultos realizados em grandes templos, nos quais é enfatizada teologia da prosperidade.
Em uma observação nas bairros periféricos das cidades brasileiras, é possível notar uma outra vertente de evangélicos. São os pentecostais que povoam os incontáveis pequenos templos presentes nas favelas. Nestas pequenas igrejas, os cultos são sempre ruidosos, com hinos, pregações e orações expressas a todo volume. Extremamente comuns e diversos nos bairros mais pobres, esses templos são expressões privilegiadas da religiosidade praticada nas camadas populares urbanas brasileiras.
É importante destacar que essas pequenas igrejas pentecostais das periferias guardam pouca semelhança com as grandes catedrais da fé da Igreja Universal ou da Igreja Mundial. Geralmente formam comunidades pequenas e coesas, na maioria das vezes, levadas por mulheres, as “valorosas varoas”.
“Voto no Lula sim. Ele fez muito pelo povo. Ele não está preso só por causa de um triplex. Querem tirar o direito do povo decidir”
Em nossas conversas, um fato ficou evidente: a rejeição ao candidato Jair Bolsonaro e a simpatia ou a “saudade” do Lula (à época das entrevistas, muitas não sabiam que o ex-presidente havia sido impedido de disputar a eleição pela Justiça). “Voto no Lula sim. Ele fez muito pelo povo. Ele não está preso só por causa de um triplex. Querem tirar o direito do povo decidir”, destacou Ana*, evangélica, empregada doméstica de 28 anos, atualmente desempregada.
Sobre o candidato do PSL, talvez a opinião mais emblemática seja a de Carla*, 22 anos, evangélica, diarista: “Deus não vai deixar o Bolsonaro ganhar não. Ele é um grosso com as mulheres. Se ele vence vai liberar as armas e imagine o que vai acontecer? Meu ex-marido quase me matou uma vez. Só não matou porque não tinha revólver, imagine se liberar?”
Mara*, de 30 anos, evangélica, manicure, também revelou o receio pela vitória de Bolsonaro, relacionado ao temor pelo aumento da violência policial. “Esse homem (Bolsonaro) falou que vai liberar os policiais para matar. Imagina isso? Todo mundo sabe que, para a polícia, qualquer negro correndo é ladrão. Vai rolar muito sangue”.
Apesar da rejeição ao candidato da extrema-direita, as mulheres entrevistadas estão longe de se considerarem petistas ou feministas. Nenhuma delas participou das manifestações #elenão. De modo geral, assumem uma postura conservadora, divergindo das pautas mais gerais do feminismo e da esquerda. São absolutamente contra a legalização do aborto, por exemplo. Muitas acreditam que a homossexualidade pode ser “curada” por intermédio da benção divina. Também possuem uma postura de repúdio e preconceito às religiões de matrizes africanas, considerando-as como expressões demoníacas.
“Meu ex-marido quase me matou uma vez. Só não matou porque não tinha revólver, imagine se liberar?”
A pergunta que fica é entender por que então essas mulheres, religiosas e conservadoras assumem a rejeição a um candidato que já deu óbvios sinais de simpatia ao público evangélico? Por que então essas mulheres, religiosas e conservadoras, expressam o desejo de voto num candidato associado à esquerda e tratado por seus detratores como expressão do comunismo ateu e fonte de todo mal? A resposta talvez seja porque elas são dotadas de autonomia e de possibilidades, ora mais, ora menos restritas, de negociação a partir de sua própria realidade.
São mulheres que reconhecem a misoginia e a agressividade de Bolsonaro. Mesmo que o candidato do PSL acene para o conservadorismo moral da maioria dos evangélicos, associam seu belicismo a um perigo real sobre suas vidas. São mulheres que, mesmo com a bandeira vermelha do PT, reconhecem que as políticas públicas implantadas nos governos petistas foram efetivas. Porque hoje o desemprego dói. São elas que não conseguem trabalho como diaristas. São elas que percebem quando falta alimento na geladeira no fim do mês e reconhecem o alento mínimo possibilitado pelo Bolsa Família. O mesmo Bolsa Família simplificado como puro assistencialismo pelos intelectualizados das camadas médias.
Mas os evangélicos são um grupo heterogêneo. Os votos para Bolsonaro somam 66%, enquanto entre os católicos as intenções de voto no candidato são de 42% segundo o Ibope. Ou seja, a maioria dos evangélicos apoia o candidato do PSL. Porém, entre os que recebem até um salário mínimo, os votos para Fernando Haddad ficam em 53% contra 38% de Bolsonaro, onde a maioria das mulheres pentecostais que entrevistei se encontram.
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