A jornalista Patrícia Campos Mello revelou na Folha de S. Paulo um gigantesco esquema de corrupção armado em favor da candidatura Bolsonaro. Empresas apoiadoras do candidato do PSL contrataram serviços que disparam mensagens de WhatsApp em massa com conteúdo anti-PT. Milhões de eleitores foram bombardeados pelas mensagens lançadas pelo esquema. Pelo menos três crimes foram identificados pela matéria: caixa 2, abuso de poder econômico e financiamento empresarial.
A reportagem é a mais bombástica dessas eleições. Muito provavelmente não alterará o rumo das pequisas nem cassará a candidatura Bolsonaro, mas coloca uma nuvem carregada de suspeitas sobre o provável próximo presidente.
Integrantes da campanha e simpatizantes de Bolsonaro reagiram seguindo o já surrado roteiro: negaram conhecer o esquema, acusaram a Folha de ser comunista e perseguiram de forma agressiva a jornalista nas redes sociais. Nada diferente do que temos visto até aqui. Os indícios levantados pela reportagem são sólidos e suficientes para sustentar a afirmação de que existe um esquema para fraudar o processo eleitoral financiada por empresários. A autora da reportagem é uma profissional séria e competente, com currículo vasto, sem nenhum histórico de picaretagem. Ela não publicaria uma denúncia desse tipo se não estivesse bem calçada. Não é uma Joice Hasselmann.
Não estamos falando simplesmente de uma fábrica de fake news que tem trabalhado para eleger Bolsonaro, mas de um esquema criminoso sem precedentes no país, capitaneado por empresas que pretendiam manipular a opinião pública durante o processo eleitoral. O esquema talvez explique a disparada da rejeição de Haddad na semana final do primeiro turno.
Bolsonaro declarou ao TSE ter gastado apenas R$1,2 milhão na campanha do primeiro turno, mas cada contrato para disparar centenas de milhões de mensagens chegava até R$ 12 milhões. O proprietário da Havan, que vem cometendo uma série de crimes eleitorais em favor de Bolsonaro e já foi até condenado por propaganda eleitoral ilegal, é apontado na reportagem como um dos compradores desses pacotes. Ele nega, assim como negou ter coagido funcionários a votar em Bolsonaro mesmo depois de aparecer em vídeos… coagindo funcionários a votar em Bolsonaro.
Em vídeo publicado pelo candidato do PSL em agosto, o dono da Havan aparece ao lado de Mário Gazin, um dos maiores varejistas do Brasil, que afirma que Bolsonaro precisa ganhar logo no primeiro turno para, vejam só que curioso, não ter que gastar mais dinheiro. Quanto será que este milionário gastou na campanha para estar reclamando assim?
Dois Gigantes do Varejo – Havan e Gazin, juntos com Jair Bolsonaro (17). pic.twitter.com/2qhJF9DaQa
— Jair Bolsonaro 1??7?? (@jairbolsonaro) 28 de agosto de 2018
Bolsonaro negou saber da existência do esquema, mas não negou a possibilidade de empresários estarem participando dele. “Eu não tenho controle se tem empresário simpático a mim fazendo isso”, disse ele. É verdade, ele tem razão. Também não foi possível controlar o principal líder da Ku Klux Klan, que declarou simpatia a ele. Mas o fato é que para se configurar o crime de abuso de poder econômico não é necessário que o candidato favorecido tenha conhecimento.
No dia seguinte à publicação da denúncia, Flávio Bolsonaro se sentiu perseguido e xingou muito no Twitter:
A perseguição não tem limites!
Meu WhatsApp, com milhares de grupos, foi banido DO NADA, sem nenhuma explicação!
Exijo uma resposta oficial da plataforma.#MarketeirosDoJair #FolhaFakeNews pic.twitter.com/7Qpy1wakp3— Flavio Bolsonaro (@FlavioBolsonaro) 19 de outubro de 2018
O tweet foi publicado às 12:24. Oito minutos depois, a Folha publicava matéria relatando que o WhatsApp confirmara que agências estavam burlando as regras do aplicativo. A empresa enviou notificação extrajudicial para as quatro empresas citadas pela Folha como participantes do esquema, determinando que parem com o envio de mensagens em massa e de usar números de celulares obtidos na internet. Números de celulares associados a essas agências foram impedidos de usar o aplicativo. Talvez seja esse o motivo pelo qual a conta de Flávio Bolsonaro foi banida. Ele, que é o integrante da família que mais posta mentiras na internet, negou posteriormente. Disse que o print havia sido tirado no dia anterior e que seu WhatsApp já estava funcionando normalmente. Acredite quem quiser.
A reportagem da Folha foi o assunto do Brasil ao longo do dia e teve grande repercussão na imprensa internacional. O portal UOL deu destaque para a notícia, enquanto G1 e R7 simplesmente a ignoraram. Não havia sequer uma linha de rodapé na página principal desses portais. Na TV, que ainda é o principal meio pelo qual os brasileiros se informam, a bomba foi tratada como biribinha em todos os principais jornais. O Jornal Nacional da Globo dedicou um tempo irrisório para o assunto e nem se deu ao trabalho de citar a Folha como autora da denúncia, tratou como se fosse coisa da campanha do Haddad. Ainda chamou o esquema de “suposto”, um excesso de zelo que nunca se viu antes na história desse país. No dia seguinte, depois que o TSE deu prosseguimento à ação apresentada pela campanha de Haddad, o Jornal Nacional foi obrigado a dar o devido destaque para o caso.
A bola agora está com o TSE. Me parece óbvio que Bolsonaro não terá sua candidatura cassada antes da eleição. Primeiro porque o histórico do TSE no combate às notícias falsas tem sido marcado pela leniência. Segundo porque uma investigação digital desse porte não se faz do dia para a noite. Há muito o que ser apurado: a quantidade e o conteúdo das mensagens, o valor dos contratos e até que ponto se deu a participação das agências. A reportagem da Folha não deixa dúvidas sobre a existência de um esquema fraudulento em favor de Bolsonaro, mas é preciso apurar todos os responsáveis e identificar todas conexões com a campanha do PSL. E isso leva tempo.
Se nenhum fato novo mudar o panorama eleitoral até o dia 27, em 2019 Bolsonaro vestirá a faixa presidencial e subirá a rampa do Planalto com um grave crime eleitoral nas costas. O governo dos militares terá que lidar com uma investigação que poderá cassar sua candidatura. Será que o judiciário brasileiro agirá com a mesma pressa que agiu para tirar Lula do pleito? Terão nossos togados peito para enfrentar um presidente recém-eleito que disse que não aceitaria o resultado das urnas caso não vencesse? E se a eleição for anulada, o capitão aceitará docilmente a decisão do judiciário e entregará o cargo?
Você sabia que...
O Intercept é quase inteiramente movido por seus leitores?
E quase todo esse financiamento vem de doadores mensais?
Isso nos torna completamente diferentes de todas as outras redações que você conhece. O apoio de pessoas como você nos dá a independência de que precisamos para investigar qualquer pessoa, em qualquer lugar, sem medo e sem rabo preso.
E o resultado? Centenas de investigações importantes que mudam a sociedade e as leis e impedem que abusadores poderosos continuem impunes. Impacto que chama!
O Intercept é pequeno, mas poderoso. No entanto, o número de apoiadores mensais caiu 15% este ano e isso está ameaçando nossa capacidade de fazer o trabalho importante que você espera – como o que você acabou de ler.
Precisamos de 1.000 novos doadores mensais até o final do mês para manter nossa operação sustentável.
Podemos contar com você por R$ 20 por mês?